O som da festa parecia distante. As luzes, os risos, os olhares curiosos — tudo se dissolvia ao redor de Hideo naquele instante em que os lábios de Sayuri se colaram aos seus com uma intensidade avassaladora. Não houve tempo para pensar, apenas sentir. E o que sentiu foi um choque quente que percorreu o seu corpo, como se algo adormecido dentro dele tivesse sido violentamente despertado.
A sua primeira reação foi de recuo. Deveria afastá-la. Era o certo, era o plano. Ele mesmo havia traçado aquele caminho: afastá-la, magoá-la, fazer com que ela o deixasse antes que fosse tarde demais. Mas os lábios dela... eram firmes, exigentes, reais. E o coração dele, desobediente, batia com força contra o peito, como se gritasse para que ele parasse de mentir, para que parasse de fugir.
A mão de Sayuri apertava de leve o seu pescoço, numa mistura de provocação e domínio, e Hideo, por um segundo eterno, cedeu. Não havia guerra externa naquele momento, apenas a interna. Os pensamentos gritavam para fugir, mas o corpo permanecia imóvel, entregue.
E então, ela o soltou. Um pequeno corte em seu lábio denunciava a mordida. Um lembrete. Uma marca.
— Divirta-se. — dissera ela, antes de desaparecer entre os convidados.
Hideo ficou parado, o gosto metálico ainda na boca, e uma inquietação crescente no peito. Não era raiva. Não era medo. Era algo mais confuso — desejo, talvez... ou admiração.
Ele levou a mão aos lábios e respirou fundo. O mundo voltava a se mover ao seu redor, mas dentro dele, tudo ainda girava. Era como se Sayuri tivesse quebrado uma parede que ele passara a vida construindo.
Por que ela não desiste de mim? Por que insiste em ver algo que nem eu consigo ver? — pensava, tentando recuperar o controle.
Mas havia algo novo. Algo que ele não esperava: respeito. Pela força dela. Pela forma como enfrentava tudo — até ele — sem hesitar. Sayuri, com sua fúria, sua coragem e aquele olhar que parecia atravessar todas as suas máscaras. Ela não era uma mulher frágil a ser protegida. Ela era uma tempestade. E, pela primeira vez, ele se perguntava se estava errado por querer afastá-la. Talvez... fosse ele quem estava com medo de ser salvo.
A confusão crescia dentro dele, arranhando as suas certezas. Ele se sentia traído pelos próprios sentimentos. Como manter Sayuri distante, quando ela parecia ser a única que enxergava quem ele era de verdade?
Encostado a uma parede, longe da vista dos outros, Hideo fechou os olhos e deixou a cabeça tombar para trás. O plano começava a ruir. E no meio dos escombros, estava a imagem de Sayuri — altiva, perigosa, poderosa — apontando para ele, não uma arma, mas a verdade.
— Você não parece bem. — disse Jin, aproximando-se e lhe estendendo uma garrafa de água.
— E não estou. Aquela maluca quase arrancou um pedaço da minha boca. — disse ele, passando a mão pelo local onde ela o havia mordido, sentindo a leve ardência.
— Ela deixou algo claro esta noite, meu amigo. — disse Jin com um sorriso no rosto. — Você é dela, e ela vai lidar pessoalmente com qualquer pessoa que cruzar o seu caminho.
Jin não era t**o; percebia o quão calculista Sayuri era. Ela não agia por impulso — media cada passo que dava. E algo lhe dizia que ela não abriria mão de Hideo tão facilmente quanto ele pensava.
— Eu não me importo. Em breve, ela vai romper esse compromisso de qualquer forma. — disse ele com um sorriso de canto. Hideo ignorava a pontada em seu coração ao pensar em seu próximo passo, mas estava decidido e não voltaria atrás.
— Vai apenas conseguir mais problemas com ela. — disse Jin, balançando a cabeça. — E lembre-se que os pais dela te odeiam agora.
Ele se lembrava. Não conseguia esquecer as palavras de Kyota nem por um segundo, mas estava convencido de que aquilo era a melhor solução para ambos — e só pararia quando tivesse o que queria.
— Eles vão me agradecer por isso. — disse, fugindo do assunto.
Jin não entendia qual era o problema do amigo. Tudo poderia ser resolvido com uma conversa honesta com Sayuri, mas ele se negava a tentar se aproximar da bela mulher que era sua noiva.
Hideo continuou a caminhar pelo salão, conversando e flertando descaradamente com outras mulheres, mas percebia que elas já não reagiam a ele como antes. Mantinham os olhos baixos e limitavam-se a lhe dar sorrisos discretos quando ele lhes dizia algo. Aquilo o incomodava — e ele percebeu que Sayuri havia conseguido o que queria naquela festa: arruinar sua primeira tentativa de se livrar do compromisso.
Alguns minutos depois, ele percebeu quando Sayuri conversava com Jin e, em seguida, deixava a festa. Ele já não tinha mais clima para continuar fingindo. Simplesmente acenou para Jin e deixou o lugar sem olhar para trás.
— Parece que não vai ser tão fácil quanto pensou, não é mesmo? — disse Jin, segurando o riso.
— Cale a boca, Jin. Devia estar do meu lado. — disse ele, passando a mão pelos cabelos.
— Sempre estou, meu amigo. Mas às vezes um homem tem que entender quando é a hora de parar. — disse ele, com a sobrancelha arqueada.
— Besteira. Aposto que ela desiste com o meu próximo plano. — disse ele com um sorriso de canto.
— Ainda vai continuar com isso? — perguntou.
— Vou. — disse, dando de ombros.
Enquanto ia para casa, Hideo recebeu uma mensagem do pai, bravo com o seu comportamento naquela noite e exigindo a sua presença em casa no dia seguinte. Ele bufou, sabendo que o velho Haruki queria apenas discipliná-lo — e ele não seria tão burro a ponto de ir lá receber o seu castigo.
— Seu pai? — Jin sabia que Haruki era o único que causava aquela reação em seu amigo.
— Sim, mas ele perdeu o seu tempo. Não estou a fim de ser espancado hoje. — As palavras dele tinham um tom de brincadeira, mas Jin podia ver nos olhos de Hideo que não era assim que ele se sentia.