Danna
Foi difícil levantar naquela manhã. Eu simplesmente não queria ir à escola. Por mim, eu ficaria em casa deitada o dia inteiro sem ter que conversar com ninguém. Eu me sentia passada pra trás, desprezada, sem importância.
Ele era a pessoa mais importante da minha vida, por que eu não poderia também ser a mais importante da vida dele? A vida parece não querer ser justa comigo. Sei que nem sempre podemos ter o que queremos, mas eu me contentava com a simples amizade se esta fosse mesmo tão forte quanto ele dizia ser.
Liguei para Afonso para que me buscasse. Hoje eu não iria aceitar a carona de Christopher e na verdade queria evitá-lo ao máximo. Estava à porta de casa esperando quando ouvi a porta da casa de Christopher ser aberta. Me virei rapidamente torcendo para não ser notada, mas não tive sucesso.
— Danna! — ouvi ele me chamar. Me virei devagar e o olhei séria. — Estava me esperando?
— Não. — respondi.
— Ué, não está pensando em ir à escola a pé, não é? — riu.
— Afonso prometeu me dar uma carona. — falei ainda séria. Ele parou de sorrir e me observou por alguns segundos.
— Vai me evitar? — franziu a testa. — Eu sei que você esperava uma atitude da minha parte e eu te juro que tomei uma. Gostaria de conversar com você sobre isso.
— Não sei se vale à pena... — desviei o olhar.
— Como não? Nós nunca deixamos alguma coisa pela metade.
— É que isso não é tão simples.
— Por que isso seria diferente?
Fiquei o olhando sem saber exatamente o que responder. E naquele momento, eu torcia pra que Afonso chegasse logo e eu pudesse fugir de qualquer conversa.
— Você... gosta dela. — respondi.
Ele franziu a testa sem me entender.
— E isso é um problema?
Engoli em seco.
— Eu sou sua amiga e ela é sua namorada. Talvez estender isso só cause mais dor de cabeça. Tudo bem fingir que nada aconteceu. Você não vai querer ficar contra ela e eu não quero que fique contra mim.
— Acha que eu ficaria contra você?
— Não sei. — dei de ombros.
— Você está me subestimando.
— De qualquer forma, eu não quero mais saber. Já passou, não dá pra desfazer a briga e nem o tapa que ela me deu.
— Mas dá pra ela te pedir desculpas.
— O que? — perguntei com estranheza, desacreditando que isso pudesse acontecer.
— Ela me prometeu que iria te pedir desculpas. Se você pedisse também, claro.
— E eu vou pedir desculpas pelo quê? — perguntei incrédula.
— Você chamou ela de... bem... sabe como a chamou. Eu juro que não vou te dar um sermão por ter falado assim com a minha namorada, mas você precisa pedir desculpas a ela.
— Só pode tá brincando comigo! Ela estava me xingando primeiro! — alterei meu tom de voz.
— Acho que o problema se deu porque você estava ouvindo a conversa dela. — parecia que ele queria defendê-la.
Nesse momento, vi o carro de Afonso se aproximar.
— Mesmo? — arqueei a sobrancelha. — Ainda diz que não vai ficar contra ninguém, mas eu já vi bem de que lado você ficou!
— Danna, eu não...
O interrompi.
— Até mais, Christopher. — o deixei falando sozinho e entrei no carro de Afonso.
Não consegui disfarçar minha cara emburrada e meu amigo percebeu que algo estava errado.
— Quer conversar? — perguntou.
— Eu sabia que ele ia ficar do lado dela! Eu sabia! — falei brava.
— Sério? Mas você só se defendeu dela e ainda levou um tapa.
— Christopher está cego demais de amor por aquela... aquela...
— Pode dizer, não vou te julgar.
— v***a!! — gritei.
— Uou... — deu risada. — Você deveria parar de reprimir o que sente. Dane-se o que o Christopher vai pensar de você, está na hora de você começar a se amar.
Encostei minha cabeça no banco do carro e não falei mais nada. Eu não queria admitir que Afonso tinha razão, mas ele tinha. Eu deveria me colocar em primeiro lugar e não ficar preocupada com o que Christopher iria pensar sobre tudo o que faço.
Chegamos ao colégio e fomos até a sala de aula. Christopher chegou logo depois e não parou de me encarar até se sentar em seu lugar. Isso me deixou incomodada e eu custei a prestar atenção na aula e ignorar os seus olhos em cima de mim.
Na hora do intervalo, no refeitório, eu sentei com Zora e Afonso em uma das mesas.
