No momento em que entra no seu quarto Hideo se permite cair sobre a sua cama frustrado, a sua manhã tinha sido arruinada pela mera visão do seu pai. Ele se lembrava de uma época em que pegar o seu pai em casa era um momento feliz, Hideo não sabia quando isso tinha mudado, ou quando ele tinha passado a sentir aquela raiva que sempre o queimava quando estava perto do pai.
Ele tenta ignorar aqueles pensamentos, não valia a pena visitar velhos fantasmas, então apenas toma um banho se veste e parte para o seu apartamento no centro, ele não pretendia voltar aquela casa tão sedo. A única coisa que lamentava era a companhia da mãe, mas ela ainda poderia o ver sempre que quisesse.
Assim que chega ao seu apartamento Hideo se deixa cair no sofá da sala, ali ao menos ele não precisava fingir ser algo que não era, podia ser ele mesmo sem se preocupar com olhares indesejados. Com pensamentos nebulosos rondando a sua mente Hideo lentamente cai em sono profundo, o seu corpo exigindo um descanso que ele não tinha lhe dado nos últimos dias.
Um som estridente acorda Hideo, ele olha para o seu telefone chateado, mas ao ver a hora se lembra do seu compromisso mais tarde. Se levantando do sofá ele corre para o seu quarto em busca das suas coisas. Hideo se troca escolhe tudo o que precisaria e desce para a garagem. A sua cobertura tinha um elevador próprio, o qual ele era grato já que não precisaria ficar se escondendo de olhares indesejados. No momento em que chega a garagem ele ouve o som alto da chuva que caia no lodo de fora do prédio, um prelúdio do que aconteceria mais tarde.
Hideo chega no porto a tempo de ver o primeiro navio atracar, ele já faia aquilo a tanto tempo que tinha aprendido a identificar s navios de contrabando, já não se enganava mais. Comum ultimo suspiro ele se prepara para entrar em ação.
Parecia que tudo a sua volta tinha se transformado em um borrão enquanto ele se infiltrava no primeiro navio e neutralizava os traficantes. Oksana estava certa e eles realmente estavam em maior número do que ele imaginava, mas aquilo não o impediria de continuar com o plano.
A chuva caía pesada, lavando a lama e o sangue do chão. O trovão ribombava ao longe, como o rugido de um predador à espreita. Hideo respirava com dificuldade, encostado em um dos contêineres enferrujados que havia invadido momentos antes. A dor em sua costela indicava uma fratura — ou no mínimo, uma pancada que o deixaria fora de combate por tempo demais. Ele havia sido descuidado ao entrar no segundo navio, e agora pagava o preço por aquilo.
O som de vozes se aproximando o alertou. Ele apertou os olhos, tentando se concentrar. Os gritos desesperados das mulheres e crianças que havia libertado ainda ecoavam em sua mente. A missão fora um sucesso parcial: ele havia conseguido impedir o transporte, mas não previu a armadilha preparada pelos traficantes. Com sorte a polícia já tinha sido acionada e não daria tempo deles removerem os prisioneiros para outro lugar.
— Ache o japonês! — gritou uma voz masculina, carregada de raiva. — Ele não pode ter ido longe!
A respiração de Hideo ficou mais pesada. Estava cercado. Pelo menos sete homens armados vasculhavam o pátio do porto abandonado. Ele olhou para o revólver em sua mão — duas balas. Não seriam suficientes. Não com aquele ferimento. Não naquele estado.
“Maldita hora que não escutei a Oksana...”, pensou, com um meio sorriso dolorido. A sua amiga pegaria no seu pé por um bom tempo por causa daquilo.
O barulho de passos se aproximava. Ele se preparou para atirar, mesmo sabendo que seria o fim. Mas então, antes que pudesse erguer a arma, os céus se iluminaram com faróis potentes. A tenção toma conta do corpo de Hideo, ele não estava esperando ajuda e não sabia dizer se eram amigos ou inimigos que se aproximavam.
Motores rugiram. Pneus cantaram. Carros blindados surgiram da escuridão como fantasmas metálicos, cercando o local em segundos. O estrondo de tiros se espalhou, abafando até mesmo a tempestade. Hideo ouvia o barulho, podia sentir o caos que se espalhava a sua volta, mas seus olhos já não conseguia enxergar direito, a suas vistas estavam turvas e ele sabia que aquilo se devia a perda de sangue que ele tinha sofrido.
Os gritos agora vinham dos homens que o perseguiam. Um a um, caíam sob uma rajada precisa de balas. Hideo tentou erguer-se, mas suas pernas vacilaram. O mundo girava. A dor era insuportável.
Foi então que a viu.
Saltos finos. Passos firmes. Uma figura se aproximava dele com determinação. O som das botas sobre o concreto molhado cortava o caos ao redor. Hideo piscou, tentando focar a visão turva. Os relâmpagos iluminavam brevemente a silhueta de uma mulher — alta, postura confiante, envolta num sobretudo escuro.
Ele tentou falar, mas apenas um gemido saiu de sua garganta. A mulher ajoelhou-se ao seu lado. Hideo sentiu os dedos frios dela tocarem seu rosto ensanguentado.
— Você foi i****a em vir sozinho... — disse a voz feminina, firme, mas com um leve tom de carinho.
Ele tentou vê-la melhor. Os olhos semicerrados. A dor latejando. Mas antes que conseguisse ver o seu rosto, a escuridão o envolveu.
Desmaiou.
A chuva continuou a cair, agora misturada ao cheiro de pólvora e fumaça. Os gritos cessaram. A figura feminina ergueu-se lentamente, observando os carros ao redor, como se estivesse verificando se tudo estava sob controle.
— Ele está seguro. — disse ela para alguém ao rádio. — Recolham os corpos. Essa guerra está só começando.
Com uma última olhada a sua volta um soldado recolhe Hideo o colocando no mesmo carro que a mulher havia entrado. Ela encarava o seu rosto sereno com um misto de sentimentos, ela suspira enquanto o carro parte pela noite escura cada segundo contando para que Hideo ficasse bem, e se dependesse dela, ele ficaria.