Dedicatória & Prólogo
Dedicatória
À minha mãe, que não gosta do nome dela, e tomarei minha liberdade de autora para chama-la de Anne, ou Sabrina, o nome fictício que ela criou em suas brincadeiras na infância, com sua irmã e suas primas.
Mãe, obrigada, por ler os mais variados livros para mim antes de dormir, passando as páginas na posição em que eu, mimada e de forma exigente, pedia que passasse, enquanto os contava. Agradeço por me presentear com todos os livros que eu pedia, quando voltava das suas viagens. Também lhe dedico, devido ao seu amor por viagens, e a leitura é uma forma incrível de viajar sem sair do lugar. Obrigada por escutar minhas tagarelices na infância. Do seu ventre, e a partir da sua criação, eu me fiz assim: apaixonada por palavras e por seu poder de envolvimento e de transporte para outros universos.
Dedico também à minha tia Leila, ou Luana, seu nome fictício nessas mesmas brincadeiras anteriormente citadas. Porque através dela, eu tenho a minha memória mais encantadora de demonstração de afeto físico. Obrigada por me fazer estranhar aquele carinho que eu não estava acostumada, e me sentir verdadeiramente amada.
Dedico às duas, porque essa história se trata de duas irmãs, com três anos de diferença em suas idades e mais diferenças ainda em suas personalidades. No entanto, juntas, assim como Anne e Leila, com a perda precoce do seu pai, inventaram um modo de lidar com o luto e com a magia que está contida nos mínimos detalhes das nossas existências.
Prólogo
"Crianças, a ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bem simples: a magia existe." Stephen King
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- Ela me disse que era chá! - Glorinha erguia as mãos para o alto, com um semblante visivelmente incrédulo.
- Pois era whisky… - Patrício colocou as duas mãos na cintura enquanto olhava para baixo, sua fala se assemelhava mais à uma tentativa de se auto convencer - Whisky! Deus do céu... Quinze anos! - exclamou ainda fitando o chão, enquanto mordia o lábio inferior com nítida impaciência.
- O whisky? - Gloria perguntou, erguendo a sobrancelha direita.
- Pelo manto de Cristo, Glorinha, não... Samanta. Samanta só tem quinze anos. Mas já lembra o d***o do Teodorico.
Teodorico era um velho tio alcoólatra da família Maia, muito afamado por criar confusões nas festas de aniversário e casamento de seus parentes.
- E o que você vai fazer com ela? - Glorinha se afastava para pegar as panelas do almoço, que ainda estavam postas na mesa da sala de jantar.
- Como o velho e bom i****a que sou, vou conversar com ela mais uma vez. E se não adiantar... - Patrício refletia enquanto abotoou seu paletó azul marinho. - Um convento talvez seja a solução... - riu sozinho ao terminar a frase.
Glória acompanhou a risada do patrão, ciente de que Patrício sabia da asneira que dissera.
- Pois ela colocaria fogo no convento! - Ele completou, não contendo as gargalhadas, enquanto abria a porta da frente, retirando-se do local.
Patrício Dante Maia era um conhecido viúvo da cidade de Clareira de Misé, proprietário do jornal da cidade e um famoso contador de histórias. As crianças costumavam se reunir na calçada do Jornal da Clareira, para ouvi-lo contar as lendas da cidade, e curiosos fatos - sem dúvida, mero fruto de sua imaginação - que envolviam o passado daquela pequena cidadezinha afastada das metrópoles. No entanto, a verdade sobre o seu próprio passado, era firmemente ocultada por ele, extremamente discreto quando tratava-se de seus problemas pessoais, e sobre a morte de sua esposa, Aurora.
Aurora Maia morreu de pneumonia quando ainda era muito jovem, ao completar seus vinte e três anos. Deixando para trás seu marido e duas filhas pequenas, Samanta, a mais velha, e Mabel.
Como em toda boa cidade pequena, as fofocas e os rumores a respeito dos moradores circulavam rapidamente, dando vazão à criatividade de quem repassava tais mexericos, e gerando assim, especulações diversas.
Aurora fora uma famigerada vítima de tal situação, fazendo-se assim ser impossível encontrar um só habitante de Clareira de Misé que não soubesse quem era Aurora Maia, e o que ela fazia.
Quando faleceu, Patrício se viu desesperado, tanto pela morte da mulher de sua vida, quanto pela perspectiva de futuro daquele dia em diante, sozinho, cuidando de duas garotas pequenas. Na época, Samanta tinha apenas seis anos, e Mabel, três. Além de tais infortúnios, Patrício ainda convivia com a infelicidade dos mexericos a respeito de sua esposa.
Tudo piorou quando, cansado dos malditos comentários, ele entrou numa briga com uma velha senhora chamada Maria de Lourdes, na mercearia do Zé g**o, enquanto comprava mantimentos para a sua casa.
"Foi levada por Satã..." disse a velha senhora, quando Patrício saía da mercearia carregando duas sacolas. Naquele dia, em especial, fazia apenas três semanas que Aurora havia o deixado. Desequilibrado devido ao luto, e cansado de ouvir tais falácias, Patrício jogou suas sacolas no chão, enquanto avançava contra a mulher rechonchuda, que aflita, observava o olhar de ódio com que Patrício a fitava.
- Repita o que você disse! Sua velha baranga. - Patrício a segurava pela manga do vestido. E bastou este grito, para que toda a vizinhança se empoleirasse nas extremidades das grades de suas varandas, assistindo a briga atentamente.
Ao notar que tinha platéia, a velha encheu o peito para não parecer que havia se acovardado.
- Foi levada mesmo! Aquela bruxa! E suas filhas devem ser duas bruxas também - A velha gritava, de forma escandalosa, para que todos ouvissem do que se tratava a discussão.
- A v*****e que tenho é de te m***r. - Patrício disse, dessa vez, com mais calma, enquanto lentamente tirava as mãos das mangas do vestido florido de Maria de Lourdes. - Para que você vá para o inferno, de onde veio. - Ele agora fitava a multidão que se formava ao redor de ambos. - Mas não vou manchar ainda mais a reputação da minha família, e aumentar a infelicidade das minhas filhas.
- Duas bruxas... - Maria de Lourdes cuspiu no chão, ao terminar de falar.
- Que você caia na mais profunda desgraça, velha miserável. E que todo o veneno que você solta, volte contra você. É o que eu d****o. - Patrício recolheu as sacolas que havia deixado no chão, enquanto ouvia o zumbido dos cochichos de todas as pessoas que assistiam a cena.
Com as sacolas nas mãos, marchou com a cabeça erguida, segurando as lágrimas que prontamente esperavam para descerem, assim que ele pusesse os pés em casa.