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Allogaj - Livro 2 - O Feiticeiro das Luzes - PARTE I

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2006 - Cesar Bragança era um jovem excelente, filho de pais divorciados, que levava uma vida muito simples e tranquila, até descobrir que possuía magia das luzes dentro de si. Sua magia foi sentida por uma jovem que o convidou para participar de um g***o de poderosas feiticeiras com o intuito de formarem uma resistência contra os feiticeiros das trevas e destronarem a atual rainha tenecae para devolverem à Usurpadora Rainha Zadahtric. Cesar passou a conviver no mundo mágico e essa experiência o mudou de uma forma significante, principalmente ao saber que não era um feiticeiro comum, mas sim, um Allogaj.

"Nem sempre ser das luzes é ser do bem."

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Capítulo 1
Rio de Janeiro - 01 / Janeiro / 2006 Era o fim do mundo para Cesar ter acordado cedo em pleno ano novo, ainda mais porque o primeiro dia do ano amanheceu em um domingo, ele foi dormir depois dos fogos de artifício, estava com os seus amigos para apenas comemorar o Réveillon e pretendia dormir para acordar bem tarde. Preferiu não sair para curtir a noitada, para beber e rir, apesar de ser um rapaz muito amistoso e sociável. Naquele dia não se sentiu muito bem, sentiu que precisava de uma boa madrugada de sono. Cesar não consumia bebida alcoólica, não usava nenhum tipo de d***a ilícita, não procurava prostitutas para satisfazer os seus desejos libidinosos como faziam os seus companheiros, porque crescera num ambiente religioso, ou seja, foi bastante influenciado a não entrar nesse estilo de vida para não dar "desgosto" à família. A sua mãe era católica, o seu pai era evangélico e os seus falecidos avós, maternos e paternos, eram do candomblé. Ele era um rapaz bem simples, n***o, cabelos crespos e muito bem arrumados por ser vaidoso, olhos das cores do girassol, lábios fartos e avermelhados, músculos definidos, porém, delgados, dono dos dentes mais brancos e perfeitos que alguém já viu. Era muito bonito. Cansava de ouvir isso das meninas cariocas: "Eita, baiano lindo da zorra!", mas tinha uma namorada que morava na sua cidade natal e nunca se permitiu "traí-la". Aos dezessete anos deixou a namorada e os seus outros irmãos com o seu pai, divorciado, na capital da Bahia para tentar a carreira como jogador de futebol no Rio de Janeiro, mas nada ocorreu como o planejado, acabou indo trabalhar numa fábrica de imóveis. Passou a morar na casa da tia de um amigo que, a propósito, o amou como se fosse da família. Ele queria ajudar na renda da casa mesmo ainda a matriarca certificá-lo de que não era necessário. Apesar de as festas de Ano Novo terem deixado a cidade acesa por vinte e quatro horas, os seus barulhos não incomodaram o sono do garoto em seu quarto. Infelizmente, ele fora despertado pelo próprio sonho qual o deixou bastante intrigado. Ele se levantou e sentou-se na beira da sua cama apenas de roupa íntima e meias, olhou para o relógio redondo na parede que marcava às exatas sete horas da manhã, foi para o banheiro escovar os dentes, mas antes teve que colocar os óculos porque não enxergava bem de perto e admirou-se pelo reflexo do espelho por uns instantes. Nunca se sentiu tão radiante em toda a sua vida. O baiano estava sozinho na casa onde morava de favor, acomodou-se no sofá da sala, ligou a televisão e tomou o seu café da manhã tranquilamente. Lá habitavam quatro pessoas, contando com ele: o seu amigo, a tia do amigo e a prima, filha da tia. Tia Dulce, como a chamavam, era uma mulher branca, viúva, de cinquenta e três anos e os seus cabelos eram completamente grisalhos, não tinha todos os dentes na boca por isso usava uma prótese dentária que retirava sempre antes de dormir e a colocava num pote de vidro com água, a sua filha era a Eliana, uma mulher solteira de trinta anos que trabalhava numa loja de calçados e vivia a