Capítulo 18

1027 Words
O silêncio preenchia o carro, quebrado apenas pela respiração pesada de Hideo e pelo som dos pneus tocando o asfalto molhado. Sayuri mantinha os olhos na estrada à frente, mesmo estando sentada no banco de trás. A raiva ainda ardia em seu peito, mas, ao olhar para Hideo dormindo ao seu lado, ela se esquecia de tudo o que havia acontecido antes. Ela observava o rosto dele, agora tranquilo pelo sono forçado. Uma pequena pontada de culpa se formava em seu coração, mas era rapidamente espantada por sua mente. Sayuri não passaria a mão na cabeça de Hideo; ele teria que arcar com as consequências do que havia feito, e ela cuidaria disso. Ao chegar ao apartamento, Luck carregou Hideo até o quarto, deitando-o com cuidado na cama. Sayuri o seguiu e dispensou o segurança com um aceno. Quando ficaram a sós, ela se aproximou devagar, a suas mãos tocando a cabeça dele com cuidado, procurando por algum ferimento devido à garrafada que ela lhe dera. — Idiota... — sussurrou, sentando-se ao lado da cama. No local havia apenas uma pequena protuberância, que ela imaginava sarar em breve. Ele teria, no máximo, uma dor de cabeça no dia seguinte. Pegou uma toalha úmida e começou a limpar os cabelos dele, removendo alguns cacos de vidro que ainda estavam lá. Os seus dedos tremiam levemente, não pela raiva, mas pela delicadeza do momento. Ela conhecia cada linha daquele rosto, mas era como se agora estivesse descobrindo um novo Hideo: frágil, machucado por dentro, escondido atrás de uma muralha de sarcasmo e álcool. Sayuri não era tola, sabia que Hideo passava por algo que não desejava compartilhar com ela, então esperaria que ele se sentisse confortável para fazê-lo no futuro. — Eu te odeio quando age assim... — murmurou, mesmo sabendo que ele não podia ouvi-la. — Odeio quando finge que nada te afeta. Mas o que mais me irrita... é que eu ainda me importo com você. Após tratá-lo, cobriu-o com um lençol e apagou as luzes, deixando apenas um abajur aceso. Deitou-se em uma poltrona no canto do quarto, sem intenção de ir embora. Queria estar lá quando ele acordasse. Queria ser a primeira a enfrentá-lo, mas também a primeira a segurá-lo se ele desabasse. Horas se passaram. A madrugada avançava lentamente, e Sayuri adormeceu na poltrona, o corpo cansado, mas a mente alerta. Um leve murmúrio a despertou. Hideo se remexia na cama, os olhos abrindo devagar. — Sayuri...? — a voz dele era fraca, arrastada. Era como se os olhos de Hideo lhe pregassem peças; ele via Sayuri no seu quarto, algo que pensava ser impossível. Ela levantou-se rapidamente, indo até ele. Os seus olhos examinavam o rosto dele em busca de algum sinal de que ele não estava bem, mas tudo o que ela via era confusão. — Estou aqui. — Você... — disse ele, mudando sua expressão ao se lembrar do que havia acontecido no bar. Os seus dentes rangiam de raiva, mas, olhando para Sayuri, via que ela não se importava nem um pouco com o seu estado de fúria aparente. — Sim. E vou continuar aqui até de manhã. — disse ela, cruzando os braços e o encarando com a sobrancelha arqueada. — Cai fora da minha casa! — disse de forma ríspida. Ele jamais esqueceria a garrafada que ela lhe dera. — Não acha que devia me agradecer em vez de me expulsar dessa forma? — perguntou ela, de forma despreocupada, o que só fazia a raiva de Hideo aumentar. Ele a olhou por um momento, olhos turvos, talvez pela bebida, talvez por emoções reprimidas. Mas algo ali estava claro: a raiva que o invadia naquele momento. Hideo olhava fixamente para o rosto de Sayuri e percebia que não adiantaria discutir com ela. Ele podia ver, pela forma como os olhos dela estavam determinados, que ela não iria embora. — Dorme, Hideo. Amanhã você vai ter muito o que me explicar. — Eu não te devo nada, Sayuri, e se for inteligente vai ficar longe de mim. — Hideo queria apenas mantê-la longe dele. Ele não a amava e não queria magoá-la ainda mais, mantendo-a por perto. — Faz de conta que não sou inteligente. — disse ela, enquanto retirava a sua camisa sem cerimônia. — O que está fazendo? — perguntou ele, surpreso com as ações dela. — Me preparando para dormir. — disse, dando de ombros. Sayuri removeu as suas botas e, por último, a calça que usava, ficando apenas de peças íntimas. Sem cerimônia, correu para o outro lado da cama e puxou as cobertas, deitando-se ao lado de Hideo. — Ficou louca! — disse ele, tentando afastá-la, mas Sayuri segurou o seu braço, mantendo-o no lugar. — Não, vou ficar bem aqui. Assim, se tiver um ataque, vou ver. — disse ela de forma despreocupada. — Agora cale a boca, que preciso descansar. A sua poltrona é muito desconfortável. — Eu tenho outros quartos. — insistiu, bravo. — Pare de reclamar como um velho de oitenta anos, Hideo, e cale a p***a da boca. — Ele queria retrucar, e muito, mas, ao ver a forma como ela agarrava um dos travesseiros e fechava os olhos, desistiu. Hideo pensava que estava enlouquecendo. Ele havia feito um grande esforço para se manter longe de Sayuri, mas ali estava ela, deitada ao seu lado na sua cama. A sua mente dava voltas, mas ele não pensaria naquilo no momento. Precisava descansar e pensar no que fazer no dia seguinte — seria mais fácil. No escuro do quarto, Hideo percebeu quando a respiração de Sayuri se tornou rítmica, indicando que ela havia dormido. Um pouco a contragosto, ele se virou na cama para confirmar as suas suspeitas e, ao vê-la dormindo, não sabia dizer o que se passava por sua mente. Sayuri tinha cabelos negros como a noite, olhos pequenos e redondos que lhe davam um ar de inocência que ele achava, por incrível que pareça, fofo. Espera! O quê?! Hideo balançou a cabeça, espantando aquele pensamento, e, com um praguejar, se virou para o lado e tentou dormir, tentando esquecer qualquer tipo de pensamento que havia tido sobre Sayuri.
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