Sayuri fechou a porta do quarto com força, o som ecoando no espaço vazio. Encostou-se à madeira fria, respirando fundo, tentando conter o turbilhão que se formava em seu peito. O seu coração ainda batia acelerado, não só pelo que havia acontecido com Lyo, mas pelo que aquilo dizia sobre Hideo… e sobre ela mesma.
Nunca imaginou que ele a defenderia daquela maneira. Nunca achou que alguém como Hideo fosse capaz de algo tão... visceral. Mas ele tinha sido. E isso a confundia. Hideo havia passado os últimos meses fugindo dela como o d***o foge da cruz, e naquele momento ele a deixava ainda mais confusa com a sua forma de agir.
Deixando-se escorregar até o chão, Sayuri abraçou os joelhos, olhando para o vazio. As palavras dele, os gestos violentos, tudo girava em sua mente com um novo significado. Ela não sabia se devia sentir-se grata pelo que ele tinha feito ou brava por ele a ter ignorado antes. A verdade é que se sentia as duas coisas. E, de alguma forma, também se sentia culpada por ter gostado de ser protegida.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, Hideo dirigia em silêncio. O motor potente do Bugatti rugia suavemente pela estrada, mas sua mente estava muito longe dali. Os dedos apertavam o volante com força, como se segurassem algo que ele temia perder.
— Por que fiz aquilo? — murmurou para si mesmo, irritado.
O seu único desejo era ficar o mais longe possível de Sayuri, mas, não, ele tinha que defender a sua honra da forma como fez. Em parte, sabia que aquilo era culpa dele, então achava justo livrá-la daqueles boatos maldosos que circulavam pelas grandes famílias.
Ele sabia que havia exagerado. Sabia que a forma como tratou Lyo ultrapassava os limites, mesmo para os seus padrões. Mas também sabia que não suportava ver Sayuri sendo humilhada. Aquilo mexia com ele de um jeito que nem queria admitir. E Lyo mereceu. Ninguém mexia com as pessoas sob a sua proteção e ficava impune.
"Ela não é minha", pensava. "Nunca quis que fosse."
Mas, ainda assim, o simples pensamento de vê-la magoada o deixava fora de si. Talvez o problema fosse justamente esse: Sayuri nunca fora como as outras. Desde o início, ela o desafiava com a sua presença marcante e decidida, seus olhos firmes, sua voz confiante. E isso... isso o atraía de uma forma que odiava.
Ao chegar à empresa, Hideo desceu do carro com passos pesados. Cumprimentou os funcionários com um aceno indiferente e seguiu direto para seu escritório. Precisava se recompor. Precisava encontrar o controle que parecia ter perdido desde que Sayuri reapareceu em sua vida com mais intensidade.
Com esse pensamento, ele se debruçou sobre os papéis na mesa com afinco. Estava lidando com a a******a de uma montadora em Kioto, um projeto de Nico que fazia questão de transformar em realidade. Hideo sorria só de imaginar a reação dele ao ver a pequena montadora que estava preparando.
As horas foram passando, e a cada detalhe que resolvia, uma sensação diferente tomava conta dele. Hideo queria ser tão bom quanto os seus amigos eram para ele, e aquela era apenas a primeira forma de recompensá-los por todo o apoio que recebia.
— Filho. — chamou Haruki, entrando no escritório. — Podemos conversar?
A vontade de Hideo era negar o pedido do pai, mas lembrou-se de que um dia já havia admirado o homem à sua frente. E, mesmo com os erros que cometia, tinha que admitir que Haruki era um bom líder para a organização — e isso ele devia à sua mãe.
— Claro, pai. — disse, apontando para a cadeira à sua frente. Haruki se aproximou e se sentou.
— Sua mãe me disse que Sayuri dormiu com você essa noite. — começou ele, um tanto constrangido. — Lembre-se das regras, filho: não pode tocá-la antes do casamento.
A vontade de Hideo era rir da cara do pai. Podia ver que o velho estava se esforçando para ter aquela conversa — algo que ele realmente não esperava.
— Não se preocupe com isso. Ela só passou a noite no meu apartamento porque me desmaiou com uma garrafada na cabeça. — Hideo observou os olhos do pai se arregalarem com as suas palavras. Para sua surpresa, o velho Haruki começou a rir.
— Aquela menina faria isso mesmo, filho. Precisa vê-la em combate. — disse ele, com os olhos brilhando.
Hideo não esperava ouvir aquilo, mas, pensando na personalidade de Sayuri, podia ver uma veia dominadora que tomava conta dela em tudo o que fazia.
— Devia estar preocupado comigo, não acha? — perguntou ele, divertido.
— Você é forte. Vai ficar bem. — respondeu ele, ainda rindo.
Os olhos de Hideo percorreram o rosto do pai com pesar. Queria que pudessem ser assim todos os dias, mas as coisas nunca eram tranquilas quando se tratava do homem à sua frente.
— Onde foi que nos perdemos, papai? — perguntou ele, com a voz mais baixa, examinando Haruki com atenção.
— Eu não sei, filho. Você sempre foi meu orgulho: tão parecido comigo, mas com o coração da sua mãe. — Os olhos de Haruki brilhavam com saudade de uma época em que ele era o mundo inteiro para o filho.
— Você era meu herói, pai. E, mesmo que o senhor tenha feito tantas coisas erradas na vida, eu não me permito odiá-lo. — As palavras saíam da boca de Hideo de forma lenta e suave. Era algo que precisava dizer por sua mãe — tentar entender os comportamentos do pai.
— Eu te amo, meu filho. Sei que temos as nossas diferenças, mas isso nunca vai mudar. — disse ele, com a voz embargada.
— O senhor já está velho, meu pai. Queria que pudesse aproveitar os seus dias com a minha mãe. Apesar de tudo o que já fez, ela o ama muito. — Hideo queria que o pai entendesse o que sentia ao ver a sua mãe sofrer dia após dia com os seus casos amorosos. Ele só queria a sua família inteira novamente.