tingir os cabelos de preto porque a genética fizera as suas madeixas ficarem brancas mais cedo e essa pintura não a deixava bonita como ela desejava, pois, realçava a sua pele pálida e as suas olheiras. O sobrinho de Tia Dulce, que era o amigo de Cesar, se chamava Gustavo, tinha vinte e quatro anos e morria de esperar que chegasse logo os vinte e cinco, era bronzeado, tinha na cabeça cachos castanhos e queimados o que tornava as pontas loiras, gostava de surfar, e conhecia o Cesar desde criança — pois, eram vizinhos —, desde quando morava em Salvador com o pai, mas o homem foi preso por algum motivo e pediu à irmã que cuidasse do seu filho. Cesar tentou de todas as maneiras se tornar um jogador de futebol, mas o destino não foi tão generoso com ele e depois de, praticamente, dois anos, sentiu um d****o enorme de voltar para casa e tentar recomeçar com os seus projetos de vida. Queria fazer isso perto da sua família que tanto amava e comprou uma passagem de volta para a Bahia para a semana seguinte. Em quatro meses faria aniversário de dezenove anos, precisava estar perto dos parentes de sangue. *** Não passava nada de interessante na TV, Cesar mudava de canal a canal até ser interrompido por Gustavo que entrou na casa de supetão. Estava completamente desarrumado, cabelos bagunçados, gravata de lado, boca e rosto com marcas de batom e feição totalmente decadente, como se estivesse de ressaca, pois, consumiu bebida alcoólica por muitas horas. — Oxente! — exclamou Cesar. — Chegou cedo, hein! Achei que só iria voltar amanhã — brincou. — Deus é mais — disse Gustavo a jogar os seus sapatos em qualquer canto da casa e deixar o seu corpo repousar abruptamente ao lado de Cesar no sofá. — Eu não consegui dormir nem um minuto. Cesar, Manuela só conhecia gente rica. Sabe o que é beber? Eu bebi demais, todo tipo de bebida e vomitei a madrugada toda — ele se referia a uma das festas de Ano Novo que participou acompanhado pela sua melhor amiga na cidade. — Tinha tanta mulher. Eu nem lembro mais o que foi que eu fiz depois do décimo copo. — Sim, mas vá logo tomar um banho, depois você me conta o resto da história. Se a Tia Dulce te pegar assim no sofá dela não vai dar nada que preste. — Sai daí, rapaz, eu vou é dormir — Gustavo rastejou-se dramaticamente para o seu quarto. — Hã, hã! Porco — exclamou Cesar, Gustavo mostrou-lhe o dedo médio e o fez rir disso. *** Gustavo acordou bem no horário do almoço, óbvio que ele tomou um banho antes de ir juntar-se ao restante do pessoal. A Manuela havia sido convidada para participar do dia de Ação de Graças que a Tia Dulce fizera, também convidou um casal de jovens da igreja qual frequentava há três anos. A tia era uma mulher comum, pacata, mas a convivência com os meninos na sua casa fê-la apreciar a presença das pessoas mais jovens que ela. Eliana não era muito de falar, tinha uma baixa autoestima o que a tornou uma mulher muito tímida. Os dois jovens cristãos eram a Eduarda e o Calebe. Infelizmente, os únicos disponíveis naquele dia que confirmaram a presença. O menino era solista do coral e a menina fazia parte do Ministério de Dança. Ambos afeiçoaram-se bastante aos rapazes — na verdade, todos os jovens gostavam deles — quais a Tia Dulce levava todo domingo para a igreja, queria tanto que fossem membros, mas nunca tiveram interesse em participar de qualquer g***o religioso. Gustavo e Manuela conversaram muito sobre como as festas foram divertidas, contaram sobre alguns momentos engraçados, momentos de felicidade, falaram sobre como aproveitaram o dia. De uma conversa para outra, Tia Dulce, Eduarda e Calebe falaram sobre a virada de ano na igreja e de como foi prazeroso louvar ao Senhor em um dia tão especial. Também relataram momentos jocosos o que fez todos rirem, e por fim, o café da manhã abençoado na residência dos pastores. Manuela era espírita devido a criação dos pais, não compartilhava das mesmas experiências religiosas, no entanto, o respeito era