Capítulo-II. Rancho
" Em cada coração cabe um rancho de sentimentos, em cada alma um lago de saudades e em cada olhar a raiz viva de um pedido silêncio. " ( Dezalima)
Cícero
Enquanto conversava com Marrynna, ficou evidente que a ruiva estava precisando de grana para comprar a passagem e voltar para sua terra natal, a Alemanha. No fundo, eu desejava que isso acontecesse logo, pois estava prestes a surtar. A mulher não tem a menor noção de organização; é uma verdadeira bagunceira e, para piorar, preguiçosa. Na noite em que preparei os bolinhos de aipim, ela comeu e deixou o prato sujo na pia, sem se dar ao trabalho de lavar. Apenas me desejou boa noite e se jogou no sofá. Fiquei parado, encarando aquele prato solitário, que parecia reinar soberano na pia limpa que eu acabara de deixar em ordem. Olhei para o teto da minha casa, suspirei e segurei o grito que queria soltar para aquela mulher relaxada e desleixada.
Lavei o prato, sequei e guardei. Fui para a cama com a cabeça cheia de pensamentos, me condenando por ter acolhido aquela mulher em minha casa.
"Fui querer ser bonzinho, fazer uma boa ação, e agora estou vendo o que isso dá. O Tonho tem razão quando diz que não ajuda ninguém, porque depois pode se arrepender."
Tonho é um dos amigos que cresceu comigo, jogando bola na rua de terra batida, caçando goiabas no mato ou roubando milho da plantação do Senhor Eustáquio, que Deus o tenha em um bom lugar. Me peguei lembrando das travessuras da infância e sorri sozinho. Ah, que tempos bons que não voltam mais! Hoje, meus amigos, exceto Tomé, estão todos casados e com um filhote no colo. Eu, por outro lado, não tenho nem mulher, nem namorada, nada. Mas adoraria ter um garoto me seguindo por aí, me chamando de pai e me esperando na porta quando eu chegasse do trabalho.
Deixei de lado esses devaneios sobre minha vida e voltei a pensar em como ajudar Marrynna e, de quebra, me livrar da mulher preguiçosa. De repente, uma ideia iluminou minha mente.
"Amanhã cedo, vou passar lá. Se a dona Berenice estiver precisando, vou tentar arranjar uma vaga para a ruiva."
Deitei minha cabeça no travesseiro, ouvindo a sinfonia dos grilos, quase cochilando, quando ouvi batidas na porta. Levantei sonolento. Puxei a maçaneta e, ao abrir, encontrei Marrynna parada na minha frente, com os olhos arregalados.
_ Tem um bicho na sala! – disse ela, tremendo.
Pisquei para espantar o sono.
_ Que bicho?
_ Um bicho enorme! Não vou dormir com ele lá! Vai lá e mata ele!– apontou na direção da sala.
_ Meu Deus!– saí apressado, pensando que poderia ser uma cobra.
Na semana anterior, encontrei uma surucucu aqui dentro e levei um susto danado ao entrar apressado no banheiro. Com a natureza dando gritos de urgência. Quando me dei conta, a cobra estava enrolada atrás da lixeira. É nessas horas que o caboclo sua frio, e a mãe não vê. Subi a calça devagar, me afastei e fui atrás de uma enxada para acabar com a bicha. Mais tarde, descobri que ela havia entrado por uma brecha no telhado, mas não faço ideia de como conseguiu, talvez tenha escorregado de um galho da árvore próxima.
Cheguei na sala, procurando pelo bicho, com a mulher atrás de mim como uma sombra.
_Onde você viu? – perguntei.
_Ali atrás daquele vaso de planta. Por que tem mato dentro de casa?
_ Não é mato, é planta e eu gosto.
_ Nossa! Não basta viver cercada de mato, ainda quer trazer mais mato pra dentro de casa. Isso ocupa espaço, sabia?
_ Sim, e você também ocupa espaço. - respondi de forma ríspida, já estava demais implicar com tudo.
_ Olha lá o bicho! - gritou bem perto do meu ouvido, me fazendo levar um susto, esse danado.
Olhei para a ruiva com reprovação.
_ Precisa gritar? Estou bem aqui, é só falar mais baixo.
_ Mata! - berrou novamente quando uma rã minúscula começou a pular de trás do vaso de plantas.
Parei e observei a mulher, que estava com os olhos arregalados fixos no bichinho.
_ Esse é o bicho?
_ Sim! Olha como ele é enorme e feio!
_ Isso é um filhote de rã, não faz m*l a ninguém.
Abaixei e peguei o pequeno anfíbio nas mãos.
_ Que nojo! Você pegou essa coisa horrenda!
Marrynna pulou para longe, subindo em cima do sofá.
