A rosa e o chamado

754 Words
O castelo de Velmora dormia sob um céu sem estrelas. As torres de mármore branco pareciam tocar o vazio, e os jardins reais, outrora repletos de música e perfume, agora exalavam silêncio. Lysandra caminhava sozinha entre as roseiras, os pés descalços tocando a terra fria. Era madrugada, e o mundo parecia suspenso entre o sonho e o esquecimento. Ela não dormia há dias. Desde que o mar começara a cantar. Não era um som comum — não o murmúrio das ondas ou o grito das gaivotas. Era um lamento. Um sussurro que se infiltrava em seus pensamentos, que a chamava pelo nome com uma voz que ela não reconhecia, mas que parecia... íntima. _"Lysandra..."_ Ela parou diante da fonte de pedra, onde a água jorrava com lentidão. Olhou seu reflexo e viu algo estranho: os olhos estavam mais escuros, como se o mar tivesse deixado marcas em sua alma. — Isso é loucura — disse a si mesma. — Ele se foi. Foi banido. n******e me alcançar. Mas o nome dele ainda vivia nos corredores do castelo. Alaric. O corsário que ousou amá-la. O homem que ofereceu uma rosa n***a em meio ao baile, como se o amor fosse uma guerra que ele pudesse vencer. Ela se lembrava do olhar dele. Intenso. Faminto. E da dor que viu quando o rejeitou. Não por crueldade, mas por dever. Ela era a filha do rei. Ele, um servo do mar. Mas agora, algo estava errado. As ondas batiam com fúria contra os muros da cidade costeira. Pescadores falavam de navios fantasmas. Crianças sonhavam com coroas de espinhos. E Lysandra... sonhava com ele. Naquela noite, ela decidiu descer até os arquivos secretos do castelo. Entre pergaminhos e livros esquecidos, encontrou um tomo antigo, coberto de sal e mofo. Chamava-se *Cânticos do Abismo*. Folheou com mãos trêmulas. Ali estavam descritos pactos antigos, feitos por navegadores desesperados. Homens que deram suas almas ao mar em troca de poder, vingança... ou amor. E então, ela viu. *“Quando o mar canta teu nome, é porque alguém o ensinou a sofrer.”* Lysandra fechou o livro com força. O coração batia como um tambor de guerra. Alaric havia feito um pacto. E agora, o mar chorava por ela. Lysandra fechou o tomo com mãos trêmulas. O silêncio da biblioteca parecia mais pesado agora, como se o próprio castelo estivesse escutando seus pensamentos. Ela olhou para os vitrais cobertos de poeira, onde a luz da lua tentava atravessar sem sucesso. Tudo parecia mais escuro. Mais próximo. Ela se levantou e caminhou até a janela. Lá fora, o mar estava inquieto. As ondas batiam contra os rochedos com uma fúria incomum, e o vento trazia consigo um cheiro de sal e ferrugem. Lysandra sentiu um arrepio subir pela espinha. _"Lysandra..."_ A voz ecoou dentro dela, como se tivesse sido sussurrada por alguém atrás de seu ombro. Ela se virou rapidamente, mas não havia ninguém. Apenas sombras. — Basta — disse, tentando controlar a respiração. — Isso é apenas cansaço. Apenas... lembranças. Mas ela sabia que não era verdade. Desde que Alaric desaparecera no mar, rumores haviam se espalhado. Alguns diziam que ele havia morrido em uma batalha contra corsários rivais. Outros, que havia sido engolido por uma tempestade conjurada por sua própria loucura. Mas os mais antigos — os pescadores, os monges do litoral, os que escutavam o mar como quem escuta um deus, falavam de algo pior. De um homem que havia feito um pacto. De um capitão que navegava com o próprio abismo como tripulação. Lysandra voltou aos seus aposentos, mas não conseguiu dormir. Quando finalmente fechou os olhos, foi arrastada por um sonho que não parecia seu. Ela estava em um navio. O céu era vermelho, e o mar, n***o como tinta. Alaric estava diante dela, com a coroa de espinhos na cabeça e os olhos ardendo como brasas. Ele estendeu a mão. — Eu vim te buscar. Ela tentou recuar, mas seus pés estavam presos ao convés. O mar subia, engolindo tudo. As vozes cantavam. As velas ardiam em chamas azuis. — Você me chamou — disse ele. — Quando me olhou, mesmo que por desprezo. Você me deu um nome. E agora, o mar não te deixará esquecer. Ela acordou com um grito. Servas correram até seu quarto, mas ela as dispensou com um gesto. Caminhou até a varanda e olhou o mar. Lá, no horizonte, uma vela n***a surgia. Pequena, distante, mas inconfundível. O _Espinho do Vento_ estava vindo. E com ele, o lamento.
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