( Manhã de segunda-feira)
Evaristo deixou Júnior na escola e seguiu para a escola que a menina estudava. Camila olhava para a blusa de moleton cinza e para a calça preta que cobria o seu corpo, pensava que escolherá as piores peças para vestir, mas não tinha tempo de procurar por algo mais adequado. As mãos da jovem seguravam a maquete com leveza, tinha medo de quebrar o isopor e desta forma prejudicar o projeto.
Pelo caminho os dois cantarolavam uma canção antiga; uma das muitas heranças que a progenitora do senhor Esteves deixou para ele. A avó da Camila tinha muito bom gosto, era uma exímia mulher.
O senhor Esteves revordava da mãe com saudosidade; relembrou as palavras que o seu filho disse durante o café e pensou que se isso fosse possível, dos mortos andar entre os vivos, queria poder ver a mãe, dar aquele abraço apertado e dizer o quanto é grato por tudo que a doce senhora o ensinou.
O homem enxugou uma lágrima furtiva, abriu um sorriso e olhou para sua menina do campo.
_ Percebe, minha filha, como devemos dar valor ao simples fato de estarmos respirando? Que devemos agradecer mais e não murmurar. - soltou sem mais e nem menos.
Camila que segurava a maquete, como se fosse um jarro do mais fino cristal, olhou para o pai sem entender nada. Contudo sentiu algo esquisito, um leve aperto.
Estranhamente as ruas de Holambra estavam desertas, a movimentação de veículos era quase nula.
Chegando de frente ao muro baixo da instituição de ensino, Evaristo estacionou o carro. Tinha vários grupinhos, as ditas panelinhas ou tribos, formados por alunos na frente do portão. Alguns choravam copiosamente, enquanto recebiam consolo de quem estava próximo.
A moça percebeu, estranhou; sabia que algo grave tinha ocorrido. Eram vários alunos com semblantes abatidos, entristecidos e tomadoa pelo ar da melancolia.
Evaristo também percebeu, mas não se atreveu a abordar ninguém para indagar sobre as circunstâncias de suas tristezas.
O pai zeloso, contornou o veículo e ajudou Camila a descer com o projeto escolar sem o danificar.
A jovem vasculhou com o olhar os rostos até que viu faces conhecidas.
Estavam presentes algumas meninas que estudavam em sua classe.
Evaristo fechou a porta do carro e quando volveu seu corpo para frente, viu que Camila fora cercada por três meninas que não usavam uniformes escolar.
Aproximou-se, parou ao lado da filha.
_ Mila, não está sabendo?- indagou uma das meninas tentando controlar o choro.
Camila olhou para a ruiva em sua frente. Tatiana tinha os brancos dos olhos mais vermelhos que os seus fios longos.
_ Não, Tati, o quê houve? Por que todos estão
consternados?- perguntou a menina engolindo em seco.
_ Marcelo morreu, Camila!- Ivonete disse arregalando os olhos.
O corpo da moça tremeu, a carne sacudia soltando dos ossos. Piscou atordoada, seus joelhos perderam sustentação e se não fosse pelo pai a menina tinha ido de encontro ao chão; o protejo não teve tanta sorte.
_ Mo...mo.,morr...morreu....mas....como?- Camila tremia, seus labios estavam mais pálidos do que os cadarços dos tênis que usava - Não consigo respirar....não...consig...- uma crise se instaurou na menina. Lágrimas desciam pelo seu rosto e o ar não entrava de forma nenhuma dentro dos seus pulmões.
As mãos frias e trêmulas da menina apertavam o braço do pai um pedido de socorro mudo.
_ Calma, Camila, presta atenção na voz do papai, filha. Vamos junto comigo, respira devagar, meu amor. Puxa e solta, vai princesa. - Evaristo estava com os nervos à flor da pele, no entanto precisava manter a calma para poder ajudar a filha.
Camila curvou-se sobre o próprio tronco, apoiou as mãos trêmulas nos joelhos, sentia que iria morrer, sua visão estava ficando turva. A menina não recebia bem esses assuntos de morte; tudo teve início com a morte da avó, pessoa que a garota era muito apegada. Na época, Camila tinha seus nove anos; ao saber do falecimento da avó deu entrada no hospital com uma crise aguda, teve de ficar no balão de oxigénio. Aquela noite foi um caos, Evaristo tinha perdido a mãe e teve receio de perder a filha.
