A dor era a primeira coisa que sentiu. Como uma lâmina incandescente cravada nas costas, latejando a cada respiração. Hideo arfava, o peito lutando por ar, o corpo encharcado em suor frio. Os olhos abriram-se de súbito, desorientados, nublados pelas lágrimas involuntárias que a dor arrancava-lhe.
Por um instante, tudo era caos na sua mente. Imagens confusas do castigo, da humilhação, do sangue a escorrer-lhe pelos ombros. As correntes. As vozes. Os gritos. Tudo misturado numa espiral que o puxava de volta à escuridão.
Tentou levantar-se. O instinto de sobrevivência sobrepondo-se à razão. Mas o corpo não respondeu como deveria. Ao mover-se, um espasmo brutal percorreu-lhe a coluna, arrancando-lhe um grito sufocado de dor. Arfando sem ar Hideo se deixa cair novamente na cama. Era como se milhares de agulhas perfurassem suas costas lhe deixando sem reação.
— Aaaah! — gemeu, contorcendo-se sobre a cama.
O som ecoou pelo quarto, quebrando o silêncio da madrugada.
Sayuri foi a primeira a levantar-se da poltrona onde adormecera. Os olhos, ainda pesados, abriram-se em alarme. Mei, enroscada a um canto em um futon, acordou logo depois, atordoada pelo grito.
— Hideo?! — exclamou Sayuri, correndo para o lado dele.
Mei ergueu-se num salto, tropeçando nos cobertores, os olhos arregalados, cheios de lágrimas contidas. O seu filho finalmente tinha despertado, e mesmo que fosse apenas um grito era um sinal de que o seu filho estava vivo e que ficaria bem.
— Querido! Está acordado! — gritou ela, ajoelhando-se ao seu lado e segurando uma de suas mãos.
Hideo olhava para elas como se estivesse vendo fantasmas. O rosto pálido, banhado em suor, moldado pela confusão. Ele não sabia onde estava e muito menos o porquê delas estarem o olhando daquela forma espantada.
— Onde... onde estou...? — murmurou, a voz rouca e fraca como a brisa que antecede a tempestade. Os seus olhos tentando focar nas coisas a sua volta sem sucesso.
Sayuri segurou a mão dele com delicadeza, como se tivesse medo de quebrá-lo. Ela havia se preocupado tanto, e agora que ouvia a voz dele um grande peso deixava os seus ombros.
— Está na minha casa, Hideo. Está seguro agora. Você foi trazido para cá depois... depois daquilo — a voz dela tremeu, mas manteve-se firme.
Por um segundo os olhos de Hideo se encheram de confusão, mas então a compreensão chegou até ele. Hideo apenas suspira em resignação, o que estava feito, estava feito, não havia nada que ele pudesse fazer sobre aquilo.
Mei, incapaz de conter a emoção, deixou cair as lágrimas que lutava para reter. Agarrou-se ao filho, envolvendo-o num abraço cuidadoso, o rosto afundado no ombro dele. O único lugar que não tinha um ferimento. Era seu menino e ela queria apenas sentir o cheiro do seu filho e saber que ele jamais a deixaria.
— Pensámos que íamos te perder... — Diz ela entre lágrimas.
Hideo fechou os olhos por um instante, tentando juntar as peças dispersas do que lhe acontecera. Cada memória vinha envolta em névoa, como sombras de um pesadelo demasiado real. O calor das lágrimas de Mei na pele fez-lhe recordar que, apesar da dor, ainda estava ali. Ainda era ele. Ainda respirava.
— Jamais vai me perder mamãe. — Diz ele com um sorriso forçado. — Quem vai cuidar de você se eu não estiver aqui.
— Menino bobo! — Diz ela com um sorriso no rosto. — É o meu maior presente e tesouro filho, a minha vida não tem sentido em um lugar onde você não exista.
Hideo apenas se permite sentir o carinho de sua mãe, ele precisava daquilo para se sentir bem. Mas em meio ao abraço desajeitado que ela lhe dava ele também podia sentir outro toque, uma mão suave que segurava a sua com uma certa firmeza. Quando Mei se afasta os olhos de Hideo se fixam nos de Sayuri e na forma que ela o encarava.
— Não me olhe assim, eu estou bem. — Diz ele com uma voz suave.
Mei observa a conversa silenciosa que Hideo estava tendo com Sayuri, e um tanto relutante ela resolve lhes dar espaço para que conversassem um pouco.
— Vou buscar um copo de suco para você, deve estar com fome. — Diz se levantando.
— Não precisa mãe...
— Precisa sim, você ainda tem que se cuidar e vou garantir isso. — Diz ela enquanto abria a porta e saia os deixando sós.
— Ela é sempre tão teimosa. — Diz ele com um suspiro contra o travesseiro.
— Depois de tudo isso, nunca mais vou ver sua mãe como antes. — Diz Sayuri se sentando no chão perto de Hideo.
— O que quer dizer? — Pergunta ele preocupado, um vinco se formando em sua testa.
— Ela chegou no seu apartamento toda machucada, parecia que tinha caído, as suas mãos e joelhos estavam arranhados. Não sei o que ouve Hideo, mas a forma que a sua mãe chegou aqui nos mostrava que ela estava com pressa. — Hideo suspira, ele tinha visto o desespero de sua mãe e já imaginava o que devia ter acontecido.
— Dona Mei se preocupa de mais, ela não deveria se meter nesses assuntos. — Diz ele, mas sente quando Sayuri lhe da um forte beliscão no braço. Ai, Sayuri!
— Não diga isso, não vou permitir que fale da Tia Mei assim Hideo. — Diz ela co encarando com olhos hostis. — O desespero dela eu jamais esquecerei em minha vida. Ela o ama tanto que arriscou a própria vida para te ajudar. Já pensou no que o Tio Haruki vai fazer quando descobrir que foi ela que pediu ajuda?
Os olhos de Hideo se escurecem na mesma hora. Ele não sabia o que tinha acontecido, mas sabia que enquanto ele estivesse vivo ninguém jamais tocaria em sua mãe, ele não permitiria que Mei sofresse mais em sua vida.
— O que aquele desgraçado fez? — Pergunta Hideo tentando se levantar da cama. — Me responda Sayuri?!