Capítulo 1
Às vezes, Hideo se sentia como um peixe fora d’água. Era como se estivesse no lugar errado, fazendo a coisa errada — mas isso era apenas algo que passava por sua cabeça nos momentos em que a sua mera existência era questionada. Ele vivia uma fase da vida em que tudo parecia cansativo e tedioso, e nada fazia sentido — o que ele atribuía ao fato de viver em constantes brigas com o pai.
Com um suspiro, montou em sua moto e arrancou pelas ruas movimentadas de Tóquio. Ele só queria deixar para trás aquela sensação que o perseguia sempre que voltava para casa — para o lugar onde seria cobrado como uma criança por não cumprir com as suas obrigações.
No momento em que os soldados percebem a sua chegada, apenas abrem o portão e saem de sua frente. Eles haviam aprendido há muito tempo que não era uma boa ideia ficar no caminho quando ele estava com pressa. Hideo guarda a moto e, com passos arrastados, dirige-se até a entrada da casa — o lugar de seu tormento.
— Seja bem-vindo, senhor. — Diz o mordomo, pegando o casaco de Hideo assim que ele entra. — Seus pais o esperam na sala de jantar.
— Obrigado, Takashi. — Diz Hideo, caminhando em direção à sala. Ele sabia que não poderia evitá-los por muito mais tempo. O seu pai não estava feliz com as suas fugas constantes, e no momento o melhor que podia fazer era se comportar até que ele se acalmasse.
Com passos firmes, Hideo se aproxima da sala de jantar. Vê quando os pais param ao notar a sua presença. A mãe o encara com um olhar caloroso e, com um sorriso nos lábios, levanta-se e vem até ele, dando-lhe um abraço apertado.
— Estava com saudades, meu filho. — Diz ela, beijando as suas bochechas.
— Eu também, mãe. — Responde ele, retribuindo o carinho.
Era disso que ele sentia falta. Daquele calor que só a mulher à sua frente sabia lhe dar. Porque era em seus braços que ele se sentia apenas um garotinho, livre de qualquer responsabilidade. Ali, ele era apenas o filho — e não o herdeiro de um império do crime.
— Venha se sentar. Aposto que está com fome. Ficar andando por aí só te fez perder peso. — Diz ela, puxando-o para a mesa. Hideo puxa a cadeira para a mãe e senta-se ao lado dela.
Durante toda a conversa, Hideo sentia o olhar do pai sobre si. Sabia que ele não estava feliz e já imaginava a discussão que viria. Apenas suspira e ergue o olhar, encontrando os olhos do pai fixos nele.
— Olá, papai. — Diz ele, sem desviar o olhar.
— Pensei que teria que deserdá-lo, já que não aparece para cumprir com as suas obrigações. — Diz Haruki, com o olhar gelado.
— Ainda dá tempo de fazer isso, papai. Aposto que tem bastardos suficientes para ocupar o meu lugar. — A sala pareceu congelar dez graus com aquelas palavras de Hideo. Os olhos de Haruki ardiam em brasa enquanto fitavam o filho. Hideo acabava de romper a represa de emoções que o pai tentava conter.
— Seu moleque abusado! Filho ingrato! Como ousa mencionar algo assim na mesa de jantar? Perdeu o respeito por mim e por sua mãe?! — Grita Haruki, levantando-se e socando a mesa com força.
No momento em que o pai menciona a mãe, Hideo se arrepende na hora. Ela era doce e adorável e não merecia ter as traições do marido esfregadas em sua cara como ele acabara de fazer. Sabia o quanto aquilo a afetava, e, na ânsia de ferir o pai, não pensara na dor que causaria a ela.
— Me perdoe, mãe. Não devia ter dito aquilo. — Diz ele, abaixando-se ao lado dela e segurando as suas mãos.
Mei amava aquele lado do filho. A forma como ele sabia se desculpar e cuidar dos seus sentimentos. Agachado a seus pés, ela via apenas o garotinho que crescera enfrentando o pai por ela — seu pequeno guerreiro.
— Não tem que me pedir desculpas, filho. Disse apenas a verdade. — Diz ela, suspirando e se levantando. — Vou me retirar. Tenham uma boa noite.
Hideo assistia à mãe deixando a sala com o coração partido. Sabia que tinha errado e encontraria uma forma de se desculpar com ela como devia.
— Viu o que fez?! Não podia, ao menos uma vez, entrar por essa porta e se comportar?! — grita Haruki, passando a mão pelos cabelos.
Aquelas palavras fazem a raiva de Hideo vir à tona. Ele se vira, deixando que o pai veja toda a fúria em seu olhar.
— Não venha jogar sobre mim uma culpa que é sua! Você continua a magoá-la dia após dia com os seus romances com essas quaisquer da rua! Já parou para pensar no que ela sofre, pai? Já se perguntou quantas vezes a suas amantes bateram à nossa porta para insultá-la?! — Hideo deixa escapar um sorriso, mas não havia alegria naquele gesto. — Aposto que não. Se for pra me casar e ser um marido tão inútil quanto você, eu prefiro ficar solteiro.
— SLAAP! — O som do tapa reverbera pela sala. Hideo sente a bochecha esquerda esquentar com o golpe que acabara de levar do pai. Ele se vira, tomado pelo ódio, pensando em como ele se atrevera a fazer aquilo.
— Pode me bater o quanto quiser, mas isso ainda não muda a verdade do que eu disse. — Responde, sem se deixar abater.
— Takashi! — Grita Haruki, fervendo de raiva.
— Me chamou, senhor? — Pergunta o mordomo, aproximando-se. Hideo já sabia o que viria a seguir.
— Sim. Chame alguns soldados e levem Hideo para uma das celas. Eles já sabem o que fazer. — Diz ele, com os olhos em brasa cravados no filho.
— Sim, senhor. — Responde o mordomo, chamando os guardas.
Hideo sorri, deixando-se cair sobre a cadeira à sua frente. Sempre terminava da mesma forma. Ele ainda não sabia por que esperava um resultado diferente dos embates com o pai. Lentamente, começa a remover as armas que estavam presas ao corpo e as coloca sobre a mesa.
— Vou facilitar a vida de vocês. — Diz, após retirar todas. Assim que os soldados chegam, Hideo apenas se vira e começa a andar. — Não se preocupem. Eu sei o caminho, rapazes.