Tudo o que Hideo desejava era ficar o mais longe possível de seu pai, mas, infelizmente, aquele simples desejo não poderia ser atendido. Então ali estava ele, arrumado, indo ao encontro dos líderes naquela noite.
A música clássica envolvia o salão num véu de falsa tranquilidade. Lustres de cristal pendiam dos tetos altos, lançando reflexos dourados sobre rostos cuidadosamente disfarçados por sorrisos e gravatas bem ajustadas. Hideo ajustou os punhos da camisa pela terceira vez. A presença do pai a seu lado pesava-lhe nos ombros mais do que qualquer casaco de lã. Jin, sempre discreto, mantinha-se dois passos atrás, como uma sombra fiel, os seus olhos vasculhando o salão com atenção, atento a tudo à sua volta.
— Lembre-se, Hideo — sussurrou o pai ao seu ouvido, enquanto cumprimentavam o líder dos Kobayashi —, neste mundo, quem fala demais perde a língua, e quem fala de menos perde o pescoço. Você precisa aprender a analisar o momento certo para falar e para permanecer em silêncio.
Hideo apenas assentiu, mantendo o sorriso educado. Não queria estar ali. Mas ser o herdeiro de um império construído à base de sangue e silêncio não lhe deixava muitas escolhas. Ao menos, podia ver que o seu pai estava se esforçando para ignorar o que ele havia feito no outro dia, o que era uma grande surpresa para ele.
Entre brindes, palavras ociosas e apertos de mão, o ar no salão começou a mudar. Uma corrente fria percorreu-lhe a espinha quando viu Masato cruzar a porta, envolto num terno n***o como um corvo entre pombos. Os olhos se encontraram por um breve segundo — foi o suficiente.
Hideo odiava Masato. O que aquele homem fazia, a seu ver, era nojento e desumano. Mas, infelizmente, ele não tinha apoio suficiente para encerrar os negócios do outro, então era obrigado a aturá-lo nos eventos da organização.
Mais tarde, afastados do centro das atenções, junto a uma das janelas do salão, Masato aproximou-se com um copo de uísque na mão e um sorriso que não chegava aos olhos. Ele tinha ido ao encontro naquele dia apenas para poder olhar nos olhos de Hideo e ver se ele era o homem que procurava.
— Sabe, Hideo... — começou, como quem fala do tempo — esses dias um rato entrou na minha despensa.
Hideo ergueu uma sobrancelha, disfarçando a inquietação. O jogo começara. Ele entendia bem o que o homem queria dizer; via a forma como ele o olhava.
— Um rato? Então talvez esteja na hora de arranjar um gato — disse, com um sorriso calmo. — Aqueles pequenos felinos são mestres em detectar intrusos.
Masato soltou uma risada breve, seca. O ódio em seus olhos era impossível de esconder. Percebia que Hideo estava jogando com as palavras, e aquilo o enfurecia.
— Ah, mas ratos de casa, Hideo... esses eu costumo apanhar com armadilhas mais... afiadas.
O silêncio entre os dois foi carregado de significados. Os seus olhares trocavam lâminas sob o verniz da cortesia.
— Deve ter cuidado onde coloca essas armadilhas — devolveu Hideo, sem perder o tom sereno. — Às vezes os gatos também gostam de explorar despensas alheias.
— Claro — respondeu Masato, virando o olhar para o salão. — Mas há gatos que se esquecem que não têm sete vidas.
Por um instante, o mundo pareceu encolher até aquele canto do salão. Ambos sabiam que o outro escondia algo. Ambos sabiam que não podiam provar nada — ainda. As palavras eram apenas folhas de seda cobrindo espadas afiadas.
— Boa festa — disse Masato, afastando-se com um leve aceno.
Hideo permaneceu ali por alguns segundos, o olhar fixo no vazio. Masato era alguém perigoso e com quem ele não deveria brincar da forma como estava fazendo, mas não via mais opções para o problema que enfrentava. E, enquanto ele não tivesse provas do envolvimento de Masato nas cargas perdidas, estaria seguro.
— Não gosto desse homem. — disse Jin, aproximando-se de Hideo depois que Masato se retirou.
— Então somos dois, mas por enquanto não posso fazer nada contra ele. — respondeu com o maxilar trincado.
O pai de Hideo ainda vivia pelas velhas regras, e muitos dos seus aliados faziam coisas que deixavam Hideo enojado — algo que ele pretendia mudar assim que assumisse o lugar do pai. Mas o velho Haruki não desistiria daquelas alianças tão facilmente. Por isso, levava Hideo a cada encontro, na esperança de que o filho visse o quanto aquelas pessoas eram importantes para o império. O que Haruki não percebia era que Hideo não se importava de perder tudo, desde que conseguisse o que desejava. No momento, ele tinha um grande alvo pintado nas costas, e o fato de Masato tê-lo questionado lhe dizia que outras pessoas já deviam ter percebido que ele estava envolvido nas perdas recentes.
— Vou ficar de olho nele. Esse verme não vai nos pegar de surpresa. — disse Jin, observando o local onde Masato conversava com outras pessoas.
— Faça isso. Não podemos perdê-lo de vista.
O restante do encontro foi um grande tormento para Hideo, mas ele se obrigou a ficar até o último momento. Precisava cumprir o seu papel ao lado do pai.
— Venha para casa comigo. — disse Haruki assim que deixaram o local do encontro.
— Por quê? — perguntou Hideo, desconfiado.
— Sua mãe. Faz alguns dias que ela não o vê, e está com saudades. — disse ele com o maxilar trincado por ter que se explicar.
— Não sei... — disse Hideo, ainda desconfiado.
— Pode trazer o seu cão, se isso o deixa mais confortável. — disse ele, fuzilando Hideo com o olhar.
— Sei que está chateado, papai, mas ao menos por enquanto vamos deixar isso como está. — disse Hideo, olhando-o sério.
— Você tem sorte de que a sua mãe queria ver você inteiro, garoto. Caso contrário, eu lhe ensinaria uma lição pela sua desobediência. — disse ele, dando as costas a Hideo e entrando no carro.
Hideo observava o pai com um sorriso de canto.
— Entre logo! Não tenho a noite toda. — disse Haruki, irritado. Hideo apenas balançou a cabeça e entrou no carro com o pai. As diferenças entre eles estavam longe de serem resolvidas.