O corredor estava em silêncio quando ouvi o som.Um alarme curto, seguido do grito abafado de uma enfermeira.
— Código azul na UTI! Leito três!
Leito três.Clarice Beck.
O café caiu da minha mão antes que eu percebesse. Corri.
O som das solas do sapato batendo no chão ecoava como batimentos cardíacos rápidos, urgentes, descompassados.
Quando entrei na UTI, o caos já havia tomado forma.Os monitores gritavam números vermelhos, o bip se transformara em um som contínuo e desesperado. A equipe tentava conter o corpo frágil que tremia sobre o colchão.
— Parada cardiorrespiratória! — alguém anunciou, nem sequer vi quem foi.
O mundo estreitou.Nada existia além dela.
— Um, dois, três. Agora.— gritei.
Minhas mãos agiram antes da razão. O desfibrilador foi acionado, o choque cortou o ar com um estalo que fez todos recuarem.O corpo dela arqueou, e por um instante o tempo parou.
Silêncio.
Mais um choque.Mais um grito de comando.Mais uma súplica muda entre meus dentes.
— Vamos, Clarice... — murmurei, quase sem voz. — Não faça isso comigo.
O monitor piscou.Um pulso fraco, depois outro, depois o som mais belo e terrível que já ouvi: o bip intermitente voltando à vida.
A equipe suspirou em alívio, mas eu continuei ali, segurando o pulso dela, incapaz de soltar.O toque da pele fria sob meus dedos me trouxe de volta à lembrança que eu vinha tentando enterrar o mesmo toque que senti no corpo sem vida da minha esposa, anos atrás.
Só que desta vez, eu não falhei.Clarice Beck estava viva.De novo.
Afastei-me lentamente, sentindo o suor escorrer pela nuca.A enfermeira responsável anotava dados, e alguém perguntou:
— O que causou a parada, doutor?
Olhei para os monitores, para os tubos, para o leve ferimento recém-coberto em seu abdômen.Tudo parecia normal... demais.
— Ainda não sei — respondi, com a voz baixa. — Mas quero acesso a todos os relatórios dela. Tudo. Exames, medicações, histórico.
— Sim, doutor.
Saí da UTI com o coração disparado, a mente em turbilhão.Uma parada cardíaca súbita, sem causa aparente, poucas horas depois de uma cirurgia bem-sucedida.
E um namorado que não derramara uma lágrima, como ele podia não chorar por ela?
Nada naquilo era coincidência.E, no fundo, eu já sabia:Alguém queria Clarice morta.E quem quer que fosse…
teria que passar por mim primeiro.