Sem título

1024 Words
CAPÍTULO 2 INDYARA NARRANDO...   Acordei cedo, com o coração apertado e a respiração pesada. A noite foi horrível. Tive pesadelos com vozes gritando, rostos sem olhos, mãos me puxando para um buraco escuro. Levantei tremendo. Tomei banho tentando me livrar daquela sensação r**m que grudou na minha pele como sangue seco. Me vesti com uma roupa leve e desci pra tomar café. Meu pai já tinha saído. Melhor assim.   Sentei à mesa e fiquei observando minha mãe preparar o café como fazia todos os dias. Mas hoje... hoje ela parecia ainda mais distante, os olhos fundos, os movimentos lentos. — Mãe, que horas o pai volta do serviço?   Ela nem olhou pra mim. Só respondeu com um resmungo seco: — Não sei. Por quê? — Queria saber uma coisa... — O quê? — O que ele quis dizer com "daqui a 15 dias eu entrego, ou morremos"? Eu ouvi isso ontem à noite, mãe. E eu não tô conseguindo parar de pensar.   Ela congelou. As mãos trêmulas deixaram a colher cair dentro da xícara. O café respingou na toalha branca. Ela não respondeu. Ficou ali, olhando pro nada. — Mamãe... me conta. O que tá acontecendo? — Nada, Indyara. — Não mente pra mim! Eu ouvi o pai dizer aquilo! Se vocês tão correndo perigo, eu tenho o direito de saber. — Não é assunto pra você... — É sim! Eu tô envolvida nisso, não tô? Eu sinto!   Ela suspirou fundo. Olhou pra porta, como se esperasse ele voltar a qualquer momento. Depois fez sinal com a mão. — Vem. Vamos pro seu quarto.   Subimos as escadas em silêncio. Meu coração batia tão forte que eu podia ouvir o sangue nos meus ouvidos. Fechei a porta e me sentei na cama, esperando. Ela andou de um lado pro outro, como se procurasse coragem entre as palavras. — O trabalho do seu pai... não é exatamente limpo. Ele tem um escritório... com empresas fantasmas. Ele lava dinheiro pro tráfico. Pro Comando.   Meu estômago revirou. — Ele sempre trabalhou com isso? — Desde que morávamos no Morro da Providência. Foi lá que começou. Ele se aproximou do chefe da facção, ganhou confiança. Ganhou dinheiro. Subimos na vida.   Me levantei. — E a senhora nunca disse nada? A gente viveu todos esses anos numa mentira? — Eu fiz o que pude pra te proteger. — Protegendo? Como? Fingind que somos uma família normal? — Eu achei que daria certo... — E o que ele quis dizer com "entregar"? Entregar o quê, mãe?   Ela respirou fundo, os olhos marejados. — Um pacto foi feito. Quando você era bebê, seu pai firmou um trato de sangue com o chefe do Comando. Ele prometeu que, aos 17 anos, você se casaria com o filho do chefe. Lucas. Assim, os laços entre as famílias seriam eternos. Lucas herdaria a liderança.   Senti as pernas falharem. Me sentei na beirada da cama, tonta. — Casar? Como assim... casar? — Era a condição. Mas Lucas morreu, junto com a mãe e o irmão, num acidente de carro. Só que havia uma cláusula... — Que cláusula? — Se o herdeiro morresse, o chefe teria o direito de escolher um novo sucessor. E ele escolheu. Um homem chamado Condor. Ele é o novo chefe do Morro da Providência. — E eu? — Você será a esposa dele.   Meus olhos arderam. As lágrimas caíram pesadas. — Mãe... eu não quero... — Se a gente quebrar o pacto, morremos todos. Seu pai cometeu um erro grave. Pegou dinheiro das firmas laranjas e perdeu tudo em jogo. Milhões. O chefe cobriu a dívida. Agora ele quer pagamento em carne.   Engasguei com o próprio choro. Me joguei no chão. — Eu sou o pagamento? Eu?! Como se eu fosse um animal, uma moeda de troca?! — Eu sinto muito... — Você devia ter impedido isso! — Eu tentei... mas... — Mas o quê?! A senhora também fez esse pacto?!   Ela desviou os olhos. Abaixou a cabeça. Silêncio. — Mãe?!   Ela assentiu, quase sussurrando: — Eu também jurei.   Senti meu mundo desabar. Ajoelhada no chão, abracei meus próprios joelhos. Chorei como nunca tinha chorado. Um grito engasgado veio do meu peito. Meus sonhos, meus planos... todos arruinados por um pacto sujo. — Eu nunca amei ninguém, mãe. Nunca beijei. Nunca senti borboletas na barriga. Eu ia fazer enfermagem. Eu ia ajudar pessoas. Agora vou ser esposa de um monstro?! — Dizem que ele é cruel... mas justo. — Eu não quero saber! Eu não quero isso!   Ouvi passos pesados subindo a escada. Meu corpo inteiro congelou. A porta se abriu com violência. Meu pai. — O que é esse choro todo?! Já tá sabendo, né?   Fiquei muda. Ele olhou pra minha mãe. — Falou, né, sua linguaruda?!   Veio pra cima de mim. Me puxou pelo braço com força. Eu tentei me soltar, mas ele me deu um tapa no rosto que me fez cair. — É pra seu bem, sua ingrata! Tu acha que tem escolha?! Quer ver todos morrerem, é isso?! —Eu sou sua filha! — E filha que desobedece não é nada!   Ele me chutou na costela. Senti a dor atravessar o peito. Tentei não gritar, mas as lágrimas caíam. Ele me puxou pelo cabelo, me forçou a encará-lo. — Você vai casar com o homem que o chefe escolheu, entendeu?   Balancei a cabeça, tentando me soltar. Minha mãe gritava: — Para, por favor! Você vai machucar ela! — Machucar?! Ela precisa é aprender!   Ele soltou meu cabelo, me deu mais um tapa e saiu, batendo a porta com tanta força que o espelho trincou.   Fiquei no chão, sem ar, com a dor latejando nas costelas e no rosto. Minha mãe ajoelhou ao meu lado, me abraçando, chorando comigo. — Me perdoa, filha... me perdoa... — Eu não quero... mãe... eu não quero... — Eu sei, meu amor. Eu sei.   Passei o resto do dia trancada. Cobri os hematomas com roupas largas. Nem tive coragem de olhar no espelho. A dor do corpo não era nada comparada ao que senti por dentro.   O que fizeram comigo... não tem perdão.   E o pior?   O pior ainda está por vir.
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