Sou desperta pelo barulho estridente do meu despertador, entretanto, diferentemente de todas as vezes que eu fui acordada por ele, dessa vez eu acordo feliz. Eu sabia que estava pronta para dar um passo importantíssimo na minha carreira, que hoje seria um dia importante. Então, não tinha como eu acordar m*l-humorada.
A minha noite de sono tinha sido como o esperado, terrível! Eu demorei horas para cair no sono, precisei levantar da cama algumas vezes e trocar de posição milhares de vezes, até de fato ser vencida pelo cansaço. A minha mente estava a mil e eu só conseguia pensar em como seria a minha conversa com os executivos da equipe da Voxx, torcendo para que eles me quisessem de verdade.
Levanto da cama num pulo e mesmo tendo dormido muito pouco, me sinto extremamente disposta, como se tivesse tido a melhor noite de sono da minha vida.
Estico a minha cama e dou passos rápidos até o meu banheiro, assim que os meus olhos batem na imagem refletida no espelho, eu vejo o quanto o cansaço estava nítido no meu semblante, que não importava o quão disposta eu estava me sentindo, já que a minha aparência estava entregando todo o meu cansaço. As olheiras abaixo dos meus olhos estavam bem escuras.
Ramon ia me m***r!
Inclino-me na pia e abro a torneira, começando a jogar uma boa quantidade de água sobre o meu rosto, torcendo para que a água gelada fizesse o seu trabalho e melhorasse o meu semblante. Feito isso, eu perco um tempo escovando bem os meus dentes.
Eu tinha cerca de uma hora para me arrumar e sair de casa, coisa que para mim, era bem tranquilo. Eu não era uma mulher muito vaidosa, na verdade, sobre cuidados pessoais eu sabia apenas o básico.
Começo a passar uma boa quantidade de corretivo abaixo dos meus olhos, espalhando com os dedos. Depois passo um pouco de base, um blush, rímel e um batom fraco. Era isso!
Solto o meu cabelo do coque e penteio ele, gostando das ondas que se formaram nos fios, por conta do coque, dando a impressão que eu tinha gastado um tempo fazendo babyliss nele. Vendo assim, até parece que eu sei me arrumar.
Dou passos acelerados de volta ao meu quarto, caminhando em direção ao meu guarda-roupa o abrindo, a roupa de hoje seria a mais básica possível, quer dizer, eu usaria uma roupa bem formal, mas nada que fosse muito glamouroso.
Agarro o meu blazer preto, uma camisa branca e uma calça de alfaiataria, visto tudo em poucos minutos e paro em frente ao meu enorme espelho, gostando muito do que estou vendo. Coloco a camisa por dentro da calça e coloco uma das mãos no bolso dela, virando de lado para ver melhor como tinha ficado. Perfeito!
Me aproximo do meu guarda-roupa mais uma vez e agarro o único par de saltos que eu tinha a minha disposição, era um scarpin lindíssimo que eu tinha ganho da minha mãe, há alguns anos, quando ela ainda acreditava que eu teria um trabalho convencional num escritório e usaria sapatos como esse.
Em modo geral, eu nunca fui a garota do salto. Estar dentro de um carro o tempo todo, não te dá muito essa vontade, já que dirigir com salto é algo bem desconfortável, pelo menos para mim. Eu sempre fui da opinião que nós temos que estar confortáveis com o que estamos usando, independente do que seja. E para mim, tênis é a definição perfeita de conforto, diferente de salto.
A minha mãe sempre disse que essa minha percepção vem da ideia de que eu m*l uso salto e por não ter o costume, acabo o achando desconfortável. E bom, se eu realmente dependo disso para me adaptar, isso não vai acontecer nunca.
Me sento na beirada da cama e calço o par de saltos com todo o cuidado, sentindo os meus dedos sendo apertados por eles, faço uma pequena careta e solto um suspiro, antes de me levantar e ir até o espelho mais uma vez. Não existem dúvidas de que um salto, dá um UP em qualquer look. O scarpin me deixou cem vezes mais elegante do que antes, ótimo! Faço algumas poses, para ver se eu estava passando a imagem de alguém profissional e abro um sorriso enorme ao constatar, de acordo com o meu ponto, que sim. Eu estava passando muita credibilidade essa manhã e se eu fosse eles, com certeza iria querer me contratar.
Aliás, quem não ia querer?
