Capítulo 4. Eu não vou deixar

383 Words
O corredor estava em silêncio quando ouvi o som.Um alarme curto, seguido do grito abafado de uma enfermeira. — Código azul na UTI! Leito três! Leito três.Clarice Beck. O café caiu da minha mão antes que eu percebesse. Corri. O som das solas do sapato batendo no chão ecoava como batimentos cardíacos rápidos, urgentes, descompassados. Quando entrei na UTI, o caos já havia tomado forma.Os monitores gritavam números vermelhos, o bip se transformara em um som contínuo e desesperado. A equipe tentava conter o corpo frágil que tremia sobre o colchão. — Parada cardiorrespiratória! — alguém anunciou, nem sequer vi quem foi. O mundo estreitou.Nada existia além dela. — Um, dois, três. Agora.— gritei. Minhas mãos agiram antes da razão. O desfibrilador foi acionado, o choque cortou o ar com um estalo que fez todos recuarem.O corpo dela arqueou, e por um instante o tempo parou. Silêncio. Mais um choque.Mais um grito de comando.Mais uma súplica muda entre meus dentes. — Vamos, Clarice... — murmurei, quase sem voz. — Não faça isso comigo. O monitor piscou.Um pulso fraco, depois outro, depois o som mais belo e terrível que já ouvi: o bip intermitente voltando à vida. A equipe suspirou em alívio, mas eu continuei ali, segurando o pulso dela, incapaz de soltar.O toque da pele fria sob meus dedos me trouxe de volta à lembrança que eu vinha tentando enterrar o mesmo toque que senti no corpo sem vida da minha esposa, anos atrás. Só que desta vez, eu não falhei.Clarice Beck estava viva.De novo. Afastei-me lentamente, sentindo o suor escorrer pela nuca.A enfermeira responsável anotava dados, e alguém perguntou: — O que causou a parada, doutor? Olhei para os monitores, para os tubos, para o leve ferimento recém-coberto em seu abdômen.Tudo parecia normal... demais. — Ainda não sei — respondi, com a voz baixa. — Mas quero acesso a todos os relatórios dela. Tudo. Exames, medicações, histórico. — Sim, doutor. Saí da UTI com o coração disparado, a mente em turbilhão.Uma parada cardíaca súbita, sem causa aparente, poucas horas depois de uma cirurgia bem-sucedida. E um namorado que não derramara uma lágrima, como ele podia não chorar por ela? Nada naquilo era coincidência.E, no fundo, eu já sabia:Alguém queria Clarice morta.E quem quer que fosse… teria que passar por mim primeiro.
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