O relógio marca 8h.
Henrique entra no escritório silencioso. O ambiente é luxuoso, mas frio: móveis de madeira escura, cortinas pesadas e o cheiro constante de café forte.
Antônio está de pé, de costas, observando a vista da mansão um panorama da cidade que ele domina como um rei moderno.
Ele não se vira quando Henrique entra.
— Feche a porta. — diz apenas, a voz calma demais.
Henrique obedece.
Um silêncio pesado se instala por alguns segundos.
Antônio continua olhando pela janela, as mãos cruzadas atrás das costas.
— Ontem à noite… — ele começa — Você agiu rápido. Frio. Preciso disso ao meu lado.
Henrique mantém-se em pé, postura militar.
— Era meu dever, senhor.
Antônio se vira lentamente. O olhar é penetrante, avaliador.
— Dever… Essa palavra sempre soa bonita, não é? — ele caminha devagar até a mesa, apoiando-se na borda. — Mas me diga, Henrique… o que leva um homem a se jogar na frente de uma bala por outro? O salário? A lealdade? Ou algo mais?
Henrique segura o olhar dele, mas não responde.
Antônio sorri de leve um sorriso que não chega aos olhos.
— Eu já vi muitos homens fingirem lealdade. E sabe o que todos tinham em comum?— ele se aproxima mais — No fim, todos queriam alguma coisa. Dinheiro a mais. Poder. Ou… companhia.
A última palavra sai carregada de intenção.
Henrique entende o que ele está insinuando, mas continua impassível.
— Com todo respeito, senhor… Eu só quero fazer meu trabalho. E garantir que o senhor e sua família estejam seguros.
Antônio o observa em silêncio, como quem tenta ler cada músculo do rosto dele.
— Minha família… — ele repete, pensativo. —Virgínia
Henrique assente uma única vez.
— Principalmente ela.
O silêncio retorna.
Então Antônio dá a volta na mesa e pega um copo de whisky, mesmo sendo cedo demais para isso.
Ele serve apenas um dedo e toma um gole antes de continuar:
— Você sabe, Henrique… Ontem à noite, quando vi aquele homem atirando, pensei: ‘é o fim’. E então, você apareceu. Frio. Preciso. Eu devo minha vida a você.
Henrique responde sem hesitar:
— Não deve nada, senhor. Só fiz o que qualquer segurança treinado faria.
Antônio sorri dessa vez, o sorriso é sincero, mas carregado de desconfiança.
— Qualquer segurança? Não. A maioria teria hesitado e você sabe disso.
Ele caminha até ficar frente a frente com Henrique, tão próximo que a tensão parece palpável.
— Mas eu vou te dizer uma coisa… se algum dia descobrir que esse impulso heroico foi por qualquer motivo além do profissional, Henrique, eu mesmo vou apertar o gatilho.
Henrique o encara firme.
— Não será necessário.
Antônio dá dois tapinhas leves no ombro dele e recua.
— Ótimo. Porque, por enquanto, você é o único homem em quem eu posso confiar.
Ele volta a se sentar na cadeira, já com o olhar frio novamente.
— Agora vá. Virgínia vai sair à tarde. Quero você com ela o tempo todo. E lembre-se…— ele ergue o olhar por cima dos papéis. — Ela é o meu ponto fraco. E eu não tolero ninguém tentando descobrir até onde esse ponto vai.
Henrique faz um breve aceno e sai da sala, fechando a porta.
Do outro lado, ele respira fundo.
Por fora, mantém a calma.
Por dentro, sente o peso do que acabou de ouvir e do que está por vir.
Porque proteger Virgínia não era mais apenas um trabalho.
Era uma linha perigosa e Antônio Mancini estava observando cada passo que ele dava sobre ela.