Começamos a nos distrair e rir enquanto conversávamos e por um momento eu esqueci dos problemas, até que vi os dois andarem até nossa mesa. Christopher vinha na frente e Becky o acompanhava atrás. Paramos de falar assim que eles se aproximaram.
— Oi, Danna, a Becky gostaria de te dizer algumas coisas. — falou ele.
Ela respirou fundo, eu cruzei os braços e a encarei.
— Danna, eu gostaria de te pedir desculpas pelo tapa que eu te dei ontem. Realmente aquela não foi a melhor forma de eu lidar com a problematização em questão. Violência nunca é a melhor opção, ainda mais contra uma pessoa que não oferece nenhum perigo físico a ninguém. Eu realmente sinto muito e espero que possa esquecer o ocorrido.
Todos me olharam como se esperassem que eu dissesse algo gentil ou que eu também fizesse o mesmo discurso com palavras decoradas como ela fez.
— Por que estão me olhando? — perguntei.
— Eu esperava que você também pudesse dizer algumas coisas para a Becky. — falou Christopher.
— Ah, você quer que eu peça desculpas? Eu não vou fazer isso porque eu não sinto que fiz nada de errado. Não vou pedir desculpas a ela só porque VOCÊ quer que eu faça isso! Eu acho que um pedido de desculpas só é válido quando ele é sincero. Me diz, Becky, quanto tempo você levou pra decorar esse texto cheio de palavras difíceis que provavelmente o Christopher escreveu pra você?
Zora olhava pra mim boquiaberta, certamente não acreditava que eu estava enfrentando o Christopher. Afonso sorria com orgulho. Christopher me olhava como se estivesse decepcionado e eu podia ver o ódio no olhar de Becky.
— Eu achei que a gente podia fazer isso dar certo e começar a se respeitar. — falou Becky claramente mantendo seu ar forçado.
— Quer me respeitar? Esquece que eu existo. — eu disse rudemente.
— Danna, vem comigo. — Christopher me chamou.
— Não. — cruzei os braços.
— Danna, vem comigo! — ele segurou meu braço e saiu me arrastando pra longe dali.
Entramos numa sala de aula vazia.
— O que? Vai me bater? — dei um leve empurrão nele para me livrar de seu toque.
— Você acordou hoje com o intuito de falar besteiras?
— "Falar besteiras"? — dei risada. — O que você espera de mim? Que eu sempre faça o que você diz sem questionar?
— Eu quero que você faça a coisa certa!
— E a coisa certa é eu e a Becky sermos amigas pra agradar o SEU ego? Me poupe!
— Eu quero que as pessoas que eu gosto tenham uma boa convivência!
— Eu não vou fingir que gosto dela só pra agradar você! Isso não é um conto de fadas onde todo mundo se dá bem com todo mundo! Isso aqui é o mundo real e as coisas não giram em torno de você e do que VOCÊ quer!
Ele olhou para baixo e depois para mim novamente.
— Então me diz o que VOCÊ quer.
Eu senti um nó na minha garganta e a única coisa que vinha na minha cabeça era "você, eu quero você". Ficamos nos encarando e eu me senti sufocada por querer e não poder falar o que eu realmente sentia.
Me sentia um nada por ser incapaz de responder o que eu queria de verdade naquele momento. De repente, as palavras viraram agonia e a agonia se desfez em lágrimas pelos meus olhos.
Eu comecei a chorar e soluçar. Ele pareceu não entender nada, mas me abraçou mesmo assim. Encostei a cabeça em seu peito e chorei por longos minutos enquanto ele acariciava a minha cabeça. Aquele era o único lugar onde eu queria estar naquele momento.
Depois de eu me acalmar e enxugar minhas lágrimas, ele acariciou o meu rosto e me olhou com ternura.
— O que foi isso? — perguntou preocupado.
— Eu não sei... — suspirei.
— Me perdoa se estou te pressionando. Faz o que você quiser, não precisa falar com ela por minha causa. Sinto muito ter forçado a barra.
— Eu sempre vou perdoar você. — sorri e ele sorriu de volta.
— Por que exatamente você chorou?
— A gente pode por favor não falar sobre isso? — desviei o olhar.
— Tem certeza?
— Eu vou me sentir desconfortável se você insistir.
— Tudo bem. — ouvimos o sinal de término do intervalo tocar. — Tem alguma aula agora?
— Clube de música.
— Bem, eu não estou muito afim de treinar com o time hoje. E você? Está afim de ir tocar?
— Por que?
— Vamos sair, fazer alguma coisa agora. Quero ver você sorrir. — acariciou meu rosto.
