Turbulência

1994 Words
Capítulo-X. Turbulência " São coisas da vida as turbulências que o destino nos traz." Liliana Caminhei para fora do apartamento com raiva, com um destino selado sem alguém me perguntar se é isso que desejo. Uma moeda de troca, um meio para um fim, uma nota promissória. Apertei tantas vezes o botão do elevador que meu dedo está doendo. Mas o que não dói em mim? Minha alma, meu coração, minha existência... tudo isso sente dor, muita dor. No momento em que pisamos no hall do prédio, senti a mão dele apertar meu braço de maneira suave. Mas quem aquele escocês que se acha dono do mundo estava pensando que era? Mirei seus olhos extremamente azuis e depois a mão coberta por uma luva de couro escuro. Travei meus dentes, pronta para o embate. Ele não faria de mim mais uma a esquentar os seus lençóis. — Me solta! Não quero que me toque! — fui agressiva. Meu rompante fez o homem franzir o cenho. Um sorriso cínico se formou em sua boca. Aquela atitude, em particular, ferveu meu sangue. Ele rosnou baixo sem desviar o olhar. — Me desafiando? — indagou, ampliando o sorriso. Estremeci porque, de uma maneira estranha, me vi envolvida numa névoa de sedução. — Entenda como quiser. — falei erguendo o queixo. De onde estava vindo tanta coragem, não sei dizer. Ele riu maldosamente, percebi isso com nitidez. — Eu irei te tocar, menina, farei muitas coisas com você. Ele se aproximou bem perto do meu ouvido e sussurrou: — Muitas coisas... Senti a respiração dele contra a pele do meu pescoço, arrepiei inteira. Não havia uma parte de mim que não tivesse sofrido com o impacto da aproximação. E o cheiro dele, cheiro de perfume caro e mais alguma coisa que remetia a mistério e pavor. Nossos olhares cruzaram-se. Vibrei de nervoso, irritação e inquietação. Ele não podia me tratar como uma qualquer. — Não suporto o senhor! — rosnei, preparada para a guerra. Um brilho cínico dominou o olhar de pedra azul. De repente, me vi de frente para um par de geleiras: frios, sem vida e completamente vazios. Era como se eu tivesse pisado em uma parte frágil do solo que se revelava um buraco profundo e sem fim. Olhar para ele me trazia a sensação de estar em uma longa queda. — Terá de suportar, vais me dar um herdeiro. És jovem, possui o corpo fresco, isso me garantirá uma criança saudável. Me senti como uma p**a, com o homem me avaliando feito um pedaço de carne exposta numa vitrine de açougue. — Desejo muito ser estéril, seca como o deserto! Do que gerar um filho seu! Seu porco!!! — berrei, estremecendo, perdendo totalmente a compostura e a educação. Ele deu um esgar de sorriso. — Tenho acesso aos seus exames. A donzela é brindada de uma saúde excepcional. Não teremos problemas quanto a isso. No entanto, a fecundação do seu óvulo feita por meu material genético pode levar algum tempo para ocorrer, então... Estremeci, sabendo o que queria dizer com isso. Meu estômago apertou de uma maneira absurda. Nunca pensei muito sobre maternidade, afinal minha pouca idade e a minha vontade de viver não me permitiam. A minha vida, dos meus quinze anos até o momento, foi seguindo uma sucessão de quedas. Tantas coisas desagradáveis aconteceram, e o surgimento desse homem, por causa da ganância desmedida do meu irmão, é apenas mais uma. — Vai se f*der, Ragnar Murdoch! — meus olhos estavam cheios de cólera. Minha vontade era de esbofetear o maldito. Ele estreitou o olhar depois do meu rompante. — Posso te punir por tal afronta e falta de respeito. Abri um sorriso frio, sem desviar o olhar do escocês. — Você é um monstro frio, c***l, um ser repugnante. Vai ter de minha parte apenas desprezo. Seus olhos me miraram cheios de ameaças veladas. Ragnar deu um passo em minha direção, e o porteiro se aproximava a passos lentos. Senhor Zacarias, com os seus sessenta e sete anos, apenas nos observava. — Se não quiser que o pior encontre o seu