Ana Júlia Alencar ❦.
No momento, eu esperava o elevador privativo do prédio de Rubens abrir as portas. E assim que isso aconteceu, senti a dor dominar todo o meu corpo. Eu estava vindo aqui há alguns dias apenas para alimentar a cobra dele, uma píton-real, e ir embora.
Eu ainda tinha no coração a esperança de que ele voltaria. Mas agora... o sol batia em todos os móveis da cozinha, e eu sentia o quanto essa casa estava vazia e fria. Não é possível que tudo o que sonhei tenha acabado.
Não demorei tanto tempo para tê-lo ao meu lado para perdê-lo assim. Subia as escadas sentindo minha mente pesar, e, no instante em que levantei a mão até a maçaneta, vi-a tremer.
— Gumball, oi, cara... desculpa ter demorado tanto pra vir te alimentar dessa vez. Eu... — estou exausta — estava ocupada.
Assim que terminei de alimentar a cobra e limpar tudo o que precisava, me arrastei até a cama dele e tomei três comprimidos para dormir. Eu precisava dormir, nem que fosse de forma forçada. As coisas vão ficar feias.
Amigos, família... conhecidos. Todos nós vamos mörrer. Em uma guerra, pode-se sair vitorioso, mas a vitória sempre custa caro.
— Tão caro... — sussurrei, deixando o choro me dominar enquanto agarrava os lençóis e os cheirava de forma insana.
Geralmente, não perdia o controle no meu quarto ou na sede. Lá, quase sempre estava bebendo ou trabalhando. Deixava para desmoronar aqui. Deitada nessa cama, eu sempre chorava até não aguentar mais.
Foi aqui, chorando, que passei o Ano Novo. E, por mim, poderia continuar deitada e mörrer. Isso dói. A dor era tamanha que eu conseguia sentir dor física por todo o meu corpo. Eles precisam enviar alguma coisa dele. Uma mecha de cabelo, qualquer coisa.
— Ele está vivo... — disse em meio ao desespero do sono. — Não há provas da mōrte, não vamos receber nada. Ele está vivo... Ele est...
Sentia o sono começar a me dominar, e minha voz virar um sussurro, mas continuei repetindo para mim mesma que ele estava vivo. Meu floco de neve precisava. Eu preciso dele.
Preciso de Rubens Erdoğan mais do que é necessário precisar de ar. Chega a beirar a loucura humana o quanto a falta dele me machucava. Se ele estivesse mōrto, eu iria junto. Parte de mim iria junto. Ou parte de mim já se foi...
Quebrei as costelas do cadáver daquela mulher como se quebra uma parede. Arranquei o coração dela com tanto ódio dentro de mim que não me reconheci. Eu não me reconheço mais. Queria que essa dor passasse, pois a última vez que estive com ele, estávamos brigados. A minha última lembrança dele não pode ser essa.
Rubens Erdoğan ☠.
Sentia o vento bater no meu rosto como navalha. O ar gelado parecia que ia me consumir. O ronco da minha moto nova ecoava por toda a avenida, considerando que havia apenas eu nas ruas - eram três da manhã e metade do mundo estava dormindo.
Era assim que eu entrava no meu apartamento agora: como um maldįtos bandido na suíte que é minha desde criança. Eu não poderia ser visto por câmeras, considerando que minha família ainda poderia ter acesso a elas.
O contrato feito com os Rossi foi simples: eles ficariam afastados de Ana, não a tocariam enquanto eu estivesse ao lado deles. Mas, para isso, eu precisava abandonar um lado. Alessandro Rossi me chamou em sua sala depois daquele vídeo, e a ordem foi uma...
"Me entregue todos da Elite, e eu dou minha palavra que pouparei a vida dela."
Era um absurdo acreditar nisso. Foi ela, Alencar, quem deixou nítido no vídeo que måtou a irmã de Rossi. Ele não poderia simplesmente engolir isso e deixar Ana viva. Eu não conseguia entender. Ele queria simplesmente destruir Makyson por causa de uma mulher... Isso era um absurdo.
Você está traindo sua família por uma mulher.
Minha consciência fazia questão de martelar isso na minha mente, e isso me fazia acelerar ainda mais a moto. Eu estava enlouquecendo. Não conseguia dormir - sempre que tentava, a via mōrta. Então é isso: eu prefiro ser um traidor do que vê-la mōrta.