mútuo entre eles. Os únicos que não disseram nada foram Cesar, que era o mais loquaz entre eles, e Eliana. O rapaz percebeu como Eduarda, a jovem cristã, olhava para ele em toda a oportunidade que tinha quando não focavam nela. Ele sabia que ela era apaixonada por ele, mas naquele dia ela estava demais, até mesmo o Calebe havia comentado sobre o seu comportamento peculiar e ela deu uma resposta satisfatória para que ninguém mais se enchesse de curiosidade: "Estou extremamente feliz hoje." — E então, Cesar, como foi o seu Ano Novo? — perguntou Gustavo para importuná-lo, pois, sabia que ele foi embora antes que a verdadeira curtição começasse. — Também quero saber, meu bem — falou Manuela. — Você foi embora depois dos fogos de artifício. Estava mesmo se sentindo m*l, ou foi se encontrar com alguém em especial e não quer que ninguém saiba? Cesar sorriu pelas perguntas dos amigos que perceberam que ele estava muito quieto e queriam provocá-lo para que ele interagisse naquele momento caloroso de conversação. Cesar também percebeu que a pergunta de Manuela fez com que a Eduarda hesitasse. Se ele realmente tivesse ido se encontrar com alguém em especial, qual seria a reação dela? Cesar olhou para os amigos de soslaio e respondeu: — Não, seus malucos, eu só queria mesmo ficar sozinho, assistir, dormir, essas coisas normais que vocês não fazem há muito tempo. Só fazem beber e beber, parecem até carros, movidos a líquido inflamável. — Graças a Deus, meu filho — comentou Tia Dulce. — São as minhas orações fazendo efeito — o pessoal deu risadas. — Pode pegar o bolo na mesa da cozinha para a gente? — pediu a tia. Cesar acatou o pedido e recolheu os pratos e talheres da mesa de jantar, Eduarda ofereceu-se para ajudar. Quando ambos chegaram à cozinha, colocaram os pratos na pia e pegaram outros limpos. — Por que não foi para a igreja me ver? — perguntou Eduarda ao aproveitar que estavam a sós. — Quero dizer, ver o culto, os irmãos, já que não saiu com os outros, só para não ter ficado em casa sozinho — Eduarda esperou que ele realmente não tivesse saído para se encontrar com outra pessoa. Ela tinha as íris dos olhos bem pretas e a pele era avermelhada — fenótipos de uma índia, tinha cabelos tão negros e lisos que deixavam as suas origens tão nítidas quanto a sua beleza. — Não! Eu realmente queria ficar sozinho — ele era tão rodeado de amigos que querer ficar só era uma novidade para os outros. — Até pensei mesmo em ir ver vocês, mas... — Cesar interrompeu-se ao observar que a garota o olhava de uma maneira bastante afetuosa. — O que foi? Por que está me olhando assim? — ele não resistiu em perguntar. Ela arregalou os olhos, mas não demonstrou hesitação ao responder: — Não sei, tem alguma coisa diferente em você. — Tem? Como assim? Ela chegou mais perto e ele quase recuou, porém, não queria transparecer aversão a ela, mas ficou desconcertado. — Ah! Não sei dizer. Os seus olhos, o seu rosto, até o seu cabelo, estão mais bonitos que o natural — ela se aproximou ainda mais. — Tem um brilho que não sei explicar. Eduarda pôs a mão direita sobre a mão esquerda de Cesar. O próximo passo seria o beijo, mas Cesar não permitiu que acontecesse, ele finalmente recuou e pegou o bolo. — Eh... Temos que levar logo a sobremesa. Esse povo quando bebe... Depois fica com uma fome do satanás. Cesar foi na frente e deixou que Eduarda viesse atrás com os pratos limpos. Ele viu que ela ficou triste por ter sido rejeitada, mas ela tinha que entender de uma vez por todas que ele era fiel à namorada e ela como cristã não deveria tê-lo provocado daquela forma e muitas vezes. Mas não a julgava, ele também sentia algo por ela, um sentimento diferente que não deixou evoluir. — Finalmente chegaram — gritou Gustavo. — Que demora para pegar cinco coisas. Estavam se beijando, foi? — Hum! — insinuou Manuela. — Parem com isso, seus pervertidos — brincou Tia Dulce. — Cesar tem uma namorada lá na Bahia e Eduarda namora o Calebe. Ambos