O Preço do Cio

1500 Words
Eu já tinha vivido aquilo. Cada maldito segundo. O salão era o mesmo. A pedra no chão, o cheiro abafado, os olhares fingindo firmeza. Tudo igual. A única coisa diferente era eu. Porque dessa vez, eu sabia quem ia morrer. Helena apertava meu braço como se pudesse me manter no lugar. Como se não estivesse prestes a me ver arder de novo. Ela não lembrava. Mas meu corpo lembrava. Minhas vísceras. Meus ossos. O conselheiro subiu no estrado. A cara dele me dava ânsia. A mesma voz seca, o mesmo coque ridículo. — Bem-vindos ao Torneio das Casas Lupinas, como sabem ele acontece toda ve que um novo Supremo Alfa sobe ao poder, com o único objetivo de que os mais fortes componha o novo reinado. Na outra vida, eu tremi quando ouvi isso. Dessa vez, só fechei os punhos. Porque eu sabia o que vinha. Sabia quem ia gritar primeiro, quem ia m***r dormindo, quem ia implorar pela mãe antes de sangrar até o fim. — Três vão vencer: a Luna, o Beta, o Gama. O resto... se sobreviver, talvez preste pra algo. Se não... paciência. Meu estômago virou. Não era medo. Era raiva. Raiva por estar ali de novo. Por saber como ia acabar. — Cada semana, um território novo. Nenhuma regra. Se quiserem m***r dormindo, matem. Se quiserem f***r e depois enfiar a faca, f**a-se. Helena me lançou um olhar de lado. Eu nem pisquei e falei sarcástica. – Romântico não né. Eu já tinha visto aquela cena. Um beta rindo alto demais. Uma ômega suando frio. Todos achando que podiam prever o caos. Idiotas. Porque o caos era eu. O idota do instrutor continuou: – Amanhã, começaremos os treinos e terão maiores explicações vamos para a chamada para conferir se estão todos aqui. Os nomes foram ditos um por um. Segurei a respiração. — Aurora, filha de Lena. Puta m***a. Eu sabia quem vinha depois O peito afundou. Os olhos pesaram. — E Dante, filho de Argus. Helena se encostou no meu ombro. — Você viu esse pedaço de pecado? Minha melhor amiga ainda não sabia. Ainda era leve, debochada. Ainda estava viva. — Vi. Queria não ter visto — sussurrei. Eu ia dizer algo mais porem ... O chão sumiu. Eu tentei. Juro que tentei. Mas foi ouvir o nome dele e pronto. O cio veio como p*****a. Começou lá embaixo e subiu feito incêndio. Eu gelei, depois ferveu. Não consegui nem disfarçar. A perna falhou, a mão agarrou na beira da mesa e ficou lá, firme, pra eu não cair. A p***a da essência saiu antes de eu perceber. Eu senti. Senti escorrer, senti o calor. Senti o cheiro subir. Todo mundo sentiu. O salão virou um inferno. Um silêncio tenso. E aí eu olhei pra ele. Dante. Ele me encarava. Diferente. Como se tivesse levado um soco. Não disse nada, mas o corpo dele falou tudo. Narinas abertas. Maxilar travado. A veia no pescoço pulando. Ele tava lutando. Mas o olhar dele… o olhar dele tava colado em mim. Como se já tivesse viciado no cheiro. Como se fosse me engolir com os olhos. E eu? Eu quis rir. Quis chorar. Quis gritar na cara dele: “Tá sentindo? Tá doendo aí também, filho da p**a?” Porque ele sentiu. Sentiu tudo. Cada gota. E não foi só ele. Os alfas se mexeram. Os betas também. Até os ômegas que fingem que não veem ninguém tavam me olhando. Como se eu fosse um pedaço de carne fresco no meio de uma matilha faminta. "Você é um farol no meio da carne." A voz da minha loba veio no meio do caos. "Todos vão querer te provar." — Cala a boca. — murmurei, baixo. A garganta seca. Mas ela só ria. Porque ela sabia. Dante deu um passo. Um passo. E meu corpo puxou o ar como se fosse pular no dele. Eu quase fui. Mas aí o Conselho gritou: — Todos às suas alas! Agora! Foi como quebrar o encanto. Barulho. Correria. Comandos. Mãos me empurrando. Gente saindo. Uma mão no meu braço. — Anda. Vem comigo. Eu nem vi quem era. Só andei. Deixei me levar. Mas ainda tava quente. A pele colando no vestido. O cheiro dele grudado no meu nariz. "Você tá tremendo." A loba riu. "Mas não é medo." — Que se f**a. Que ele enlouqueça. — Vai ficar oferecendo esse perfume de cio no meio do salão, v***a? Anda. Helena. Apertando meu braço como se fosse dona de mim. Como se fosse normal puxar uma filha no cio no meio de