O plantão daquela noite passou como uma névoa.
Oliver atendeu pacientes, prescreveu medicações, revisou exames, chamou especialistas tudo com a mesma precisão de sempre.
Mas era como se estivesse funcionando no automático.
Seu corpo trabalhava.
Sua mente, não.
Sua mente estava presa no banco traseiro daquele táxi, onde Clarice agora seguia para algum lugar que ele não conhecia, com uma expressão tímida e linda que não saía da memória.
Ele tentava ignorar a sensação incômoda como se tivesse deixado algo inacabado, como se aquela despedida tivesse sido prematura demais.
Às três da manhã, enquanto revisava fichas no computador da sala de descanso, percebeu seu erro quando viu seu nome escrito no papel:
Dr. Oliver FrankWood- Cirurgia de Emergência
O nome dela ecoou logo depois na sua cabeça, como uma sombra atrás das letras:
Clarice Beck
Respirou fundo.
Fechou os olhos.
A mão ainda roçava a boca sempre que ele pensava no beijo, como se sua pele guardasse memória.
Quando o plantão acabou e o sol começava a nascer, Oliver dirigiu até sua casa aquela mansão silenciosa demais, enorme demais para um único homem.
Os portões se abriram automaticamente.
Ele estacionou, desligou o carro… mas permaneceu sentado no banco por alguns instantes.
Não havia motivo lógico para o coração estar acelerado ainda.
Não havia motivo para ele reviver aquela despedida em looping, como se fosse uma cena de filme que ele quisesse pausar no ponto exato.
Finalmente entrou.
O corredor impecável, o chão de mármore, o silêncio absoluto todo aquele ambiente o recebia sempre com frieza.
Mas, dessa vez, parecia ainda mais vazio.
Ele jogou a gravata no sofá abriu alguns botões da camisa e foi direto para a cozinha beber água.
A cada passo, sentia o eco suave do perfume de Clarice na memória, misturado com aroma de hospital e algo doce… talvez dela.
Encostou as mãos na bancada, inclinando o corpo para frente.
Uma parte dele a parte lógica, clínica, racional dizia:
“Ela é uma paciente. Isso precisa terminar aqui.”
Mas outra parte, a que ele tentava enterrar, sussurrava:
“Ela te beijou primeiro, agora é sua vez de ir atrás dela.
Ela confia em você.
E você quer isso.”
Oliver ergueu o rosto, encarando o reflexo em uma das portas espelhadas do armário.
Parecia cansado.
Parecia vulnerável.
Parecia… humano demais.
— Isso é um problema — murmurou para si mesmo.
Subiu as escadas devagar, sentindo um peso estranho no peito.
Ao entrar no quarto, tirou a camisa, mas ficou parado, olhando para o teto, antes mesmo de se deitar.
A cama enorme, intacta, parecia fria.
Ele se deitou, fechou os olhos… e a mente fez o que ele temia:
voltou à Clarice.
O sorriso dela.
A voz suave dizendo “posso te abraçar?”.
O calor do corpo dela pressionado ao seu por um segundo.
O beijo rápido, inesperado.
A vergonha fofa dela correndo para dentro do táxi.
Oliver virou para o lado, inquieto.
Era difícil admitir, mas não para si mesmo, no silêncio do quarto:
Ele sentia falta dela.
Sentia falta de uma paciente.
E isso significava que ele estava atravessando uma linha da qual talvez não conseguisse voltar.
Ele abriu os olhos, olhando para a parede.
Uma única pergunta se formou, pesada e inevitável:
“Quando vou ver Clarice de novo"