O relógio marcava oito da noite quando bateram à porta do quarto de Hideo. Mei levantou-se para atender, e quando abriu, deparou-se com Takashi, o mordomo. O homem parecia ainda mais rígido que o habitual. Ela já podia imaginar do que se tratava apenas pelo olhar do homem a sua frente.
— Senhora Mei… o senhor Haruki ordenou que Hideo se vista. Ele será levado a uma reunião esta noite. — Diz ele com olhos baixos.
Ela não respondeu de imediato. Apenas assentiu, fechando a porta lentamente. Voltou-se para o filho, que estava sentado na beira da cama, com as costas enfaixadas e os olhos baixos.
— É hoje, então… — murmurou Hideo, como quem pressentia.
— Você não precisa ir — disse ela, quase num sussurro. — Pode dizer que ainda está se recuperando…
Ele negou com a cabeça. Sabia que o pai jamais se deixaria levar por aquelas palavras. Ele já tinha adiado de mais o encontro com outros líderes, não teria como continuar fugindo daquilo mais.
— Você sabe que ele me arrastaria de qualquer jeito. Melhor ir com alguma dignidade.
Mei cruzou o quarto, pegou um terno escuro pendurado no armário e entregou ao filho com delicadeza.
— Então vá como o meu filho, não como o herdeiro dele. Seja você mesmo. — Diz ela tocando a bochecha do filho com carinho.
A limusine deslizou pelas ruas estreitas de Tóquio com a precisão de um predador. Haruki estava sentado ao lado do filho, o olhar fixo na janela, como se ignorar a presença de Hideo fosse parte da dinâmica entre os dois. Ele teria que ter paciência se quisesse que o filho colaborasse com ele naquela noite.
— Hoje você conhecerá homens que sustentam este império ao meu lado — disse, finalmente, quebrando o silêncio. — Quero que veja como se comanda, como se negocia. Está na hora de amadurecer.
Hideo respondeu apenas com um “hum”, o olhar perdido no reflexo do vidro. Aquilo era algo que ele já sabia fazer, e fazia muito bem, mas seu pai não precisava saber dos seus negócios no submundo, ele preferia que o velho tivesse uma pequena surpresa em breve.
O carro parou diante de um prédio tradicional escondido entre arranha-céus modernos. Portões de madeira, lanternas vermelhas, e dois homens de terno protegendo a entrada. A herança do passado escondida sob a pele da cidade moderna.
Lá dentro, o ambiente era silencioso, reverente. Um longo corredor de tatame os levou até uma sala onde oito homens já estavam reunidos. Todos com semblantes austeros, roupas formais e olhares que pareciam medir cada passo, cada gesto. Haruki entrou primeiro, sendo recebido com uma leve reverência.
— Boa noite, senhores — disse ele com a firmeza de quem há décadas comanda.
Hideo entrou logo atrás, o corpo rígido, os olhos atentos. Os homens o observaram por longos segundos.
— Este é meu filho, Hideo. — Haruki apresentou sem cerimônias. — O futuro da nossa linhagem.
Um murmúrio de aprovação ecoou, seguido de discretos acenos de cabeça. Hideo conhecia aquelas pessoas melhor que o seu pai pensava, mas ele preferia não entrar naquele assunto.
— Está em boa forma, apesar de... indisciplinado — comentou um dos mais velhos, com um sorriso enviesado. Eles conheciam a fama de Hideo e se deixavam levar pala aparência que ele demonstrava a todos.
Haruki ignorou a provocação. Hideo, porém, cerrou levemente os punhos.
— Devia dizer isso do seu filho que já lhe deu um punhado de netos bastardos. — Diz Hideo fazendo os olhos dos homens se arregalarem e o seu rosto se avermelhar.
— Você... — Começa o homem ficando vermelho.
— Vamos deixar algo bem claro aqui senhores, se querem me apontar o dedo se certifiquem de que a vida de vocês esteja limpa. — As palavras foram pronunciadas de forma dura sem nenhum traço de brincadeira. Haruki olhava para o filho como se fosse a primeira ve que o via, sentindo um arrepio percorrer o seu corpo com a forma que ele falava.
A reunião começou rapidamente dois daquilo sem que ninguém comentasse nada do que tinha acontecido segundos atrás.
Discutiram negócios — tráficos, acordos, rotas de proteção. Falaram de política, de como influenciar decisões através de contatos no governo. Homens com poder, jogando com vidas como se fossem peças de shōgi.
Hideo ouviu tudo em silêncio, observando cada detalhe. O jeito como Haruki comandava com poucas palavras. O respeito velado que todos lhe devotavam. O medo escondido por trás das reverências. Mas dentro de si, o jovem não via honra naquilo. Via sangue. Dor. Vidas destruídas.
E ainda assim… era fascinante.
Sentiu a mesma sensação de quando empunhou uma arma pela primeira vez. Uma mistura de repulsa e poder. No fim da reunião, um dos líderes se virou diretamente para ele:
— E o que você acha, Hideo? Está pronto para liderar homens e tomar decisões que moldam o submundo desta cidade?
Hideo ergueu os olhos, encarando-o firme.
— Acho que vocês já moldaram o suficiente. Talvez esteja na hora de quebrar algumas formas. — O silêncio que se seguiu foi tenso.
Haruki não disse nada. E ele podia ver que aquelas palavras tinham mexido profundamente com os homens a sua frente.
Mas um leve sorriso brotou nos lábios de um dos anciões, como quem reconhecia a centelha do caos. Na volta para casa, Haruki finalmente falou, a voz baixa e dura:
— Você vai ter que controlar essa língua, ou ela será sua ruína. — Hideo apenas olhou para o pai, o rosto sereno, mas os olhos afiados como lâminas.
— Já que é para herdar isso tudo… prefiro deixar a minha marca, nem que seja em sangue. — Haruki não respondeu. Ele podia ver nos olhos do seu filho o mesmo que tinha nos seus quanto tinha a sua idade, o desejo de ser diferente, de fazer algo que todos temiam.
Mas algo no seu olhar mudou. Talvez, pela primeira vez, ele tenha visto em Hideo mais do que um rebelde. Talvez tenha visto... um verdadeiro sucessor.