Episódio 1
Valentina
A manhã em que acordei sem metade da minha perna esquerda foi a pior de toda a minha vida, mas não me tirou a vontade de viver. Pelo contrário, sempre fui uma pessoa que desafia a vida para provar que ela não poderá comigo, pelo menos não até eu completar noventa anos.
No entanto, a notícia que meu chefe me dava naquele momento me atravessou a alma e me fez repensar o propósito da minha existência. Eu sabia que Mauricio Santillán não era meu, que nunca seria, mas sua relativa liberdade me dava paz.
Ele ia se casar.
Com alguém que não era eu.
Com uma mulher linda de duas pernas longas e esbeltas.
— Vai se casar. Murmurei, sem desviar o olhar dos olhos dele. — Você vai para a lua de mel por dois meses.
Meu chefe assentiu lentamente e friamente, sem mudar a sua expressão. Se eu não soubesse que a sua personalidade incluía apenas duas emoções — frustração e serenidade —, teria acreditado que o casamento não o agradava. Provavelmente não o agradaria perder semanas de trabalho para se casar e cuidar da esposa, mas eu o tinha visto fazer muitas ligações e escolher um anel lindo para colocar no dedo da agora noiva.
— Sim, Valentina. Espero que durante esses dois meses você consiga se adaptar à forma de trabalhar do meu irmão mais novo.
— Seu irmão. Sussurrei. — Fausto?
— Sim, Fausto. Ele cuidará de tudo, na minha ausência, e espero que você possa guiá-lo para que ele se adapte bem.
— Mas o senhor Fausto é quem menos conhece a empresa. Não era o senhor Eduardo quem...?
— O fato da minha família tratar Fausto como um inútil por ser homossexual não significa que ele o seja. Interrompeu-me com frieza, fulminando-me com o olhar. — Ou você pensa o contrário?
O verde dos olhos dele pareceu ficar ne*gro, e tive que desviar o olhar enquanto ne*gava com a cabeça.
— Não, senhor. O senhor Fausto é uma boa pessoa e muito capaz. Só estava dizendo isso porque o outro irmão dele...
— Pode ir esquecendo que Eduardo pise neste escritório na minha ausência. Interrompeu-me. — Lamento que você tenha se iludido em vão.
Franzi a testa, desconcertada por aquele tom rancoroso na sua voz. Sabia que o irmão do meio não era santo da sua devoção, mas agora destilava ódio.
— Por que eu deveria me iludir com a vinda dele? Atrevi-me a perguntar.
A expressão do meu chefe relaxou um pouco, mas continuava tão fria quanto gelo.
— Por nada, volte para sua mesa.
— De acordo, senhor. Assenti.
Com cuidado, virei-me para a porta e saí a passos lentos. Muitas vezes ninguém notava que eu usava uma prótese, pois eu a cobria com calças e saias e já era boa em disfarçá-la, mas ela estava começando a desgastar e me irritava.
Esperava que a mamãe pudesse aplicar o seu unguento especial em mim e preparar algo gostoso para me ajudar a suportar a dor do meu coração partido.
— Pare. Ordenou o senhor Santillán.
Amaldiçoando em silêncio, virei-me para ele.
— Sim?
Meu chefe levantou-se e eu me senti intimidada. Nos dois anos que estava aqui, ainda não me acostumava com aquele metro e noventa que ele media e que parecia esmagar o meu metro e cinquenta e cinco. Era mais fácil lidar com isso quando ele estava sentado, mas o hamster do meu cérebro parava quando eu o tinha tão perto.
E desta vez ele estava tão perto que eu sentia que ele me atravessaria tanto com o seu corpo musculoso quanto com o seu aroma amadeirado e penetrante.
— Eh... Posso ajudar em mais alguma coisa, senhor Santillán? Perguntei com a voz trêmula, incapaz de sustentar o olhar dele por mais de dois segundos.
— Você irá amanhã ao lugar que eu te indicar. Ele respondeu. — É hora de trocar a prótese. Não suporto te ver mancando.
Valentina
Felizmente, faltava pouco para o fim do meu expediente e consegui segurar as lágrimas até chegar em casa, onde afundei a cabeça no colo da minha mãe, que tentava justificar as palavras cr*uéis do senhor Santillán.
— Filha, mas ele está se oferecendo para pagar a prótese, o que há de errado com isso?
— Ele disse que não suporta me ver mancar! Solucei. — Isso quer dizer que eu dou nojo a ele!
— Talvez ele tenha dito isso porque está preocupado. Murmurou, embora não soasse muito convencida.
Ninguém me faria mudar de ideia. O senhor Santillán sempre foi claro e direto. Não andava com rodeios. Se ele dizia que não suportava me ver mancar, era porque eu arruinava a estética perfeita de seus funcionários: aquelas pessoas elegantes que andavam eretas e vestiam roupas de grife.
Sentei-me, ne*gando com a cabeça e limpando os olhos cheios de rímel.
— Não. Se ele realmente se importasse, teria dito algo como: — Valentina, noto que você está mancando, então vá amanhã ao local que eu indicar para trocar a prótese. Jamais teria dito o que disse.
— Bom, filha, mas você é empregada dele, e você quase não manca ou não se nota tanto. Ela respondeu. — Não leve isso para o lado pessoal. Ele não é seu namorado nem o seu parente. É o seu chefe, e pelo menos ele está cuidando do assunto.
— Pois é, mas…
— Se você sente que foi uma falta de respeito, então denuncie ao Recursos Humanos e pronto. Mas só você sabe se quer que acabem te demitindo.
— Não, não vou denunciá-lo, mas vou fazer com que o café dele fique menos saboroso, que ele não encontre os seus documentos e vou colocar uma senha tão difícil que ele nunca consiga decifrá-la.
— O que está acontecendo? Por que você está chorando, minha princesinha? Perguntou meu irmão ao entrar em casa.
— Sua irmã é uma exagerada. Resmungou mamãe enquanto se levantava.
— Meu chefe disse que não suporta me ver mancar, quer que eu vá colocar outra prótese. Contei com tom dengoso, fazendo beicinho. — É...
— Dê-me o endereço dele! Exclamou Dylan, zangado e estalando os dedos. — Agora mesmo vou fazer com que ele precise de uma prótese... mas dentária.
— Filho, acalma-se. Não dê ideias para sua irmã. Pediu a mamãe.
— Como não vou fazer? Deixou-a como um guaxinim!
— Você é um idi*ota. Solucei. — Genial. Agora eu era um guaxinim bonito sem uma pata. O que mais me faltava? Ficar como um caolha e usar um tapa-olho? Estremeci só de pensar nisso. Era melhor nem sequer considerar essa possibilidade.
— Não, não. Desculpe, desculpe. Desculpou-se Dylan, tentando me abraçar. — Você é um guaxinim muito fofo.
— É melhor você ficar quieto. Resmunguei, deixando-me envolver por seus braços. — Você é a pessoa menos indicada para consolar alguém, e muito menos alguém que perdeu uma perna.
Meu irmão e eu começamos a rir ao mesmo tempo.
— Acompanho você amanhã para buscar essa prótese nova. Prometeu-me ao me soltar. — Posso chegar um pouco tarde. Vou pedir permissão.
— Obrigado. Muito obrigado. Disse, sorrindo. — Eu te amo.
— Mesmo que eu seja um idi*ota?
— Daria a perna que me resta por você, mesmo que você seja um id*iota.
— Eu também daria tudo por você.