Capítulo 11. Psicóloga

671 Words
No início da manhã, quando entrei na ala da UTI, encontrei a família de Clarice reunida novamente no corredor.A mãe dela parecia cansada, com olheiras profundas; o pai, rígido, como se tentasse manter a compostura; e Henry…Henry mantinha aquela expressão calma demais, quase ensaiada. Quando me viram, todos se aproximaram ao mesmo tempo. — Doutor FrankWood, bom dia — disse a mãe, aflita. — Alguma previsão de alta? Respirei fundo. — Ainda não. — respondi, consciente de cada palavra. — Clarice está se recuperando, mas ainda sente dores significativas. O corpo dela passou por um trauma severo e precisa de tempo. — Mas ela já está acordada, conversando — o pai retrucou, tenso. — Não seria melhor levá-la para casa? — De forma alguma. — disse, firme. — O pós-operatório dela é delicado. Se tirarmos a medicação intravenosa cedo demais, o risco de hemorragia ou infecção aumenta. A mãe assentiu, aflita. Henry apenas me encarou, sem piscar como se tentasse medir a veracidade de cada palavra. Continuei: — Além disso, quero que ela seja avaliada por uma psicóloga. O trio se entreolhou, surpreso. — Por quê? — perguntou Henry, o tom mais frio do que o normal. — Porque Clarice está tendo lacunas de memória importantes — respondi. — E isso pode gerar ansiedade, angústia ou confusão. A ajuda psicológica é essencial. — Ela não precisa disso. — disse Henry rapidamente. — Ela só precisa estar em casa. Com a família. — Com todo respeito — repliquei —é o meu hospital, é a minha paciente, e eu decido o que é necessário para garantir a segurança dela. Um silêncio denso caiu entre nós. A mãe tocou o braço de Henry, mandando-o se calar sem dizer uma palavra. — Se o senhor acha melhor… — murmurou ela. — Então tudo bem. Assenti, encerrando a conversa. — Eu aviso quando a psicóloga vier avaliá-la. Até lá, peço que a deixem descansar. Eles se afastaram, e Henry lançou um último olhar sombrio, controlado, mas carregado de algo que ninguém mais parecia perceber.Algo que me dava um arrepio. Caminhei até o terceiro andar, onde ficava o consultório de Isabela Hartmann, psicóloga e velha amiga.Ela estava sozinha, organizando alguns relatórios, quando bati na porta. — Oliver? — disse ela, surpresa. — Você parece… exausto. — Dia difícil. — respondi, entrando. — Preciso pedir um favor. Ela fechou o notebook e cruzou os braços. — Quando você fala assim, é coisa séria. — É sim. — suspirei. — Tenho uma paciente na UTI: Clarice Beck. Levou um tiro. Memória fragmentada. Quero que você a avalie. — Claro. — disse ela, sem hesitar. — Mas por que esse pedido tão específico? Você nunca me chama para casos de trauma comum. Apertei a mandíbula. — Porque… — procurei as palavras — há algo estranho. — Como assim? — Ela fica desconfortável perto do namorado. Não é algo que ela verbalize. É sutil. Pequenos gestos. Recuos. Mudança de tom. A saturação cardíaca aumenta quando ele entra no quarto. Isabela franziu o cenho. — Você acha que ele pode estar envolvido no tiro? Ou talvez ela sofra violência? — Não sei. — respondi, honesto. — Mas ela tem hematomas nos braços que não vêm só do disparo.Hematomas de contenção.E Henry… ele tem um comportamento controlado demais, parece que não si importa, só quer vê-la longe daqui. Ela me analisou por um segundo. — Você está se apegando emocionalmente a essa paciente, Oliver? A pergunta veio como um golpe.Olhei para o chão. — Estou preocupado com minha paciente. Só isso. Isabela respirou fundo. — Eu vou vê-la. Hoje mesmo. E vou conversar com ela com calma.Depois te dou um parecer. — Obrigado. — murmurei, realmente aliviado. — Oliver… — ela acrescentou, segurando meu braço — cuidado com esse caso. Saí do consultório com a sensação incômoda de que, por mais que tentasse manter a distância, Clarice Beck estava se tornando um ponto central em algo muito maior do que ambos percebiam. E Henry, com aquele olhar calculado, estava no epicentro disso.
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