_ Busca água para ela, Alessandra! Pede uma caneca limpa para a tia Fátima do refeitório. - vociferou Tatiana para uma das amigas que estava por perto.
Alessandra saiu em disparada para dentro da escola.
Evatisto arrastou Camila até perto do carro, apoiou a filha na lataria e tratou de prender os fios de cabelo da garota, fez um coque torto, tinha intensão de que nada atrapalhasse o ar chegar até o rosto da menina.
_ Isso, filha, continua. Inspira e respira, solta o ar devagar. - pedia o homem, sem desviar o olhar da face da pequena.
Embora o ar tivesse adentrando pelas narinas da garota, não sentia e a sensação sufocante aumentava.
_ Vou morrer....- sussurrou apertando ainda mais o braço do pai.
_ Jesus! Nunca vi ninguém ficar assim !- Ivonete proferiu assustada e sentindo remorso, uma vez que foi ela a portadora da notícia trágica.
_ Camila teve uma experiência traumática e certas situações despertam essas crises, aciona esse gatilho. - Evaristo tratou de esclarecer .
Não era a primeira vez que isso ocorria com sua menina; certa vez a jovem ao saber que sua amiga faleceu ao ser alvejada por uma bala perdida, chegou a perder os sentidos.
_ Aqui a água! - Alessandra disse entregando a caneca plástica de cor azul para Camila, que não se encontrava em condições de segurar uma mísera pena quiçá um cilindro cheio de líquido .
O progenitor agradeceu o gesto de gentileza da mocinha de cabelos coloridos. Evaristo encostou a caneca nos lábios da filha e, aos poucos, Camila foi bebendo. Eram pequenos goles, porque a jovem sentia que sua garganta estava fechando e nada conseguiria passar.
_ Somos mesmos feito os passarinhos, hoje estamos voando e amanhã caímos duro em alguma parte. - proferiu o patriarca da família Esteves- É inacreditável, ontem esse garoto esteve em minha casa fazendo um trabalho escolar e hoje recebo essa notícia. - disse para si mesmo- Como?- indagou fitando os rostos das moças à sua frente.
_ Acidente de carro, saiu da estrada, capotou e foi fatal, não deu nem tempo do socorro chegar.- Alessandra disse, nervosa.
_ Meu pai amado! Tão novo, teve a vida interrompida precocemente. Carro é perigoso, igual a moto, temos que ter prudência ao dirigir ou pilotar.- Evaristo proferiu em forma de alerta.
_ Nem fala, meu pai conta que há muitos anos nessa região o filho de um figurão morreu feio; pilotava uma moto perdeu o controle e foi parar debaixo das rodas de um ônibus. - comentou Tatiana.
Camila ouvia as conversas misturadas as batidas céleres do seu coração; o ribombar ecoava dentro de si.
_ Onde vai ser o velório, sepultamento? - perguntou o progenitor, molhando a mão com água e depois passou levemente sobre o rosto da filha.
_ Na paróquia local. Os pais dele estão desolados. - Ivonete comentou.
_ O que a imprudência não faz. Hoje uma mãe chora lágrimas de sangue. Agradeço pela atenção mocinhas, mas levarei Camila para casa, ela precisa de descanso.- progeriu Evaristo abrindo a porta da Zafira.
O homem acomodou a filha, deu uma breve olhada para a maquete danificada, perda total, e entrou pela porta do motorista.
_ Pai, será que eu sou a culpada? Eu disse um não para o Marcelo? Será que de alguma forma isso colaborou para tudo o que aconteceu com ele?- perguntou sem saber que a resposta era sim.
Marcelo morreu por causa da moça com cheiro de mato, mas não por causa do " não " que disse ao rapaz e sim pela razão de desejar, ameaçar alguém que não o pertencia.
_ Que absurdo é esse, Camila? Se culpar por causa da irresponsabilidade de outro! Talvez ele perdeu o controle por está em alta velocidade, bêbado, por apostar corrida com outro veículo e posso citar, para você, muitas outras prováveis causas, porém nenhuma tem ligação contigo . - disse o pai erguendo o dedo indicador no ar.
Mal sabia Evaristo que ele estava completamente errado.