os referidos jovens da igreja se engasgaram com a própria saliva. — Que isso, Tia Dulce? — indagou Calebe ao entrar no clima da brincadeira. — Somos somente bons e velhos amigos. — E é com uma boa e velha amizade que se inicia um bom relacionamento — insistia Tia Dulce. — Então Gustavo e Manuela já deveriam estar namorando há muito tempo. — Ai! Que nojo — disse Manuela a fingir ânsia de vômito. — Que loucura é essa, mano? Ela é como se fosse minha irmã — justificou Gustavo a reação da amiga. — Mas vocês realmente fariam um belo casal, viu!? — importunou Cesar. — Ai! Não, não. Para. Vamos comer logo esse bolo — gritou Manuela para cancelarem aquela conversa que na sua mente era absurda. Mais um dia feliz estava dando adeus. Os que não moravam lá se despediram. Depois daquele quase beijo, Eduarda, ao se despedir de Cesar com um abraço, sussurrou um pedido de desculpas no seu ouvido e depois foi embora como se nada tivesse acontecido. Em seguida, a Tia Dulce e a Eliana foram tirar um cochilo enquanto o Cesar foi para o seu quarto e o Gustavo o seguira para contar as suas aventuras do início de dois mil e seis. *** Eram quatro horas da tarde quando Gustavo relatou para Cesar o quanto ele bebeu, dançou e beijou várias garotas, chegou até mesmo a ter intercurso s****l com duas dessas, fazia de tudo para que Cesar participasse daquilo que ele pensava ser divertido, emocionante, e as meninas sempre se interessavam por Cesar em qualquer lugar que eles fossem, mas Cesar preservava-se, amava o pai e valorizava a tudo o quanto ele ensinava a fazer, ou deixar de fazer, até mesmo não fazer. Gustavo não teve a mesma educação que o amigo, então não se podia julgá-lo, ele era jovem e queria aproveitar a sua juventude da maneira qual ele aprendeu, qual a sociedade implantou na própria cultura. — Sabe de uma coisa — comentou Gustavo —, você está muito diferente hoje. Cesar surpreendeu-se com o que o amigo dissera. — Ai! Meu Deus. Como assim, Gustavo? — Sei lá, mano, diferente. — Gustavo fez uma careta. — Não entendi esse espanto. — É que a Eduarda me falou a mesma coisa hoje. Que estranho! — Então você está — reafirmou Gustavo, depois lançou um sorriso malicioso. — Por que vocês demoraram tanto na cozinha? Cesar suspirou e pediu segredo ao amigo. — Olha, ela tentou me beijar. Gustavo deu outro sorriso, de orelha a orelha. — Que crente s****a. E você beijou ela, aquela gostosa? — Não fala assim dela, cara. — Ah! Então beijou. — Óbvio que não, Gustavo. Eu tenho namorada, esqueceu? — Pô, cara! Pega ela logo, ela nem disfarça que tá doida pra te dar. Você acha que a sua namorada já não arranjou outro macho por aí? Se eu fosse você eu pegava. Cesar ficou pensativo. Ele era absolutamente apaixonado pela sua namorada, a conheceu na igreja — talvez ele fosse o tipo de garoto para evangélicas — qual o seu pai frequentava. Ambos se apaixonaram e já tinham três anos juntos. No entanto, o tempo e a distância poderiam provocar coisas que ele desconhecia, era o seu primeiro relacionamento sério e não queria estragar tudo, confiava na namorada, mas não confiava em si próprio. Teve muita v*****e de beijar a Eduarda, ou de pegar todas as meninas que deram em cima dele, ou de sair com os amigos e pagar prostitutas, mas estava resistindo para não "perder os valores". Antes das cinco horas ele teve sono, pois, havia dormido tarde e acordado cedo. Gustavo percebeu o quanto ele tosquenejava e o deixou em paz, foi jogar Pro Evolution Soccer 4 no seu PlayStation 2. Cesar caiu em um sono profundo e teve outro sonho estranho... *** Estava parado diante da fachada de uma loja por nome fantasia Vehra Magic Shop, desconhecia o ambiente, o lugar, a loja. Não conhecia absolutamente nada. Ele raciocinou, pela fachada, que naquele estabelecimento vendia-se objetos relacionados às artes mágicas. Nunca se imaginou dentro de um recinto desse tipo. Ao observar o céu, a rua, percebeu que o tom azulado era totalmente anormal, como um efeito