Assim que parei em frente ao meu prédio, fiz questão de entrar pela porta dos fundos, usando minha digital para acessar o edifício. Não demorou até eu estar dentro do elevador privativo. E, finalmente, pude respirar aliviado. Preferia tomar banho aqui e passar um tempo - nem que fosse só a madrugada. Aqui era melhor. Aqui, conseguia me sentir mais calmo.
No momento em que a porta do elevador abriu, senti minha mente desligar. Suspirei, largando o capacete sobre a bancada da cozinha. Acendi as luzes e tirei os sapatos. Enquanto subia as escadas, abri o zíper do moletom. O tecido ainda me incomodava, e eu desejava que existisse uma cura milagrosa para esse maldįtos ferimento.
Joguei a camisa no corredor e, no instante em que puxei a porta do meu quarto, senti meu coração acelerar de um jeito surreal. Meus pés recuaram três passos enquanto meus olhos piscavam, incrédulos. Reconheceria aqueles cachos cor de fogo em qualquer lugar, mesmo na escuridão. Ana Júlia Alencar estava deitada na minha cama.
Ou melhor, encolhida nela. Alencar estava em posição fetal, mas com o rosto completamente visível. Eu deveria ir embora. Preciso virar as costas e sair. Se ela me ver, vai querer resolver tudo. E ninguém ali sabia o quão fodida estava a sede - havia mais infiltrados do que aliados. Pessoas que estavam conosco há anos!
Sentindo meu coração quase saltar do peito, coloquei o pé direito no quarto e, de repente, uma dor inimaginável atingiu o lado esquerdo do meu peito. Levei a mão até lá, sentindo como se alguém estivesse esmagando meu coração com as próprias mãos.
No instante em que me aproximei da cama, o pequeno abajur iluminava seu rosto. Seus olhos estavam tão fundos que era possível ver as olheiras mesmo fechados. Sentindo minhas mãos trêmulas, passei os dedos sobre as pequenas mechas dos cachos vermelhos que cobriam metade de seu rosto. Quando olhei em volta, procurando algo para cobri-la, notei o frasco de um remédio e franzi o cenho.
— Ana... — sussurrei, pegando o frasco e lendo o rótulo. —Amor, anjos como você não podem voar para o infęrno comigo. Preciso que você comece a reagir. Me esquece... vai voar. Não era isso o que você queria?
Falei num sussurro dolorido demais até para os meus ouvidos. E, no momento em que pisquei, senti a primeira lágrima cair dos meus olhos. Eu não chorei durante os cinco meses de tortūra. Na verdade, não choro desde os cinco anos. Mas agora... elas, as lágrimas, simplesmente saíam.
— Ana... — comecei a sentir o ar abandonar meus pulmões. Minhas mãos tremiam. Eu não consigo respirar... eu não consigo...
Como se estivesse perdido, comecei a recuar, fugindo. Não conseguia desviar os olhos dela, mas também não conseguia permanecer ali. Depois de um ano, eu não posso abraçá-la. Vê-la naquele estado... Alencar estava emagrecendo, tomando remédios para dormir, e até mesmo seus cabelos pareciam sem brilho.
Senti o primeiro soluço escapar de meus lábios no instante em que pisei no corredor. Corri, peguei minha blusa do chão e desci as escadas o mais rápido que pude. Corria para o elevador como se minha casa estivesse pegando fogo. Apertava o botão repetidamente, como se aquilo fosse me salvar. E, no momento em que a caixa de metal se fechou, eu desabei.
Me sentei no chão do elevador e simplesmente... chorei.
Chorei como uma criança. Conseguia ouvir meus soluços, sentir minha respiração completamente irregular. Eu não conseguia me acalmar. Minhas mãos tremiam tanto que achei que estava prestes a mörrer. O ar não circulava. Eu... eu não conseguia respirar.
— Haaa!! — gritei dentro da caixa de metal. E só então senti o ar voltar aos meus pulmões. Gritei novamente e, sem pensar, me coloquei de joelhos, socando o chão de metal.
Eu a quero.
Quero voltar lá e abraçá-la. Quero beijá-la. Quero fugir com ela. Quero deitar em seu colo e chorar tudo o que não chorei naquela sala de tortūra. Quero suas mãos fazendo carinho no meu cabelo. Eu a quero de um modo desesperado.