Pego uma bolsa pequena, onde a minha carteira e os meus documentos já estavam e saio do meu quarto, agarrando o meu celular em uma mão e a bolsa na outra. Dei uma olhada rápida para a cozinha e me perguntei mentalmente se eu ia comer alguma coisa antes de ir decidindo muito rapidamente que não.
Quando eu estava nervosa/ansiosa com uma situação, não sentia vontade de comer nada, sequer existia fome. O meu estômago ficava estranho, quase embrulhado e a sensação que eu tinha é que iria atacar uma caganeira a qualquer momento. Eu sei, isso é crítico!
Mas gosto de pensar que todo ser humano passa por isso, até aqueles que a gente tem certeza que nunca ficam nervosos com nada. Por isso o meu hobbie preferido é assistir entrevista de pessoas extremamente famosas, apenas para ver elas dizerem que não importa quanto tempo passe, sempre existe um pingo de nervosismo quando você está prestes a fazer algo de que ama.
É reconfortante!
Tenho para mim que a nossa preocupação tem que ser o momento em que esse friozinho na barriga não existe mais, porque talvez isso indique que a sua situação atual, já deu o que tinha que dar.
Tranco o meu apartamento e caminho até o elevador em passos rápidos, entrando nele e apertando o botão correspondente a garagem, enquanto ele desce, aproveito para checar as minhas mensagens e não tenho surpresa alguma ao ver uma do Ramon, de alguns minutos atrás.
Ramon:
Bom dia, Sophie! Está pronta para a nossa reunião? Espero que sim.
Já estou chegando no local, te espero em frente ao prédio deles, seja pontual!
O mais engraçado de trabalhar com o Ramon é que ele me tratava quase como uma filha e por mais que soubesse do quanto eu sou responsável, sempre estava de olho para que eu não saísse da linha. Confesso que já tive a fase de detestar isso com toda minha força, mas hoje eu vejo que é apenas a sua maneira de cuidar de mim, de me manter bem.
Dígito uma resposta rápida e saio do elevador, assim que as portas se abrem diante dos meus olhos. Destravo o meu carro e o encaro com atenção, soltando um suspiro. Quando eu digo para as pessoas que sou uma pilota, elas sempre pensam que eu dirijo uma máquina, só que a realidade é bem diferente da expectativa. Eu tinha um Mini Cooper, sim, eu sei. Ele não era bem o meu sonho de consumo, mas era o carro que eu conseguia manter por agora, já que eu ainda não fazia parte de uma boa equipe, e consequentemente, não ganhava um salário exorbitante. Eu vivia uma vida de classe média.
Tinha condição de bancar um apartamento de solteiro e tinha alguns pequenos luxos, mas estava longe de ser rica e ter um salário milionário para esbanjar.
Eu tinha uma vida confortável.
Entro no pequeno carro e jogo a bolsa no banco do passageiro, me livro dos saltos e puxo o cinto, antes de dar partida no carro e começar a dirigir em direção a empresa da Voxx.
Gasto cerca de vinte minutos para estar em frente ao enorme prédio, estaciono o carro na primeira vaga que encontro e caminho em direção ao Ramon, que já estava ao meu aguardo lá na frente, da maneira como tinha dito.
- Bom dia! – sorriu gentil e esticou um pequeno copo de café em minha direção. – Eu sei que você não deve ter comido nada, então achei melhor trazer café, essa reunião pode durar horas é bom que você não passe fome nela.
Como eu disse, as vezes ele agia como um pai para mim.
- Você me conhece tão bem. – deixo um beijo estalado em sua bochecha, o que faz ele rir. E pego o copo de sua mão, dando um gole no café.
Entramos no prédio enorme da Voxx e eu me sinto um pouco mais tranquila por estar com o Ramon, já que ele tomaria a frente de tudo. Caminhamos até um pequeno balcão, sendo recepcionados por uma mulher sorridente.
- Bom dia! No que posso ajudar?
- Bom dia. Temos uma reunião marcada. – Ramon diz de forma tranquila.
- Tudo bem. Qual é o nome de vocês?
- Ramon Murray e Sophie Hill.
A recepcionista parece checar algo em seu computador, começando a digitar algumas coisas, antes de voltar os seus olhos para nós dois.
- Certo, a reunião de vocês será no décimo andar, na sala de reunião de frente para o elevador.
