Capítulo 41

1163 Words
O silêncio após o grito de Kyota parecia mais denso que o próprio ar da sala. Hideo permaneceu com a cabeça baixa, sentindo o peso das palavras que dissera. Cada segundo que passava era como uma lâmina cortando sua pele — a culpa crescia como uma sombra em seu peito, fria e sufocante. Kyota apertava os punhos sobre os joelhos, o rosto vermelho de fúria, os olhos faiscando como brasas acesas. Hana, ainda segurando sua mão, tentava conter a tempestade que se acumulava dentro do marido. — Você sabe o que essa decisão representa? — a voz de Kyota finalmente rompeu o silêncio, grave e trêmula. — Sabe o que isso diz sobre a nossa família? Sobre a minha filha? Hideo levantou os olhos. Eram olhos de um homem quebrado por dentro, lutando para se manter firme diante do estrago que ele mesmo causara. — Eu sei... — murmurou ele, com a voz falha. — Sei que a envergonhei... que destruí tudo o que construíram com tanto sacrifício. Mas, Kyota, o que sinto por Sayuri não é mentira. Eu nunca quis magoá-la. Só... só não a amo, e não quero mais enganá-la. — Você nunca foi digno da minha filha — Kyota se levantou de novo, mas desta vez Hana ficou de pé junto, colocando ambas as mãos sobre o peito do marido. — Você diz isso agora? Depois de fazer minha filha ser apontada, ridicularizada, insultada nas ruas, nos salões, nas bocas de bêbados covardes? — Eu não planejei nada disso... — Hideo passou as mãos pelo rosto, desesperado, a vergonha o consumindo por dentro. — Mas estou disposto a fazer o que for preciso para reparar isso, só não posso continuar com essa farsa. Ela não merece isso. — Essa não é a reparação que minha filha merece! — Kyota rugiu. — É covardia, Hideo! Você não está nos livrando de um peso, está fugindo da sua responsabilidade! Jin deu um passo à frente, ficando entre os dois homens como um escudo de contenção. — Senhor Kyota, por favor, permita que ele se explique por completo. Não é fraqueza o que ele sente. Mas convenhamos que esse acordo não está fazendo bem a nenhum dos dois. Hana assentiu com a cabeça, e o olhar que lançou ao marido dizia mais do que palavras. Era um pedido silencioso por compreensão, por equilíbrio. Kyota respirou fundo, trincando o maxilar, e sentou-se novamente, embora o olhar ainda cuspisse brasas. — Diga o que tem a dizer — falou ele, com voz seca. — Mas saiba que cada palavra sua pesa como ferro sobre esta casa. Hideo se endireitou no sofá, as mãos trêmulas sobre os joelhos. Ele parecia menor do que nunca, um homem cercado por erros, tentando erguer-se sobre ruínas. — Eu... passei os últimos meses tentando proteger Sayuri de mim mesmo. De quem eu sou. Mas a verdade é que falhei. E quando vi aquele vídeo, quando percebi o quanto vocês tiveram que sujar as mãos por minha causa... — a voz embargou, ele lutou contra as lágrimas. — Percebi que não era o suficiente. Que nunca fui. Ela merece encontrar alguém que a ame de verdade, e eu quero estar livre de uma imposição que nunca foi minha vontade. Hana se aproximou devagar, sentando-se ao lado de Hideo. Seu olhar era firme, mas cheio de empatia. Ela entendia o que ele queria dizer, mas isso não aliviava o sofrimento da filha. — Você acha que desistir dela vai curar essa dor? — perguntou suavemente. — Você não está tentando protegê-la, Hideo. E garanto que, no dia em que outro a reivindicar, você se arrependerá amargamente. Ele abaixou os olhos, envergonhado. Jin colocou a mão em seu ombro. — Por favor, eu não quero mais estar preso a esse compromisso — insistiu ele. Kyota se manteve calado, absorvendo as palavras. O homem que sempre foi o pilar da família agora sentia-se traído, exposto. Não era só Sayuri que tinha sido ferida. Ele também. O pai, o protetor, o líder. Ver sua filha chorar, ouvir risos maldosos sobre ela... era uma ferida que sangrava a cada lembrança. — O que você propõe, então? — perguntou Kyota, finalmente. — Vai embora? Vai deixá-la enfrentar tudo isso sozinha? — Não — Hideo respirou fundo. — Eu vou cuidar pessoalmente de reparar a imagem dela diante das famílias da máfia. Ninguém ousará dizer nada contra ela com a minha proteção. Um novo silêncio se instalou. Mas, dessa vez, não era feito de fúria. Era de reflexão, dúvida, esperança hesitante. Kyota olhou para Hana e depois para Jin. Por fim, seus olhos se cravaram em Hideo. — Isso jamais acontecerá. Ela sempre será vista como a mulher que você desprezou. Hana pegou a mão do marido novamente e a apertou. Jin soltou um leve suspiro de alívio. Ainda havia muito a ser resolvido, mas ao menos, ali, naquele momento, o diálogo estava mais tranquilo. — Temos um combinado com Sayuri, Hideo — disse Hana, chamando a atenção dele. — Um combinado? O que quer dizer? — perguntou ele, surpreso. — Por nós, já teríamos rompido esse acordo há anos, mas nossa filha é insistente e não deseja abrir mão deste compromisso por enquanto. E nós não vamos interferir — disse Kyota, recostando-se no sofá. — Espere, o que estão dizendo exatamente? — perguntou Jin. — É bem simples. A única pessoa que pode romper esse compromisso é Sayuri. E os pais dela sabem bem disso — disse Kyota, olhando fixamente para Jin. Hideo recebeu aquela informação como uma bomba, mas, de certa forma, sentiu-se aliviado ao saber que precisava apenas convencer Sayuri de que aquilo não daria certo. — Apenas ela? — perguntou Hideo. — Sim. E podia ao menos disfarçar que está feliz com isso — disse Kyota, trincando os dentes. — Desculpe, não foi essa a minha intenção — disse ele, levantando-se e pegando a mala que tinha trazido. — Trouxe isto como um pedido de desculpas pelo meu comportamento. Hideo abriu a mala e retirou várias caixas de joias, colocando-as sobre a mesinha à frente dos pais de Sayuri. — São a minha compensação pelo que ela passou na boate esta semana. — Leve de volta — disse Kyota. — Não somos mendigos e não queremos as suas esmolas. — Não é o que está pensando... — Me diga algo, Hideo — disse Hana, olhando fixamente para ele. — Você escolheu alguma dessas peças pessoalmente, pensando na minha filha? O silêncio encheu a sala à medida que Hideo não encontrava resposta para a pergunta da mulher à sua frente. — Leve de volta. Sayuri jamais aceitaria isso. A minha filha gosta de presentes que mostrem que ela é importante para a pessoa. E essas joias são apenas ecos vazios da sua culpa. As palavras de Hana foram como tapas no rosto de Hideo e, sem escolha, ele recolheu as joias, fez uma reverência e saiu com uma nova determinação: fazer Sayuri o renegar.
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