No início da manhã, quando entrei na ala da UTI, encontrei a família de Clarice reunida novamente no corredor.A mãe dela parecia cansada, com olheiras profundas; o pai, rígido, como se tentasse manter a compostura; e Henry…Henry mantinha aquela expressão calma demais, quase ensaiada.
Quando me viram, todos se aproximaram ao mesmo tempo.
— Doutor FrankWood, bom dia — disse a mãe, aflita. — Alguma previsão de alta?
Respirei fundo.
— Ainda não. — respondi, consciente de cada palavra. — Clarice está se recuperando, mas ainda sente dores significativas. O corpo dela passou por um trauma severo e precisa de tempo.
— Mas ela já está acordada, conversando — o pai retrucou, tenso. — Não seria melhor levá-la para casa?
— De forma alguma. — disse, firme. — O pós-operatório dela é delicado. Se tirarmos a medicação intravenosa cedo demais, o risco de hemorragia ou infecção aumenta.
A mãe assentiu, aflita.
Henry apenas me encarou, sem piscar como se tentasse medir a veracidade de cada palavra.
Continuei:
— Além disso, quero que ela seja avaliada por uma psicóloga.
O trio se entreolhou, surpreso.
— Por quê? — perguntou Henry, o tom mais frio do que o normal.
— Porque Clarice está tendo lacunas de memória importantes — respondi. — E isso pode gerar ansiedade, angústia ou confusão. A ajuda psicológica é essencial.
— Ela não precisa disso. — disse Henry rapidamente. — Ela só precisa estar em casa. Com a família.
— Com todo respeito — repliquei —é o meu hospital, é a minha paciente, e eu decido o que é necessário para garantir a segurança dela.
Um silêncio denso caiu entre nós.
A mãe tocou o braço de Henry, mandando-o se calar sem dizer uma palavra.
— Se o senhor acha melhor… — murmurou ela. — Então tudo bem.
Assenti, encerrando a conversa.
— Eu aviso quando a psicóloga vier avaliá-la. Até lá, peço que a deixem descansar.
Eles se afastaram, e Henry lançou um último olhar sombrio, controlado, mas carregado de algo que ninguém mais parecia perceber.Algo que me dava um arrepio.
Caminhei até o terceiro andar, onde ficava o consultório de Isabela Hartmann, psicóloga e velha amiga.Ela estava sozinha, organizando alguns relatórios, quando bati na porta.
— Oliver? — disse ela, surpresa. — Você parece… exausto.
— Dia difícil. — respondi, entrando. — Preciso pedir um favor.
Ela fechou o notebook e cruzou os braços.
— Quando você fala assim, é coisa séria.
— É sim. — suspirei. — Tenho uma paciente na UTI: Clarice Beck. Levou um tiro. Memória fragmentada. Quero que você a avalie.
— Claro. — disse ela, sem hesitar. — Mas por que esse pedido tão específico? Você nunca me chama para casos de trauma comum.
Apertei a mandíbula.
— Porque… — procurei as palavras — há algo estranho.
— Como assim?
— Ela fica desconfortável perto do namorado. Não é algo que ela verbalize. É sutil. Pequenos gestos. Recuos. Mudança de tom. A saturação cardíaca aumenta quando ele entra no quarto.
Isabela franziu o cenho.
— Você acha que ele pode estar envolvido no tiro? Ou talvez ela sofra violência?
— Não sei. — respondi, honesto. — Mas ela tem hematomas nos braços que não vêm só do disparo.Hematomas de contenção.E Henry… ele tem um comportamento controlado demais, parece que não si importa, só quer vê-la longe daqui.
Ela me analisou por um segundo.
— Você está se apegando emocionalmente a essa paciente, Oliver?
A pergunta veio como um golpe.Olhei para o chão.
— Estou preocupado com minha paciente. Só isso.
Isabela respirou fundo.
— Eu vou vê-la. Hoje mesmo. E vou conversar com ela com calma.Depois te dou um parecer.
— Obrigado. — murmurei, realmente aliviado.
— Oliver… — ela acrescentou, segurando meu braço — cuidado com esse caso.
Saí do consultório com a sensação incômoda de que, por mais que tentasse manter a distância, Clarice Beck estava se tornando um ponto central em algo muito maior do que ambos percebiam.
E Henry, com aquele olhar calculado, estava no epicentro disso.