- Obrigado!
Ramon começa a andar em direção ao elevador e eu apenas acompanho os seus passos, sentindo a minha tensão aumentando lentamente, na medida em que o momento vai se aproximando.
Eu sentia como se o meu destino estivesse pronto para ser decidido, o problema é que seria decidido por outra pessoa e não tem nada mais angustiante do que isso.
Ramon aperta o botão correspondente ao andar e eu aperto o copo em minha mão.
- Tente se manter calma, Sophie. Tudo dará certo! – ele fala tranquilo e eu solto um suspiro.
Queria ter toda essa certeza.
- Como você consegue ter toda essa certeza, Ramon? – encosto a lateral do meu corpo contra a parede de aço, o olhando com atenção.
- Eu sei que você tem dado o seu melhor nas pistas, Sophie. Sei o quanto tem se esforçado para ser a melhor e para atrair a atenção das equipes. A sua parte você já está fazendo e se eles te chamaram até aqui, é porque estão interessados e se eles estão, outras equipes grandes também estarão. – Ele coloca a sua mão direita sobre o meu ombro esquerdo, como sinal de apoio, abrindo um pequeno sorriso para mim.
Eu tinha muitos elogios para tecer ao Ramon, mas tinha uma coisa especifica nele que me deixava extremamente confortável com o profissional que eu tinha ao meu lado. Ramon acreditava em mim de verdade, ele via capacidade em mim e sempre que podia, me mostrava isso. Ele não estava aqui por ser conveniente para ele, por estar ganhando para isso, ele estava aqui porque sabia que eu podia ir longe e estava disposto a ir comigo nessa.
Ramon era um homem de caráter acolhedor, aquele tipo de pessoa que você tem prazer de estar por perto, que te faz se sentir confortável. Com os seus quarenta e poucos anos nas costas e toda a experiência de vida e de carreira e com uma bela família formada, ele era o melhor para mim, porque além de cuidar muito bem dos meus interesses, nesse tempo em que estamos juntos, eu sinto como se tivesse alguém da minha família comigo o tempo todo, o que fazia eu me sentir extremamente segura.
Ramon não era apenas o meu empresário, ele era um grande amigo.
Abro um pequeno sorriso para ele e concordo com a cabeça.
- Eu não sei o que faria sem você. Ramon. – Falo sincera.
- Ainda seria uma pilota de sucesso Sophie, tudo o que você conquistou, e o que ainda vai conquistar, vai ser fruto do seu trabalho e esforço.
- Mas sem pessoas especiais por perto, Ramon, pessoas que acreditem nesse sonho, tanto quanto eu, isso não seria possível. – Bato o meu corpo contra o seu, o que faz ele rir baixo. – Eu sou muito grata por ter você nessa comigo, Ramon e sempre que puder, deixarei isso claro. Ninguém chega a lugar nenhum sozinho.
- Você é uma garota de ouro, espero que esse mundo não te corrompa. – Vejo uma preocupação real em sua feição com esse tema.
A essa altura do campeonato, e levando em consideração as coisas que eu já presenciei, consigo entender a preocupação do Ramon. Algumas pessoas não precisam de muito para se tornarem seres desprezíveis, basta dar um pouquinho de poder, dinheiro e fama, e bum! A mágica acontece.
- Sei que você não permitiria que eu chegasse a esse ponto, me colocaria no lugar rapidinho. – Falo brincalhona.
Não só ele, mas toda a minha família e o Joseph, me dariam uma chacoalhada. Manter eles por perto também é uma maneira de eu não me perder, eles não permitiriam isso.
- Com certeza!
As portas de aço se abrem e eu sinto como se a minha bolha tivesse sido acabada de ser estourada, ter essa conversa com o Ramon fez que eu me distraísse de uma maneira, que durante alguns minutos, eu me esqueci de onde estava e do passo importante que poderia dar hoje.
- Está pronta? – me olha com atenção, antes de dar um passo sequer para fora do elevador.
- Sim. – Ajeito a minha postura e deixo a Sophie confiante e destemida tomar conta da situação, a mesma Sophie que eu ativava na pista. Ela seria a minha salvação.
Ramon sai na frente e eu sou rápida em acompanhá-lo, indo em direção a sala de reunião que tinham indicado para nós.