de computador. Ao piscar os olhos, ele se encontrou dentro da loja que também estava em efeito azulado. Muito estranho. Realmente o negócio se tratava de venda de objetos para práticas de magia. Cesar queria se surpreender, mas não conseguia se expressar direito, quase desprovido de emoções. Lá dentro ele pôde ouvir ecoar um som como de pessoas a cantar: "Parabéns pra você, nesta data querida..." Era a comemoração do aniversário de alguém. O som se propagava a partir do primeiro andar. Ele levantou a cabeça a olhar para o teto e piscou os olhos outra vez, já estava numa cozinha onde havia seis pessoas fumegantes. Quatro delas transpiravam uma fumaça preta atrás dos próprios corpos, como uma aura, enquanto as outras duas transpiravam uma fumaça vermelha. O que mais chamou atenção de Cesar naquela cena foi que a, provavelmente, aniversariante, uma garota branca de olhos azuis e cabelos pretos com franjas, estava com uma barriga saliente e era a que mais fumegava, de uma maneira descomunal, a sua mão direita até ao antebraço estava completamente enegrecida, como se ela estivesse mergulhado o braço num balde de tinta e deixado algumas gotas escorrerem. Também, do seu ventre pulsava uma energia sombria, como se ela estivesse a gerar algo muito poderoso, porém, aberrante. "Que d***o é isso?" Pensou Cesar aterrado, mas sua voz ecoou duplicada e distante. Contudo, algo mais enigmático aconteceu, a garota loira que comemorava com bastante entusiasmo ficou séria, olhou para a direção dele e perguntou bem alto: "Quem está aí?" Cesar arregalou os olhos e sentiu uma força o puxar de volta até cair em cima do próprio corpo e acordar ofegante. *** Cesar levantou-se da cama às pressas e foi diretamente para a cozinha para beber água. Ficou com a garganta seca. — Cesar, o que foi? — perguntou Tia Dulce que estava na sala a pentear os cabelos, a televisão estava ligada. — Teve um pesadelo? — Não foi nada, tia — respondeu o rapaz, depois foi para a sala juntar-se a ela. — Eu tive um sonho muito estranho, na verdade. — Ao que pareceu, foi um pesadelo. Mas conta aí para a tia, o que foi que lhe assustou? — o modo como Cesar relatou o sonho gerou uma fração de assombro na Tia Dulce. — Eu, hein! Se eu fosse você, parava de assistir tantos filmes de terror. — Ai! Sei lá. O sonho parecia muito real, tia. — Só foi um sonho, meu querido — Tia Dulce levantou-se para ir à cozinha e antes o concedeu um beijo afável na fronte. — Venha que vou preparar um café especial para você. Semana que vem você não estará mais aqui com a gente, vai fazer muita falta. Cesar a seguiu até a pequena cozinha e acomodou-se em uma das cadeiras, uma delas estava com o assento quebrado, mas continuava ali para não deixar um número impar, muitas pessoas já caíram no chão ao sentarem-se nela, nesse caso, já sabiam que era a da ponta, de frente para a geladeira. — Tia, a senhora está me achando diferente hoje? Tia Dulce parou com a faca e o queijo nas mãos e olhou fixamente para o rapaz, um tanto preocupada. — Cesar, meu filho. Me diga que você não está se envolvendo com os meninos do tráfico? — O quê? — Cesar ficou surpreso com aquela pergunta e deu risadas para dissipar o clima de tensão que estava prestes a se formar. — Não, tia, jamais. — Ah! — aliviou-se a mulher. — Meu filho, graças a Deus — ela voltou a fazer o sanduíche do rapaz. — Eu percebi mesmo uma coisa diferente em você, mas não comentei nada porque fiquei com medo de ter sido isso. "Cada um diz uma coisa diferente" pensou Cesar. — Não, tia, nunca faria isso. — É sempre assim que começa, a pessoa fica diferente por se envolver pela primeira vez e descobrir um mundo qual desconhecia, depois pega gosto, se acostuma, ganha muito dinheiro, se envolve ainda mais e passa a pisar em ovos porque qualquer deslise pode levá-la para a morte, mas, antes que você pergunte, você está diferente de um jeito bom, porém, suspeito. — Era isso que eu queria saber. Por quê? Não aconteceu nada