O som das botas contra o chão de pedra ecoava pelo corredor lateral da mansão Shinoda. Shiro caminhava em silêncio, os ombros pesados com o peso de uma ordem que o incomodava mais do que gostaria de admitir. Ao seu lado, Hideo mantinha a cabeça erguida, o rosto calmo demais para alguém que sabia o que o aguardava no galpão.
— Você podia ter ficado calado. — disse Shiro, finalmente, sem conseguir mais conter o incômodo que martelava o seu peito. — Não precisava provocar o seu pai daquele jeito.
Hideo soltou um riso curto, quase zombeteiro. Shiro o conhecia o suficiente para saber que ele jamais abaixaria a cabeça diante das atitudes injustas do seu pai.
— E perder a chance de dizer o que penso? Prefiro apanhar a viver engolindo tudo.
Shiro o olhou de soslaio, desacelerando o passo. Lhe doía profundamente ouvir aquelas palavras da boca de Hideo, até porque, ele sempre acompanhou a forma que ele se desenvolvia e lamentava por Haruki não ver aquilo.
— Ele vai te machucar, Hideo. Você sabe disso. E... desta vez ele estava furioso de verdade. — Shiro sabia que o calcanhar de Aquiles do seu chefe eram suas traições, e Hideo havia esfregado aquilo na cara dele diante de um dos seus aliados, ele não perdoaria aquele comportamento.
— Deixa ele. — respondeu Hideo com um olhar distante. — Cada golpe dele só confirma que estou certo. Ele não me bate porque sou fraco, Shiro. Me bate porque tenho coragem de enfrentá-lo.
O soldado respirou fundo, cerrando os punhos. O seu respeito por Haruki era inegável, mas havia algo de errado em ver o filho sendo levado como prisioneiro dentro da própria casa.
— Você não é um inimigo, Hideo. É sangue do sangue dele. Isso não é disciplina, é castigo. — Haruki já tinha se acostumado a castigar Hideo e para ele aquela era a única forma de manter o filho na linha, uma opinião que não era compartilhada pelos outros.
— E você acha que eu não sei disso? — murmurou Hideo com amargura. — Mas essa é a única linguagem que ele entende. Eu cresci nesse inferno, Shiro. Só estou aprendendo a sobreviver dentro das regras que ele mesmo criou.
O portão de ferro que levava ao galpão se aproximava, as suas dobradiças já enferrujadas pelo tempo. Shiro hesitou por um instante diante da porta. Ia dizer algo, mas o som de passos apressados e gritos desesperados o fez virar de volta.
— Hideo! — a voz cortava o silêncio como uma lâmina afiada.
Mei corria descalça pelo pátio da mansão, o quimono se abrindo nos ombros, o rosto banhado em lágrimas. Os seus olhos arregalados se fixavam no filho sendo levado como um criminoso. Ela estava na sala quando tinha ouvido o barulho dos soldados chegando e quando olhou pela janela viu Shiro caminhando com Hideo para os fundos, não precisavam lhe dizer nada para que ela soubesse o que aquilo significava.
— NÃO! ELE É MEU FILHO! — ela gritava, tentando alcançar Hideo, mas dois soldados se puseram em seu caminho.
— Senhora Mei, por favor... — um deles tentou contê-la com cuidado. Sabiam o quanto a mulher a sua frente amava o filho. Eles mesmos odiavam ter que fazer aquilo. Eles lutavam com Hideo, comiam com Hideo e o respeitavam como um líder.
— SAIAM DA MINHA FRENTE! — ela berrava, se debatendo, as unhas tentando arranhar qualquer um que a impedisse de chegar até o filho. — ELE É MEU FILHO! HARUKI NÃO TEM O DIREITO!
Hideo parou por um instante, os olhos fixos na mãe. Havia um brilho contido neles, não de medo ou dor, mas de algo mais amargo: resignação. Ele sabia que ninguém poderia o livrar daquele destino, ele mesmo não desejava aquilo. Para ele aquele castigo era uma questão de honra, e quando terminasse não deveria mais nada ao seu pai.
— Mãe... está tudo bem. — disse ele, firme tentando a acalmar. Ver a sua mãe chorando de forma desesperada como estava o fazia se contorcer de agonia.
— COMO PODE DIZER ISSO?! — ela soluçava. — Você vai deixar que te façam isso de novo?! Eu já vi demais! Não vou permitir!
Shiro cerrou os olhos e desviou o rosto. Aquela cena o feria mais do que as palavras de Haruki. Ele colocou a mão sobre o ombro de Hideo.
— Hideo... podemos tentar mais uma vez. Posso convencer o senhor Haruki a...
— Não. — respondeu Hideo, encarando a mãe sendo contida pelos soldados. — Se ele recuar agora, vai parecer fraco. Ele prefere me ferir a manchar o nome da família.
Mei gritou mais uma vez, o corpo curvado pelo desespero. A suas lágrimas manchavam a terra do chão, enquanto ela implorava entre soluços:
— Por favor... por favor, alguém... não deixem ele fazer isso com o meu menino...
— Mãe... — sussurrou Hideo, com um breve sorriso triste. — A culpa não é sua. Só me prometa que vai cuidar de si mesma. — Hideo não se importava com o que acontecia a ele, a sua verdadeira preocupação é a mulher a sua frente. Ela era o motivo do seu riso e a razão pela qual ele tentava ter um bom relacionamento com o seu pai.
Antes que ela pudesse responder, o portão do galpão se fechou com um estalo metálico, separando mãe e filho mais uma vez. Mei caiu de joelhos no chão, os ombros tremendo, a alma em pedaços.
Shiro olhou para Hideo uma última vez antes de trancar a porta por dentro. A sala escura os envolveu como um túmulo.
— Você é forte demais para isso, Hideo. — murmurou o soldado, a voz embargada, o chicote pesando dez vezes mais do que antes em suas mãos. — Me perdoe.
— E você é gentil demais para estar entre os Shinoda, Shiro. — respondeu ele com um tom calmo. — Mas agradeço por ainda ter alguém que se importa.
Desviando os olhos dos de Hideo e com o coração partido, Shiro começa o castigo.