— Acho que tudo bem. — sorri de lado.
Pegamos nossas coisas e fomos embora do colégio. Ele me levou até uma pista de boliche. Eu o assistia jogar enquanto tomava um milk shake em uma das mesas.
— Boa! — falei quando ele fez um strike.
— Sua vez! — ele disse.
— Não, eu não sei jogar. — respondi.
— Quem não sabe aprende!
Ele segurou minha mão e me guiou até uma das pistas. Pegou uma bola e se posicionando atrás de mim, segurou minha cintura com uma das mãos e com a outra guiava a pesada bola de boliche entre meus dedos.
— Agora é só seguir o seu coração. — sussurrou em meu ouvido.
Me arrepiei instantaneamente ao ouvir sua voz tão perto enquanto mantinha o seu corpo colado ao meu. Por um segundo, foi como se meus pés tivessem saído alguns centímetros do chão.
Afastei meu braço para trás e arremessei a bola pela pista. Derrubei quase todos os pinos, deixando apenas 3 de pé.
— Isso aí! — ele me abraçou me tirando do chão. — Muito bom para uma principiante!
— Se eu treinar mais fico melhor que você. — sorri.
— Quem sabe? — sorriu de volta. — Eu gosto de te ver sorrir. — falou olhando para os meus lábios. — Seu sorriso é lindo. — acariciou meu rosto.
Senti minhas bochechas esquentarem e tive certeza de que estava vermelha. Ele causava essas coisas em mim apenas por me olhar.
Saímos de lá e fomos até o penhasco perto do litoral. Era um lugar bem alto que ficava de frente ao litoral da cidade. Ficamos dentro do carro observando o pôr do sol no horizonte.
— O que quer fazer quando terminar a escola?— perguntou.
— Não sei. As pessoas esperam que eu entre na universidade.
— E você não quer?
— A questão não é querer, é só que eu não tenho certeza se esse é o melhor caminho a se seguir. Claro que é o que todo mundo espera de mim, mas não é um sonho meu.
— Você tem que fazer o que tem vontade, afinal, é você quem vai fazer isso pelo resto da vida, não os outros.
— E você?
— Eu?
— É, o que quer para o futuro?
— Eu gosto de jogar no time e o treinador fala que eu conseguiria ir longe caso quisesse seguir por esse caminho. Mas sabe como é a mamãe, ela quer que eu seja médico ou advogado.
— E o que você quer?
— Eu quero ser feliz. — sorriu e eu sorri de volta. — Claro que eu quero ter uma vida estável, afinal, eu quero me casar, ter a minha família.
— Casar com a Becky? — perguntei por impulso.
Ele me olhou por alguns instantes e suspirou.
— Sinceramente, eu não sei se isso vai durar. Eu gosto muito da Becky, mas tomar a decisão de ficar com ela pelo resto da vida é uma coisa muito diferente de só namorar no colégio.
Sorri de lado tentando conter a pequena felicidade que surgiu em mim e que com certeza me faria soltar uma gargalhada caso isso não fosse inconveniente demais para o momento.
— E você? Quer casar algum dia? — olhou-me curioso.
— Ah, não sei. Eu acho que as pessoas acabam se casando em algum momento.
— E vai casar com quem? Com o Afonso? — sorriu sugestivamente.
— O que? Não! — fui rápida em negar. — O Afonso é só meu amigo, além disso, ele é apaixonado pela sua irmã.
— É, eu sei, mas vocês estão sempre juntos e sempre que nós dois nos desentendemos você vai correndo pra ele.
— Isso significa que ele é meu amigo e que confio nele. — eu disse o óbvio.
— Se acontecesse algo, eu seria o primeiro a apoiar. — riu como uma maneira de me provocar.
— Mais fácil eu namorar você. — eu disse sem pensar e travei assim que me dei conta do que havia falado.
— Sinto-me lisonjeado, mas acho que não. — deu risada e eu sorri sem graça. — Você é muito linda, mas é minha irmãzinha, isso seria estranho.
Suspirei desanimada com aquela resposta.
— Algum problema? — franziu a testa.
— Não. Realmente me acha bonita? — resolvi me agarrar às migalhas.
— A garota mais linda que já conheci.
Borboletas. As inconfundíveis e turbulentas borboletas no estômago. Elas gostavam quando ele dizia aquelas coisas.
Após o anoitecer, fomos para casa e naquela noite eu dormi com um enorme sorriso no rosto. Havia sido um dos melhores dias com o Christopher e eu não esqueceria dele.