de especial comigo o não ser o meu primeiro sonho de dois mil e seis. — Lá vai. O que você sonhou? — Foi um sonho pequeno, porém, muito estranho e cheio de detalhes, parecia que jamais iria acabar até eu acordar: Eu estava no espaço, sabe, Via Lactea, fora da Terra, e uma nuvem cheia de ** dourado vinha em minha direção, era a nuvem mais bonita que eu já vi, ela me atingiu bem no coração e foi me tomando até eu me transformar na própria nuvem, aos poucos fui voltando ao normal e acordei. — Que bonito, parece coisa de Deus. Esse comentário da Tia Dulce deixou o Cesar um pouco frustrado. Aquele sonho mexeu com ele, sentiu que tudo aquilo aconteceu de verdade e queria uma resposta que fizesse sentido. O chato de conversar com pessoas muito religiosas era que elas associavam tudo com a própria religião. Depois de ter preparado algo para Cesar comer, a Tia Dulce se aprontou para ir à igreja, como era domingo poderia ter pedido aos outros que fossem com ela, no entanto, era Ano Novo e decidiu deixá-los aproveitar o tempo para ficarem em casa, ou ver uns amigos, ou tanto faz, para não parecer uma mulher fanática. De qualquer maneira, o culto seria rápido e simples, provavelmente nem todos os membros estariam presentes no templo. Cesar sentou-se no sofá de frente para a TV, há muito tempo que não assistia o Domingão do Faustão. Depois mudou de canal para assistir aos programas do SBT. Nesse instante, Eliana apareceu na sala a chamar pela sua mãe. — Ela foi para a igreja — informou Cesar com os olhos fixados na televisão. — Oh, Deus! Por que ela não me acordou? — Ela disse que o culto seria rápido. — Mesmo assim, eu teria ido com ela. O que a Eliana acabara de dizer mexeu um pouco com o Cesar. Ele entendeu que não era para ter deixado ela sair sozinha pela noite, mesmo que estivesse a ir para a igreja e a estar acompanhada por alguns irmãos. O bairro qual eles moravam não era tão perigoso como os outros, mas não deixava de ser. Cesar levantou-se do sofá, não esperou Eliana dizer mais nada, e calçou os seus sapatos. — Eu vou encontrar ela no caminho. Eliana expressou a sua gratidão. Ela não queria tirá-lo do seu momento de conforto, mas a preocupação com a mãe falou mais alto. Também poderia ter ido no lugar dele, no entanto, havia acordado naquele momento e Cesar já estava pronto para sair, apesar de não ter saído de casa desde que acordou. Cesar desceu às escadas, fechou o portão e saiu pelas ruas m*l iluminadas ao encontro da sua tia que sempre vinha pelo mesmo caminho. Por onde passava, encontrava algumas pessoas conhecidas, saudava com um "boa noite" ou "tudo bem", mas continuava a seguir na trajetória. Conhecia muitas pessoas e não podia parar para conversar, pelo menos naquele dia estavam quase todos em suas casas, ou em outros lugares. De longe, Cesar pôde avistar a sua tia acompanhada apenas por duas irmãs que despediram-se dela e dobraram à esquina. Ficou sozinha. Não estavam tão longe de casa, na verdade, o costume fez com que não percebessem a longitude. Tia Dulce muito alegrou-se ao ver o Cesar, porém, de repente, um fortuito aconteceu. Bem distante, um carro preto, Volkswagen Gol Power, apareceu na esquina numa velocidade extraordinária e bem à sua cola estava o carro de policiais federais. Era uma fuga. A pior parte foi que quem estava no Gol trocava tiros com a polícia, e havia apenas duas pessoas naquele pedaço inóspito de rua. — Oh, meu Deus — gritou Cesar, ele não pensou duas vezes e correu o mais depressa possível para perto da sua tia. — Tia, sai daí, se abaixa — berrou para a ela, mas ela ficou imóvel e abalada. O carro aproximava-se e os tiros não cessavam. Cesar não podia fazer nada a não ser gritar e correr. O desespero tomou conta, ele não podia competir velocidade contra os carros. Contudo, algo surpreendente aconteceu. Num piscar de olhos, Cesar sentiu o seu corpo mais leve e de um salto ele já estava próximo à tia, antes que o carro preto a atingisse com força, ele