um mar de lobos. E ele? Ele ficou lá, parado, me olhando como se eu fosse tudo. Como se não existisse mais nada no mundo além do meu cheiro. A p***a das narinas dele ainda abertas. O peito subindo devagar, pesado. As mãos fechadas. Ele tava no limite. — Ei! Aurora! — Helena me sacudiu. — Ou vem comigo ou vai virar banquete ao vivo. O corpo obedeceu. Mas a cabeça ainda tava nele. Andei. Me arrastei. Encostei na parede. — Vai cair? — ela perguntou. — Tô bem. — falei. Mas minha mão tava fechada em punho. A vontade era de quebrar tudo. Encostei a testa na parede. A pedra tava gelada. Quis ficar ali pra sempre. Mas falei. Pra mim mesma. Pra ela. Pra ele. — Que ele me siga. Que enlouqueça. Que implore. E baixinho: — Mas dessa vez… é ele quem vai sangrar. — Ele quem? Helena parou de andar. A mão dela ainda segurava meu braço, mas o olhar já era de desconfiança. Demorou um segundo. Só um. Mas foi o bastante pra minha cara entregar tudo. Eu tinha falado alto. m***a. "Coloca uma placa na testa, por que não?" A voz da minha loba veio seca, quase cansada. "Morri, vivi, voltei pra f***r com tudo. Se continuar com essa língua solta, vamos morrer mais cedo do que antes." Ela não precisava gritar. O tom já bastava pra enfiar o arrependimento até o osso. — Esquece. — desviei os olhos. — Foi o cio. Falei m***a, só isso. Helena não respondeu de imediato. Me olhou como se soubesse que era mentira, mas também sabia que não ia tirar mais nada dali. — Anda, antes que você atraia um m******e. Ela voltou a andar, me arrastando pelos corredores como se estivesse carregando uma bomba prestes a explodir — e tecnicamente, era isso mesmo. O cheiro ainda estava em mim. Grudado. Preso na pele, no vestido, entre as pernas. Era como andar com uma placa piscando “fêmea em cio” no meio de um acampamento militar. Entramos num dormitório de pedra. Simples. Rústico. Duas camas com cobertas escuras, colchas ásperas, uma janela sem tranca. A vela acesa no canto deixava as sombras dançando pelas paredes. Helena trancou a porta. Enfiou a mão no bolso da capa. Tirou um frasco pequeno, escuro, com um rótulo quase apagado. — Fica entre a gente. Estendeu o frasco como quem oferece uma bala. Mas o cheiro que saiu assim que o vidro girou já avisava que não era doce. — Bruxa da aldeia. Eu paguei caro. — Isso é ilegal. — Minha voz saiu fraca. Seca. Quase uma lembrança da voz que deveria ser. — Você quer que todos os alfas da Academia passem a noite inteira farejando tua calcinha? Então cala a boca e bebe. Eu peguei o frasco. Aquele líquido preto parecia veneno. E talvez fosse. Mas veneno era melhor do que ser estraçada no corredor. Bebi. A dor veio na hora. Queimou a garganta, abriu um rastro no peito, explodiu quente na barriga. As costas arquearam, os dedos se fecharam com força no lençol da cama mais próxima. O cio recuou. Não desapareceu. Ficou lá, escondido, latejando como ferida recém-coberta. Me deixei cair de lado na cama. O corpo tremia. A cabeça girava. A pele ainda queimava em lugares que eu não queria admitir. Helena apagou a vela com um sopro. — Se você começar a gritar o nome de alguém, eu vou fingir que não ouvi. Virei o rosto pro lado. Não respondi. Não dormi. Eu apaguei. Caí. E no escuro, lá estava ele. Dante. Os olhos cravados nos meus. A boca roçando meu pescoço, depois descia pela clavícula, depois entre os s***s. As mãos segurando meus quadris como se fossem dele por direito. O calor voltou com tudo. A respiração dele na minha nuca era rápida, suja, molhada. Senti as coxas dele entre as minhas. Meu corpo se abriu sem resistência. Minhas mãos agarraram os ombros dele com força. Eu empurrava pra mais perto, pro mais fundo. Ele encaixava. Me pressionava. E eu cedia inteira. Me arqueava por impulso, querendo sentir. Sentir tudo. Agora. Mas aí tudo mudava. A pele dele ficava fria. Os olhos, negros. Os dentes cresciam, rasgavam minha garganta. O prazer virava sangue. E eu sorria. Sorria com gosto, como quem esperou aquilo a vida inteira. Porque eu matava ele. Uma. Duas. Três vezes. E cada vez era melhor.
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