Hideo deu dois passos à frente, o punho cerrado e os olhos fixos em Sora, como se quisesse apagá-lo dali com a força do olhar. O bastardo não parecia ameaçador — jovem, magro, até mesmo frágil — mas, para Hideo, ele representava tudo o que destruíra a paz da sua infância. Ele era a prova da infidelidade do seu pai, era o erro que Haruki não poderia apagar.
— O que ele está fazendo aqui? — vociferou Hideo, virando-se para o pai. — Isso é uma piada?
Sora, ainda ajoelhado, ergueu o rosto. Os olhos, de um castanho escuro quase igual aos de Hideo, refletiam uma verdade silenciosa: ele sabia o que representava. E aquele olhar deixava bem claro que ele não cederia às vontades do irmão.
— Ele tem o direito de estar aqui — disse Haruki, com a voz mais calma do que se esperava. Ele não imaginava que o rapaz fosse aparecer, mas já que estava ali, pensava que poderia resolver aquilo de uma vez. — O nome dele é Sora. É meu filho. E o seu irmão.
Hideo recuou um passo, como se tivesse sido atingido no peito. As palavras do seu pai despertavam, mais uma vez, a raiva que queimava no seu peito pelos anos de negligência que a sua mãe sofreu por causa do homem à sua frente.
— Irmão? — cuspiu a palavra com desprezo. — Não me faça rir. Ele é o resultado das suas mentiras! Das suas amantes, da sua covardia… enquanto a minha mãe chorava sozinha no quarto ao lado, enquanto você...
A voz de Hideo falhou por um momento. A dor antiga, enterrada há anos, ressurgia com violência. Ela só não foi mais forte do que o tapa que ele acabara de levar do próprio pai.
Haruki endureceu o olhar sobre Hideo. Observava, com raiva, o comportamento do filho mais velho. Mas, ao perceber o quanto os olhos de Hideo brilhavam de ódio, arrependeu-se na mesma hora do que havia feito. Mais uma vez, inflamava o filho contra si mesmo.
— Eu nunca neguei os meus erros. Mas Sora não tem culpa. Está aqui e merece saber o que está acontecendo. Ele também precisa saber quem é Masato. Não vim aqui pedir o seu perdão, Hideo. Vim resolver o que deixei apodrecer por tempo demais.
— Sabe por que eu não lhe dou um tiro por causa desse tapa, meu pai? — perguntou, dando um passo à frente em direção a Haruki. — Porque você não valeria o preço da bala.
Aquelas palavras foram como punhaladas diretas ao coração de Haruki. E, olhando nos olhos do filho, culpava apenas a si mesmo pelo que via. Haruki havia criado Hideo para ser implacável, o terror, aquele que fazia o que fosse preciso sem hesitar. Hideo era sádico e não se importava de carregar esse nome. Mas, naquele momento, ele percebeu que havia perdido algo valioso no processo: o respeito do filho por quem ele era.
O silêncio ficou pesado, rompido apenas pelo som de passos — Masato surgia à distância, andando com segurança arrogante, os olhos semicerrados como quem já esperava um campo minado.
Haruki suspirou. Teria que lidar com a rebeldia do filho depois, mas lidaria. Aquele insulto não seria esquecido.
— Parece que interrompi uma reunião de família — disse, com um sorriso torto.
Masato havia ficado surpreso ao acordar naquela manhã e encontrar uma mensagem de Haruki pedindo um encontro para saber o que havia acontecido no dia anterior com Sayuri. Por mais que quisesse recusar, não podia negar um pedido do alto líder da Yakuza — seria o mesmo que assinar a sua sentença. Então, com relutância, foi ao local marcado.
Hideo virou-se na direção dele, mas o ódio no olhar já não era mais só para Masato — era para todos os fantasmas de sua vida que, de repente, se materializavam ali. Ele se segurava para não matar as pessoas à sua frente; o seu lado sádico lutava pelo controle das suas vontades.
— Ainda não terminamos. Mas, primeiro… você vai me contar por que tentou matar Sayuri. E juro que, se mentir, não sai daqui de pé — disse Hideo, com olhos sombrios. Tudo o que queria era o sangue de Masato aos seus pés — e, de preferência, o de seu pai e meio-irmão junto.
Sora aproximou-se discretamente de Haruki. Deu um passo atrás, demonstrando respeito pela posição que ele ocupava na organização. Um sorriso curvava os seus lábios enquanto observava o embate à sua frente, mas Hideo e Haruki não perceberam — estavam de costas para ele.
— Já disse que vocês estão enganados. Eu não tentei nada contra a futura dama da Yakuza — disse Masato com tranquilidade, mas ele podia ver nos olhos deles que as suas palavras não os enganavam.
— Então Matteo não lhe atingiu com uma faca por você tê-la ameaçado? — perguntou Hideo, contendo-se diante das mentiras de Masato.
— Até onde sei, o Príncipe Escarlate faz o que quer, independentemente do motivo. Ele é louco — respondeu Masato com raiva, ao se lembrar do que havia acontecido.
— Não fuja do assunto — disse Hideo, dando um passo à frente. Mas a mão de Haruki o impediu.
— Eu também quero saber o que houve, filho. Mas acusar um aliado sem provas não é a solução — disse Haruki, com a sobrancelha arqueada.
— Você ao menos se ouve? Desde quando o meu pai se tornou um covarde?! — gritou Hideo na cara de Haruki.
O som do tapa ecoou pelo silêncio do templo quando Haruki bateu em Hideo.
— Chega! Não fiz nada no primeiro insulto, mas isso não ficará assim! Não sou apenas seu pai, sou seu Don — e você me deve respeito!
— Não se exige aquilo que não se dá — respondeu Hideo, com o maxilar trincado.
Com um movimento rápido, ele puxou uma das suas facas e imobilizou Sora, pressionando a lâmina contra o pescoço dele.
— Será que, se eu matar o seu precioso bastardo, você vai me respeitar mais, pai?