Balancei a cabeça em sinal de desaprovação.
_ Moça, eu moro no campo e a única coisa que realmente me assusta aqui é cobra. Rãs, grilos, gafanhotos, ouriços e tantos outros animais são comuns por aqui.
_ Não suporto insetos.
Olho para a mulher sem saber se dizia que ela é quem é insuportável.
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Acordo com o g**o cantando, são quatro da manhã, troco de roupa, arrumo a minha cama e sigo para o banheiro. Ao pisar na sala meus olhos voam de encontro a mulher encolhida no sofá como se fosse uma crisálida.
Entro no banheiro jogo uma água no rosto, escova os dentes, passo um pente no cabelo, saio para retirar leite das vacas.
Essa passou a ser a minha rotina desde que consegui comprar 15 cabeças de vacas leiteiras.
Saio pela porta da cozinha depois de pegar o balde de retireiro.
Fecho a porta, verificando que preciso cortar um pouco de lenha para poder reabastecer o fogão de linha.
Está um frio dos raios, o vapor da minha respiração sai fazendo uma fumaça.
Calço as botas de borracha e saio caminhando pela trilha sozinho, sendo acompanhado pelo brilho das estrelas.
Fiz o curral bem distante da casa por causa de moscas e do m*l cheiro dos excrementos. Por mais que eu tenha o cuidado de higienizar o curral, sou precavido.
_ Oh, Jeruja, vê se hoje fica queita, sei que você tem cócegas com a corda nas patas, mas é preciso ou você mete o coice.
A vaca muge chamando pelo bezerro.
Começo com os preparo: Lava o espaço, preparo a entrada dos animais.
A ordenha que faço é manual, mas quero prosperar ter equipamentos e com o suor do meu esforço ter uma vida de qualidade para oferecer para a minha futura família.
Conduzo as vacas ao local da ordenha: Com cuidado para não estressar os animais.
Faço igienização dos úberes: Lavando as t***s com água morna e sabão, depois seco com panos limpos individuais, panos que tenho o cuidado de lavar com água quente.
Aplico um produto desinfetante antes da ordenha.
Retiro os primeiros jatos: Para verificar sinais de mastite ou leite com sangue.
Levo de dez a quinze minutos por vaca. Como tenho apenas quatro dando leite sem falha. Ligo o rádio de pilha e coloco uma canção sertaneja raiz daquelas que esculacha o peito e a alma do sujeito.
O tempo passa e eu vou dando cabo da minha primeira tarefa do dia.
Quando finalizo, aplico outro produto desinfetante para evitar infecções após a ordenha.
Com os tonéis cheio de leite, coloco os dois dentro do carrinho de mão, lavo o balde, solto os bezerros e coloco ração na cocheira para as vacas deixando a porteira aberta para elas seguirem para o pasto.
Retorno para casa, com os primeiros raios de sol desejando no horizonte.
Acendo o fogão de lenha e separo o leite que vai ser para consumo e o que vai se tornar queijo. Depois de realizar os procedimentos para a coagulação do leite, sigo para o banho depois de colocar a água do café no fogo.
Tomo um banho troco de roupa deixando as peças sujas no cesto.
Me aproximo da ruiva e toco em seu ombro.
Marrynna abre os olhos vagarosamente.
_ Oi...fala se virando para o outro lado, escondendo o rosto no travesseiro.
_ Estou indo na cidade, vou ver se consigo um serviço para você.
_ Uhummm....
_ Tem leite, pão e queijo, depois de tomar café deixa tudo limpo. Na geladeira tem aipim cozido, arroz e feijão. Frita linguiça.
_ Uhummmm.....
Selo o meu cavalo e sigo até a cidade, primeiro vou na casa só meu mecânico vê se a moto está pronta. Estou negociando com um conhecido a compra de um carrinho popular.
Felizmente a moto está pronta, então sigo para a pensão da Dona Berenice, ela é uma senhora viúva e de língua afiada.
_ Bom dia, Dona Berenice. Como estão as coisas? - falo ao entrar e ver a mulher arrumando as mesas.
_ As mesmas, Cícero, por aqui está osso de arrumar uma ajudante. Quando consigo as meninas querem flertar com os clientes, aí já viu, chove reclamação.
_ Escuta, conheço uma moça que está precisando de trabalho. Posso trazer ela aqui para a senhora fazer um teste?
_ Claro, meu filho, traga sim!
_ Amanhã eu farei, hoje tenho que levar a minha moto e depois seguir para o trabalho.
_ Tudo bem, mas amanhã bem cedo.
_ Pode deixar comigo. Até mais ver.
Saio com o peito mais calmo, a ruiva trabalhando vai levar poucos meses para ela ir embora e a minha paz voltar a reinar.