a abraçou e sentiu aquela leveza novamente, dessa vez, conseguiu perceber tudo. Uma fumaça densa e vermelha os envolveu, tinha um aspecto como de gotas de tinta a se expandirem na água limpa. De fato, ele se sentiu debaixo d'água, e quando sentiu o chão, a gravidade, a fumaça esmaeceu e agora estavam sentados numa calçada desabitada, de frente para um posto médico local, porém, Tia Dulce estava desacordada. Não havia mais carros, nem polícia, nem tiros, mas o desespero não havia sumido. Cesar olhava para todos os lados sem entender o que havia acontecido. — Meu Deus, o que está acontecendo? — ele ficou nitidamente assustado. Ergueu-se e fez uma maior força para carregar a tia no colo e levá-la para dentro do posto médico. — Socorro! — exclamou Cesar. — Me ajudem por favor — ele entrou no estabelecimento e duas mulheres negras e fardadas correram para socorrê-los, provavelmente eram enfermeiras. — Mário, traz uma maca aqui, depressa — pediu uma delas. — O que houve, jovem? — perguntou a outra a examinar a mulher desacordada que, mesmo assim, não largou a Bíblia. — Ela está ferida? Sofreu algum acidente? — Eu não sei — respondeu Cesar aos prantos. — Não sei o que aconteceu. A gente estava na rua, no meio de um tiroteio e eu corri para pegar ela, de repente a gente apareceu aqui e ela ficou assim. — O quê? — indagou a mulher, nesse exato momento, o funcionário chamado Mário apareceu com a maca e deitaram-na sobre ela, depois a levaram dali. — Olha, fica calmo, beba uma água e aguarde um instante que vamos examinar ela para ver se não sofreu nada. Fique tranquilo, vamos fazer de tudo para que ela fique bem — apaziguou a mulher. *** Cesar era a única pessoa sentada no banco de espera do posto médico. Ele fez uma ligação dali mesmo para o número residencial e relatou aos outros familiares o ocorrido, eles se apressaram para chegarem lá. A enfermeira perguntou se Cesar tinha algum documento em mãos, sorte a Tia Dulce levar dentro da Bíblia uma xerox da sua Carteira de Identidade. Em minutos entraram Eliana e Gustavo na recepção. Estavam desesperados a procurar por Tia Dulce, mas Cesar os tranquilizou ao relatar que ela estava bem, não sofreu nada, apenas teve uma queda de pressão devido ao choque do evento e desmaiou. Cesar não teve coragem de contar a eles que a enfermeira julgou muito estranha a informação que deu sobre o que aconteceu antes e ele nem se atreveu a narrar a parte da fumaça vermelha. Como é que eles estavam na rua no momento do tiroteio e em segundos chegaram lá, sendo que demoraria no máximo uns vinte minutos de percurso? Nem ele próprio sabia responder aquilo. Não demorou quase nada, quando Tia Dulce apareceu na recepção firme e forte como sempre fora. Recebeu alta com uma receita para controlar a hipotensão arterial. Abraçaram-na e beijaram-na. Estavam muito contentes por tudo não ter passado de um susto. Antes de irem embora, Cesar pediu que aguardassem-no do lado de fora, ele tinha um assunto pendente com a enfermeira que o atendeu no início. — E então, pode me ajudar a entender o que aconteceu? — Olhe — respondeu a enfermeira, que a propósito, chamava-se Géssica —, é muito comum acontecer isso. Você ficou em choque por ter presenciado tudo aquilo, ainda mais com a sua tia em perigo, e quando ela desmaiou, você a carregou no colo e a trouxe até aqui. Quando a pior parte passou, e que o socorro estava a caminho, você permitiu que o seu cérebro raciocinasse corretamente. Como estava na cegueira de prestar um socorro imediato para a sua tia, o seu cérebro travou, não permitiu que você percebesse o seu puro instinto. Isso é normal, não crie paranoias. Nós sempre estamos fazendo coisas que não nos lembramos depois — foi a forma como a enfermeira pôde explicar para o rapaz, contudo, ignorou a parte qual o tempo de percurso não concordou com o tempo em que chegaram lá. Talvez estivessem enganando-se a si próprios, ou não.

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