irmão, irá ter um bom comportamento, senhorita. Meu coração gelou, sofri um novo choque de realidade: eu estava de mãos atadas e sendo uma espécie de propriedade do escocês. Engoli em seco. Antes que o senhor Zacarias pudesse cerrar a distância entre nós, puxei a minha mala na direção da saída. Ragnar veio atrás, me acompanhando como se fosse a minha sombra. Sua mão pesou em meu ombro, guiando-me em direção ao carro. Um senhor, o motorista, desembarcou, pegou a minha mala e guardou. Ragnar agiu como um cavalheiro, abrindo a porta do veículo para mim. Soltei um suspiro pesado, soprando por entre meus lábios, segurando o choro. Olhei por uma última vez para o prédio onde cresci e colecionei momentos bons e ruins. Embarquei e, para a minha surpresa, tinha um homem sentado no banco do carona. — Bom dia, senhorita Freitas. — a voz potente e o olhar de pura análise me revestiu como um manto invisível. Sentei ao lado do ser que não se moveu, parecia uma estátua imponente. — Bom dia, senhor. Ragnar sentou-se ao meu lado. Senti-me sufocar, meu coração disparou. O carro partiu, enquanto dentro de mim tudo estava ruindo, o tempo fechando. Chegamos ao aeroporto sob um silêncio absoluto. Desembarcamos, eu com as minhas pernas-bombas, peito aos pulos, olhar assustado. Ser levada para fora do seu país, do berço no qual nasci e cresci, não se mostrava ser algo bom. — Nosso jato nos aguarda. — disse o homem que, obviamente na minha opinião, teria algum tipo de ligação com Ragnar. — Senhorita, este que vos fala é meu irmão, Hunter. — sanou a minha dúvida e trouxe a confirmação de que sim, eram parentes bem próximos. As características marcantes, como as sardas espalhadas pelo rosto, cabelo ruivo e os olhos de um azul invejável, diziam por si que a genética era igual. Olhei na direção de Hunter. — Prazer em conhecê-lo. — minha voz saiu baixa, calma, leve. Ragnar alternou olhares entre nós dois. Após o motorista retirar as bagagens, seguimos pelo saguão. Os seguranças que nos seguiam em outro carro ficaram para trás. — É isso, o fim. — sussurrei para mim mesma. — Não, é o começo. — Ragnar falou sem me olhar, nossos passos continuaram. Por dentro eu orava, clamava, implorava pela misericórdia divina e por forças para suportar tudo o que estava por vir. Eu era e sou o próprio sacrifício, a oferenda em busca de benevolência, e meu irmão foi quem me deitou no altar. Minutos depois, a aeronave ganhava o céu do Brasil, rumo à Escócia. Recordo das minhas lágrimas rolando por minha face, do temor absurdo que me dominou. Quis gritar, não pude. Sentamos em poltronas separadas, Ragnar perto de Hunter, e eu agradeci por ficar sozinha. Já era o suficiente eu o pegar me olhando, parecia tecer dentro da cabeça planos, mil deles. Pensei nos meus pais, no casamento deles, no cuidado que tinham um com o outro. Eu os adorava, eram o meu espelho, queria um relacionamento igual ao deles. Mas meu destino é como um deserto em busca de um oásis em flor, algo difícil de achar. Fechei meus olhos querendo adormecer e esquecer que tudo estava, mais uma vez, mudando drasticamente. Quantas vezes eu teria de passar por isso? Quantos choques viriam? Por que comigo? Aos poucos minhas pálpebras pesavam, me entreguei à escuridão sem receios. Acordei tempos depois, com dor no pescoço. Passei a mão no local, fazendo uma massagem. Olhei para o meu corpo coberto por uma manta, estranhei — não tinha nada disso por perto. Olhei na direção das poltronas dos Murdoch, ambos liam livros compenetrados. Retirei o tecido grosso e levantei, com a minha bexiga em protesto. — Onde vai? — a voz de Ragnar chegou rápida. Olhei assustada na direção do homem. Fiquei intrigada: ele não estava sentado na poltrona perto do corredor, o que dificultaria saber dos meus movimentos, Hunter obstruía a visão. — B-banheiro... — gaguejei feito uma i****a, meu corpo estremecendo. — Ao