A sala era toda de vidro, permitindo que a gente visse dois homens muito bem-vestidos lá dentro, sentados na enorme mesa de reunião, conversando distraidamente um com o outro. Ramon se aproxima da porta de vidro e dá uma batida fraca nela, atraindo a atenção dos dois para nós, um deles é rápido ao se levantar, vindo até a porta e a abrindo com um sorriso no rosto.
- Sejam muito bem-vindos, chegaram no horário. – Ele elogia e crava os seus olhos em mim. – É um prazer te conhecer, Sophie! – ele estica a mão direita para mim, a pego prontamente, dando um aperto firme. – Ouvi muitas coisas ao seu respeito.
- Espero que coisas boas. – Falo de uma maneira descontraída e ele abre um sorriso na mesma hora, assentindo.
- Meu nome é Thomas Young e atualmente sou o representante oficial da Voxx, sou eu quem cuido da contratação dos novos pilotos. – Ele se apresenta. Thomas é um homem bem alto, de pele parda e deve ter por volta dos seus cinquenta e poucos anos de idade, parece ser um homem muito tranquilo e gentil, o que era um bom sinal.
- É um prazer enorme te conhecer, Thomas. Esse é o Ramon, meu empresário. – Aponto para o homem alto ao meu lado e os olhos do Thomas se desviam de mim para o Ramon na mesma hora.
- Obrigado por ter vindo, Ramon. – Eles apertam as mãos. - Estamos muito animados para apresentar a nossa proposta para vocês!
Thomas abre espaço para que a gente possa entrar na sala, e assim fazemos, vendo o outro homem se levantando, mantendo os seus olhos presos em mim.
- Esse é o Lorenzo Rossi, o nosso chefe de equipe. – Thomas apresenta o outro rapaz.
O Lorenzo olha para mim por alguns segundos, mantendo um semblante bem sério, já espero pelo pior, já que muitas pessoas nesse ramo odiavam a ideia de ver uma mulher nessa profissão. Lorenzo é claramente italiano, chuto que ele deva ter uns trinta anos.
Fico tensa com os seus olhos presos em mim, até ele abrir um sorriso amigável, fazendo com que eu sinta um alívio imediato.
- É um prazer conhecer a Sophie Hill. – Ele fala animado e estica a mão para mim. O sotaque italiano está presente em seu inglês, e de certa forma, isso deixa a sua voz mais acolhedora.
- É um prazer te conhecer, Lorenzo. – Falo tão animada quanto.
Ele cumprimenta o Ramon.
- Temos café, algumas coisas para beliscar e água, caso estejam servidos. – Thomas diz e aponta para o canto da sala, onde tinha uma pequena mesa com as coisas que ele tinha dito.
- Não vou querer nada não, obrigada! – falo gentil e me sento em uma das cadeiras.
- Também estou bem. – Ramon se senta na cadeira ao meu lado.
Thomas e Lorenzo se sentam na nossa frente e eu dou um gole no café que o Ramon tinha me dado, colocando o copo sobre a mesa.
- Convocamos mais um piloto para essa reunião, vamos só esperar ele chegar para começarmos. – Thomas explica, encarando o relógio brilhante em seu pulso.
Mais um piloto? Ah, não pode ser! Sinto a tensão tomando conta de cada parte do meu corpo, apenas com a ideia do piloto em questão ser o Tristán. Tudo estava tão perfeito por aqui, eu estava a um passo de entrar em uma grande equipe e ter mais destaque e tudo isso seria destruído, caso aquele mala seja esse outro piloto.
- Olha, ele acabou de chegar. – Thomas se levanta em um pulo e caminha até a porta, a abrindo.
Eu estava de costas para a porta e não tive coragem alguma de me virar para ver quem era o piloto em questão, tinha medo de ser quem eu estava pensando, porque se fosse, ia destruir esse momento.
- Nós só estávamos esperando vocês. – Thomas diz e eu ouço os passos se aproximando, até a sombra de alguém estar diante de mim.
Crio coragem para erguer os meus olhos e sinto todos os meus músculos enrijecerem ao encarar o Tristán, vendo que ele parece tão descontente quanto eu.
- O que ela está fazendo aqui?! – pergunta irritado e encara o Thomas.
- Ela está aqui para o mesmo propósito que você, Tristán. A Voxx está interessada em vocês dois.
Solto um longo suspiro e passo uma das mãos pelo meu rosto. Isso não vai dar certo, não tem como dar!