O portão de ferro se fechou com um estrondo surdo, e com ele, o mundo de Mei desabou mais uma vez.
— HIDEO! — o seu grito cortou o pátio como um raio num céu sem nuvens.
Ela correu até a porta do galpão, os pés descalços batendo no chão de pedra. Os joelhos ralados, o quimono aberto, o cabelo desgrenhado — mas nada disso importava. Ela chegou à porta e começou a socá-la com as mãos, com os punhos, com o próprio corpo.
— ABRAM ESSA PORTA! — ela berrava. — NÃO TOQUEM NO MEU FILHO! ELE É SÓ UM MENINO! ELE É MEU MENINO!
As mãos machucadas começaram a sangrar, os punhos já roxos, mas Mei não parava. Bateu, gritou, implorou, soluçando entre os clamores. Nenhum soldado respondeu. Nenhum movimento lá dentro. Nenhuma compaixão.
Ela caiu de joelhos, arfando, o rosto coberto de suor e lágrimas, o peito se apertando como se um peso lhe esmagasse por dentro. Cada chicotada que ela sabia que viria lhe atingia antes mesmo de acontecer. Sentia na carne o que o filho sentiria. A dor de uma mãe era essa: ser testemunha impotente do sofrimento de quem ela gerou.
“Desta vez, não... desta vez eu não vou aceitar...”
Ela ergueu o rosto lentamente, os olhos ainda marejados, mas agora com um brilho novo. Uma lembrança lhe atravessou a mente como uma luz no meio da escuridão.
A Fênix. Ricardo.
Hideo falava dele com respeito. Um homem estrangeiro, mas que comandava como poucos. Tinha honra, dizia o filho. Tinha força, e acima de tudo, tinha coração. Hideo sempre citava Ricardo como um bom amigo, para seu filho o homem também era família e aquilo era tudo o que Mei precisava no momento.
Mei se levantou cambaleando, como se voltasse de um abismo. Correu pelo pátio, tropeçando nos próprios pés feridos, o chão cortando a sua pele. Os soldados a olhavam, mas nenhum se atreveu a impedi-la. Já não era uma mulher, era uma tempestade viva.
Avistou um dos carros pretos estacionados sob a sombra de um pinheiro. Com as mãos tremendo, abriu a porta, jogou-se para dentro e ligou a ignição. Os pneus chiaram contra o solo enquanto ela arrancava com violência, deixando para trás a mansão que agora lhe parecia um túmulo.
O volante tremia em suas mãos. A estrada à frente era um borrão de asfalto e luzes, mas Mei via apenas uma imagem em sua mente: o rosto de Hideo, ferido, humilhado, e a promessa silenciosa que ela agora fazia.
“Eu não vou te perder. Não vou deixar que ele te destrua.”
O coração batia forte, doía no peito, mas impulsionava cada movimento. As lágrimas ainda escorriam, mas já não eram só de dor — eram de fúria, de decisão.
— Ricardo... por favor... — ela murmurava enquanto acelerava. — Por tudo o que é justo nesse mundo, me escute... me ajude...
Ela sabia onde ficava a mansão dos Matsumoto. Tinha estado lá uma vez, em tempos mais tranquilos. Agora, corria contra o tempo, contra o próprio destino. O céu escurecia com nuvens pesadas, mas nada se comparava à tormenta que crescia dentro dela.
Não era mais a esposa submissa, a senhora silenciosa. Era Mei Shinoda. E naquele dia, ela enfrentaria o mundo inteiro para salvar o seu filho.
A mansão dos Matsumoto se erguia imponente no alto. Quando os portões se abriram, o carro invadiu o jardim com a urgência de um animal em fuga. Os empregados correram assustados ao verem a figura que saltava do carro ainda em movimento.
Mei tropeçou ao sair, os pés cortados e ensanguentados, o rosto riscado por lágrimas secas e novas. O quimono manchado arrastava-se no chão, e os seus olhos procuravam, frenéticos, por alguém que pudesse ouvi-la. Ela atravessou o corredor principal correndo até a porta da sala de recepção, empurrando com força os painéis de madeira.
— POR FAVOR! — sua voz ecoou pelos corredores com um desespero que congelou a respiração dos presentes.
Hana, que estava servindo chá em silêncio no centro da sala, virou-se rapidamente. Os seus olhos se arregalaram ao ver a figura de Mei, desfigurada pela dor e pelo desespero.
— Mei...? — murmurou Hana, surpresa e horrorizada com o estado da mulher à sua frente.
Antes que pudesse se aproximar, Mei correu até ela e se lançou aos seus pés, segurando com força o tecido fino do quimono branco de Hana.
— POR FAVOR, HANA! — gritou, a voz falhando de tanto chorar. — ME LEVE ATÉ RICARDO! PELO AMOR DOS DEUSES, ME LEVE ATÉ ELE!
— Mei... o que aconteceu? — disse Hana, ajoelhando-se ao lado dela, tentando segurar os seus braços para acalmá-la. — Por favor, se acalme, você está ferida...
— EU NÃO POSSO! — gritou Mei, se debatendo, a cabeça encostada ao chão de madeira. — EU NÃO POSSO! ELE VAI MATAR O MEU FILHO! HARUKI VAI MATÁ-LO!
As lágrimas desciam em torrentes. Mei tremia como uma folha no vento. Não havia mais dignidade em sua postura, não havia compostura. Só havia o grito primal de uma mãe que via o seu mundo desabar.
— Hana, por favor... a vida do meu filho... depende disso...
Um silêncio sepulcral caiu sobre a sala.
A porta lateral se abriu naquele instante, e Yuki entrou. O filho de Hana parou ao ver a cena: Mei ajoelhada, suja e desesperada; sua mãe paralisada pelo choque; e o peso de uma tragédia pairando no ar como fumaça densa.
Yuki se aproximou sem hesitar.
— Eu a levarei até ele. — disse com firmeza, já estendendo a mão para Mei. — Ricardo está no apartamento de Hideo.
Mei ergueu os olhos inchados, buscando uma centelha de esperança naquele rosto jovem.
— Por favor... me leve... — sussurrou, a voz quase sem ar.
Yuki a ajudou a se levantar, segurando-a com delicadeza e firmeza ao mesmo tempo. Olhou para a mãe, que ainda estava ajoelhada, chocada.
— Mãe... prepare um quarto para ela e chame o médico. — disse Yuki com calma, mas com a autoridade de quem não pedia permissão.
Hana assentiu, ainda sem palavras, e observou os dois sumirem pelo corredor que levava em direção ao pátio.
Mei mancava, apoiando-se em Yuki, o corpo exausto, mas a alma acesa por uma última esperança.
“Ricardo... por favor… seja o homem que o meu filho acredita que você é…”