fundo, não demora. — falou com tom seco. — Vai contar os minutos que levo para usar o banheiro? Não me respondeu, fui ignorada com excelência. Caminhei na direção indicada pelo escocês. Achei a porta do banheiro. Me fechei lá dentro, abrindo o botão da calça, fazendo a dança do desesperado. Por muito pouco o xixi quase molhou a calcinha. Urinei pensando em como seria a Escócia. Nunca tive curiosidade por explorar outros países, via remotamente, muito menos de ler sobre. E me deparei com tais pensamentos. Levei cerca de dez minutos dentro do banheiro, não fazendo necessidades, mas por não desejar sair de lá. Sabendo que ficar trancada num cubículo jamais me afastaria da dura realidade, retornei ao assento. E, para a minha desagradável surpresa, Ragnar estava sentado ao lado da minha poltrona. Estremeci, sabendo o inevitável: teria de engoli-lo. Caminhei apertando minhas mãos em punhos. Ao me aproximar, os olhos dele se ergueram. — Com licença. — pedi, apontando na direção da minha poltrona. O homem não falou nada, mas fez menção com a mão para o assento ao lado, reparei que encontrava-se livre da luva. Mão dona de pele branca, muito branca. Dedos longos, unhas bem desenhadas. Dei o primeiro passo entrando no meio das pernas do escocês, bem no momento em que a aeronave sofreu um balanço repentino. Meu corpo desestabilizou, caí no colo do homem, o destino estava complicando ainda mais a minha situação. As luzes piscaram, soltei um grito de pavor me segurando na lapela do paletó de Ragnar. Senti mãos enormes apertando a minha cintura. — Essa coisa vai cair, Ragnar! — falei apavorada. — É uma turbulência, um fenômeno que ocorre devido a movimentos irregulares e aleatórios do ar atmosférico. — a voz dele soava calma, muito calma, algo inumano para o momento de extrema aflição. Afinal, qual pessoa não faria uma correlação com o pior? Absolutamente nenhuma. Encostei a minha testa no ombro dele, meu coração batendo fora de controle. — Nobre donzela, vossa essência perfumada se faz sentir como um suave bálsamo que encanta os sentidos! — Não é o momento para falar de cheiros, Ragnar. — sussurrei, orando a Deus para não deixar a máquina criada pelo homem, suscetível a falhas, cair. Meus pais morreram em situação semelhante. Não queria ter o mesmo destino. O avião trepidou mais forte, apertei mais ainda meu corpo contra o de Ragnar. Meus olhos arregalaram ao sentir algo duro cutucando a minha b*nda. Engoli em seco. "É aquilo? Não pode ser!" No internato, a Madre e as irmãs não deixavam que nossos pensamentos se voltassem para a anatomia masculina, no entanto, a curiosidade aguçava demais. Clara, uma das internas, dizia para nós como é que um homem ficava quando tentado pela carne, e, bem, o escocês estava duro igual rocha. De repente, as luzes pararam de piscar, a aeronave normalizou a estabilidade. Me afastei do ombro do homem, completamente tomada pelo cheiro do perfume dele. As notas de âmbar com musgo de carvalho misturavam o calor envolvente de uma com o terroso da outra. Nossos olhares cruzaram-se feito um duelo de lâminas afiadas. Foquei nos lábios dele, bem delineados. Estava hipnotizada: era um homem de verdade, um homem feito, e não um dos meninos com quem eu gostava de trocar uns beijinhos atrás da igreja durante as missas de domingo. De repente, um click despertou-me, me trazendo para a realidade pela qual eu estava ao lado daquele homem. Ergui-me apressada, retornei ao meu lugar. — Descanse mais um pouco. São quinze horas de voo, e dessas quinze apenas quatro se passaram. Falou, embora eu não quisesse ouvir sua voz. Estranhamente, dentro de mim tinha algo em agonia, meu corpo estava quente e sentia algo molhar a minha calcinha. Gerou-me um incômodo severo. Evitei pensar, muito embora meu baixo-ventre não me permitisse esquecer. Continua...
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