Capítulo 20. Henry e Clarice

827 Words
Oliver chegou ao hospital mais tarde do que o habitual por escolha, não por atraso real. Dormira m*l, com a mente fervilhando de informações que Corvo lhe entregara. Nada naqueles relatórios saía de sua cabeça. Nada. Enquanto caminhava pelo corredor da UTI, sentiu um arrepio subir pelas costas. Talvez fosse antecipação… ou o pressentimento de que algo estava profundamente errado. Quando chegou à porta do quarto de Clarice, ele desacelerou. A porta estava apenas encostada. E de dentro, ele escutou a voz de Henry. Baixa. Controlada. Quase doce. Mas algo naquela suavidade parecia… forçada. Dissonante. Oliver parou completamente, os dedos tocando a maçaneta. Ele não queria ouvir mas não conseguia entrar sem antes entender o tom daquela conversa. A voz de Henry atravessou a fresta: — Clarice… você sabe que eu só quero o seu bem. Sempre quis.—Uma pausa curta.— Eu não culpo você por estar confusa. Tudo isso foi traumático. Mas… você precisa confiar em mim, amor. Oliver sentiu cada músculo do corpo se contrair. Aquela voz tinha algo que ele reconhecia: controle mascarado de carinho. Clarice respondeu, a voz fraca, cansada… mas firme: — Eu… ainda estou tentando lembrar de tudo, Henry. Ainda dói. Eu preciso de tempo, por favor. Henry pareceu forçar um sorriso ,Oliver podia ouvir o sorriso no tom: — Tempo? Claro, claro. Eu entendo.—Ele deu um passo, e Oliver ouviu a cadeira arrasta.— Mas você sabe que nós… — uma tensão elétrica no ar — …nós somos noivos, Clarice. Sua família sabe disso. Nós estávamos construindo uma vida juntos. Você não pode simplesmente… se afastar agora. Clarice engoliu seco. — Eu… não me lembro de ter aceitado isso, Henry. Um silêncio pesado caiu. Henry então falou com um tom diferente. Mais denso. Mais frio. Mas ainda assim travestido de “preocupação”. — Você deve estar influenciada… por outras pessoas daqui.—Outra pausa— Gente que só quer te confundir. Gente que está se aproveitando de você nesse estado, você está frágil demais. Era direto o suficiente para irritar Oliver.E indireto o suficiente para se passar por inocente. Clarice respondeu mais baixo: — Henry… por favor. Eu… só quero entender o que aconteceu. E eu não estou influenciada por ninguém. — Tem certeza? — Henry murmurou, a voz agora próxima demais. — Você anda elogiando muito esse médico… FrankWood… Oliver fechou a mão com força ao ouvir seu nome pronunciado daquele jeito carregado de ciúmes, de posse, de ameaça velada. Clarice respirou tremido: — Ele… salvou minha vida, Henry, você deveria estar agradecido também. — E isso te impressionou mais do que deveria. — Henry disse, seco. — Eu percebi. Você fica… diferente quando fala dele.— Respondeu Henry ignorando totalmente a fala de Clarice sobre o sentimento dele. Algo caiu dentro de Oliver um incômodo misturado com um senso de perigo iminente. Clarice respondeu com firmeza inesperada: — Henry… por favor. Eu preciso de paz. Não me pressione assim. Não agora. Houvesse uma câmera ali, e Oliver teria visto claramente o olhar de Henry aquele olhar que Corvo descrevera nos relatórios. O olhar de alguém que não aceita perder o controle. Henry inspirou fundo, tentando recuperar o tom doce: — Eu só quero você de volta, meu amor.—E então, mais baixo completou— Não deixe ninguém se meter entre nós, você é minha e eu sou seu. Bastou isso. Oliver abriu a porta. Calmo. Controlado. Mas com o olhar duro como lâmina. Clarice virou-se primeiro, surpresa. Henry se endireitou, claramente contrariado, mas mascarado por um sorriso hipócrita. — Doutor FrankWood — Henry disse. — Estávamos… conversando sobre o senhor. Oliver entrou com passos firmes. — Imagino. — Seus olhos passaram rapidamente por Clarice, certificando-se de que ela estava bem. — Mas agora é hora da medicação dela. E da checagem neurológica do início do turno. Era mentira mas Henry não tinha como saber. Henry apertou os lábios. — Eu ainda não terminei de falar com ela. Oliver olhou diretamente para ele, sem desviar, sem piscar. — Terminou sim, preciso verificar minha paciente no horário correto, se passar pode prejudica-la e tenho certeza que não é isso que deseja. O silêncio que se seguiu foi tão espesso que quase tinha peso. Clarice observava a cena com olhos tensos, a respiração acelerada. Henry se aproximou dela, tocando sua mão um gesto possessivo, mais do que carinhoso. — Eu volto mais tarde — disse, num tom que só Clarice entenderia a verdadeira ameaça. — E nós vamos continuar essa conversa. Ele passou por Oliver sem encará-lo. Oliver só virou depois que Henry saiu completamente. Clarice respirou fundo, claramente abalada. Oliver se aproximou devagar. — Você está bem? — perguntou, a voz mais suave com ela do que jamais fora com qualquer outra pessoa. Clarice olhou para ele os olhos azuis marejados, inseguros, perdidos. E naquele instante, Oliver soube: ele não iria permitir que Henry chegasse perto dela novamente. Não enquanto ele estivesse vivo.
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