O carro preto cortava a cidade com pressa. No banco de trás, Lyo estava em silêncio, mas, dentro dela, o caos reinava. Os seus olhos marejados encaravam o próprio reflexo na janela, mas ela não se reconhecia. A dor física dos tapas de Hideo ainda queimava, mas o que mais doía era a humilhação.
Ela, Lyo Takahashi, herdeira de uma das famílias mais influentes da máfia japonesa, havia sido agredida — e publicamente — por um homem que jamais pensou que faria aquilo com ela. Lyo desejava Hideo, e foi com surpresa que ela o conheceu da pior forma possível.
E o pior: na frente de Sayuri Matsumoto.
Ao chegar à propriedade da família, desceu do carro com passos trêmulos, o rosto ainda marcado. Os empregados se entreolharam, assustados, mas ninguém ousou perguntar nada. Subiu direto para o escritório do pai. Precisava vê-lo. Precisava de respostas... e autorização.
O Sr. Takahashi estava sentado atrás da sua mesa imponente, lendo documentos, mas levantou o olhar assim que viu a filha entrar daquele jeito.
— Lyo?! O que aconteceu com você?! — levantou-se num pulo, aproximando-se, mas ela ergueu a mão, impedindo-o.
— Hideo Shinoda. Foi ele.
O silêncio caiu como um peso entre eles. O pai a encarou, os olhos escurecendo.
— Ele... te bateu? — a voz dele era fria, grave, perigosa. Mas, no seu íntimo, ele sabia que, se Hideo a tivesse agredido mesmo, ele não poderia fazer nada sobre aquilo.
— Na frente de Sayuri. Na frente dos seguranças da família Matsumoto. Me humilhou. — Lyo sentia a raiva ferver novamente, mas as lágrimas que caíam denunciavam a sua dor mais íntima. — Eu fui ridicularizada por todos. Fui tratada como lixo.
O Sr. Takahashi cerrou os punhos. Respirou fundo, lutando contra a própria fúria.
— O que você fez, Lyo? — Ele não era ingênuo, sabia que a sua filha vivia infernizando a vida da filha dos Matsumoto, mas, desde que não passasse dos limites, ele não se importava.
— O que eu fiz? Eu disse a verdade. Disse que ele não amava Sayuri. Ele reagiu como um animal — cuspiu as palavras.
O pai voltou para trás da mesa, sentando-se com calma, embora a sua expressão fosse um poço de tensão. Ele conhecia bem o temperamento do herdeiro da Yakuza, e poucas pessoas o tinham desafiado na vida. Naquele momento, ele era grato por ele não ter feito coisa pior com a sua filha.
— Hideo Shinoda pode ser muitas coisas... mas não é burro. Se ele te bateu daquele jeito, é porque você tocou em algo que não devia.
— Vai deixá-lo sair impune?! Vai me deixar ser desrespeitada dessa forma?! — gritou ela, as lágrimas agora de ódio.
— Você quer guerra com os Shinoda? Com os Matsumoto? — rebateu ele com frieza. — Você quer arrastar a nossa família para o caos por um ataque de orgulho?
Ela estremeceu. Sabia que o pai tinha razão. Um conflito aberto com Hideo poderia destruir tudo o que construíram. Mas seu coração clamava por justiça. Por revanche. Ela desejava ver Hideo se arrastando aos seus pés e implorando para que ela fosse sua esposa. Lyo se enchia de euforia apenas por pensar em tudo o que o seu status como dama da máfia japonesa lhe renderia.
— Então, o que sugere? Que eu me cale? Que aceite?
— Não. Sugiro que pense. Que jogue. Que seja esperta — disse ele, encarando-a com intensidade. — Você quer Hideo? Quer ferir Sayuri? Há maneiras de fazer isso. Mas não com escândalos... com estratégia.
Lyo inspirou fundo. A raiva ainda pulsava, mas agora havia algo mais: propósito. Ela sorriu ao entender as palavras do pai, seu coração se acalmando um pouco.
— Então, me ensine, pai. Me diga como.
— Primeiro, cure as suas feridas. Depois, observe. Hideo pode ter se exaltado por Sayuri hoje... mas vamos ver quanto tempo ele aguenta o papel de herói.
Lyo sorriu com amargura, limpando o sangue seco dos lábios.
— Eu vou destruir aquela garota, pai. Nem que seja a última coisa que eu faça. — Em toda a sua vida, Lyo tinha ficado à sombra de Sayuri. Todos a tratavam diferente desde pequena, quando souberam que ela seria a futura senhora da Yakuza, e aquilo fez com que Lyo criasse um profundo ódio por ela. Lyo tinha passado os seus últimos anos infernizando Sayuri, e ela, como uma dama, havia aguentado os seus insultos até certo ponto. Agora ela tinha mudado, mostrando as suas garras, e Lyo estava sendo mais cuidadosa ao enfrentá-la.
— Você sabe que a sua vida pode ser diferente, querida. Tenho ótimas propostas de casamento para você. Devia pensar nisso — insistiu Takahashi. Ele queria uma vida mais tranquila para sua filha, mas, apenas com um olhar nos olhos dela, percebia que aquilo não aconteceria.
— Não me interessam os outros, papai. Eu quero o título de dama da Yakuza, e apenas Hideo pode me dar isso — disse ela, vindo até o pai e o abraçando. Lyo se recusava a perder aquele posto para Sayuri e faria de tudo para conquistar Hideo.
— Seria tão fácil se, apenas uma vez, você cedesse — disse ele com um suspiro. A sua filha era teimosa e, na maioria das vezes, ele consumia muita energia tentando fazê-la mudar de ideia — isso quando funcionava.
— Apenas pense pelo nosso lado, papai. Quando eu me casar com Hideo, o status da nossa família vai subir de forma astronômica. Isso vai ser ótimo para os negócios — disse ela, sorrindo.
— Mas você se esquece de que ele já tem um compromisso, Lyo. E conheço bem Hideo. Se ele resolver ficar com Sayuri, nada o impedirá — Às vezes, Takahashi só queria que a sua filha despertasse um pouco e visse as coisas como realmente eram. Ele podia ver que ela jamais conquistaria Hideo da forma como agia, mas, como pai, não podia deixar de apoiar a sua filha, mesmo que os planos dela fossem loucos.