Um Contrato Sem Assinatura e um Coração Exposto
Daniela Marçal
Mansão Lancaster
Uma Semana Depois...
Eu olhei para o meu reflexo no vidro da lareira, a mão deslizando pelo cashmere cinzento. Uma semana, uma maldita semana, presa na jaula de luxo da Suiça e agora aqui na mansão, parecia cheirar a medo e a café expresso frio que estava na mesa. Xavier tinha fugido para a empresa como se a Mansão Lancaster estivesse em chamas, e eu era o fogo que ele precisava evitar. Ele acha que está a erguer uma barreira profissional ao usar o meu sobrenome e esta linguagem corporativa. Pobre homem. Ele não percebe que a barreira é de vidro e eu acabei de a limpar para ter uma visão perfeita dele. Eu não assinei um contrato de dedicação absoluta com a Lancaster, mas sim com a ideia de Xavier Lancaster.
A Suíça tinha sido... perigosa.
Não pelos risers nas pistas de neve onde passamos momentos em família com Olívia, rindo juntos. O perigo era a i********e que se infiltrou. Os chocolates quentes no chalé que se transformaram em conversas sussurradas. Os encontros na madrugada, onde o silêncio era tão alto quanto o que sentíamos. E o beijo. Um beijo que não estava no contrato, que era real e que me fez reavaliar cada vírgula dos meus planos.
Ele se permitiu, por um momento, ser o homem que eu queria que ele fosse: presente, aquecido, vulnerável.
E então veio o incidente na neve, o médico, a preocupação, a ajuda no banheiro e a dor. E ele... o Xavier da proteção. Aquele que me pegou no colo, o que lavou o meu cabelo desajeitadamente, o que me olhou com uma falha de sistema tão óbvia que quase me fez sorrir.
Mas foi depois daquilo, depois de me ajudar no banho. Um ato de i********e forçada, mas inegável, que ele se fechou completamente. Foi um clique audível na sua armadura, e a porta bateu na minha cara. Ele fugiu para o escritório na Suíça, e depois, sem olhar para trás, passamos uma semana como estranhos, e agora, para a sua empresa.
Foi aí que chamei Marina, no meio do dia em que era para estar trabalhando, mas estava aqui, de molho, mas não querendo ficar nessa posição por muito tempo.
Eu estava no escritório temporário, sob o olhar vigilante de Violeta, e eu estava destruída.
- Ele me quer por perto, mas ele precisa desesperadamente não querer, Marina. - eu desabafei, a voz rouca. - Ele me beijou! Ele cuidou de mim! Mas assim que o corpo dele agiu por instinto, assim que ele me tocou fora de qualquer cláusula de negócios, ele entrou em pânico e fugiu!
Expliquei tudo, desde o beijo até à fuga para a Mansão, na Suiça não tínhamos data de volta, mas ela logo chegou, passamos uma semana como estranhos. A confissão saiu dolorosa:
- Eu te avisei para não se apaixonar, Xavier Lancaster já tinha te avisado. E você boba, se deixou levar. - Marina disse, mas ela sabia que amor não se mandava, apenas acontecia.
- Eu me apaixonei novamente, Marina. Mas agora parece mais forte, mas vivido. Com o Paul era cômodo, mas agora eu o quero, eu desejo e dói essa distância posta entre nós. Não consigo aceitar essa distância. Ou pela pessoa certa que insiste em se fazer de errada.
Ele estava me dando sinais claros, não de que me odiava, mas de que não quer amar. Ele vê o amor como um custo não calculado, um risco que ameaça a sua eficiência.
- Ele acha que pode me relegar de volta à função de ativo. Impecável, inatacável. Ele me quer assim, porque assim eu sou previsível. Não sou o vírus que ameaça o seu precioso sistema.
Marina me encarou.
- E o contrato de noivado? Assinaram? Como você vai assinar algo confusa desee jeito?
Neguei com a cabeça.
- Não. Ele adiou, disse que não era o momento, depois do incidente, e eu concordei. Mas ele não sabe que o adiamento dele é o meu tempo de manobra.
Olhei para o anel no meu dedo, um diamante que era uma joia, não um símbolo. Ainda não.
- Eu não vou assinar um contrato de fachada, Marina. Eu não sou uma cláusula de negócios. Eu vou lutar por um marido. Eu quero uma família de verdade. E se o preço for quebrar o protocolo e ir direto à fonte de poder, como faria com qualquer governo, é isso que vou fazer.
Marina passou a tarde conversando comigo e ajudou Olívia com o dever de casa. Ela foi embora para trabalhar, segundo ela, tem dois dias que um advogado meia boca está perguntando o seu juízo. Segundo ela, de hoje ele não passa!
Confesso que fiquei curiosa com o advogado que conseguiu mexer com o auto controle da Marina.
Quando Xavier voltou, exausto, eu estava pronta. Eu me apresentei como o ativo funcional prioritário que ele queria. Limpa, calma, vestindo cashmere, folheando um livro. Eu era a perfeição que o desestabilizava, porque a perfeição dele era previsível, mas a minha era uma arma.
- Xavier. Bem-vindo de volta. - eu disse, a voz perfeitamente calibrada, a cortesia mascarando a raiva fria. - O projeto do Viena vai exigir um spa maior. E Peter enviou um e-mail sobre Macau. A sua sugestão de negociação direta é a única taticamente viável. Tratei como se estivéssemos na empresa.
Eu estava a mostrar a ele que eu era necessária. Ele precisava da minha visão, da minha clareza, mesmo que ele fugisse do meu toque. Eu era o ar-condicionado na sua sala de reunião, e ele precisava de mim para respirar.
Ele usou o sobrenome. "Marçal." A sua última tentativa de erguer a barreira.
Eu fechei o livro, e o sorriso que lhe dei foi pequeno, mas devastador. O sorriso de quem tinha vencido a primeira batalha.
- Eu sou o seu ativo, Xavier. Lembre-se, o contrato de dedicação absoluta... - Eu fiz uma pausa dramática. - ...Isso significa que a minha performance perfeita é, no fim, o seu problema.
Ele agarrou o copo de uísque. Eu senti o tremor que ele estava a esconder.
O instinto tinha falado, eu sabia. Ele fugiu do beijo, fugiu do cuidado, mas não pode fugir da necessidade. Agora, ele estava a lutar contra o fato de a sua noiva de contrato ser a única pessoa que o faz sentir-se menos eficiente no trabalho e mais humano em casa. Porque pelos e-mails, Xavier estava me delegando mais do que uma simples estagiária poderia fazer.
Ele quer uma estagiária funcional e perfeita? Terá. E essa perfeição vai sufocá-lo até ele ter de admitir que me quer como algo mais. Eu vou quebrar o seu sistema. Não pelo amor, mas pela lógica. Se ele precisa de mim para o trabalho, ele precisa de mim para a vida.