Danna
Acordei cedo pela manhã, tomei banho, vesti meu uniforme, tomei café da manhã com meus pais e fui até a casa de Christopher para chamá-lo. Toquei a campainha e a porta foi aberta por Ana, sua irmã.
— Oi, Danna! O Christopher ainda está dormindo. — disse rapidamente enquanto ajeitava sua mochila nas costas.
— Ainda? Mas a gente vai se atrasar pro colégio! — falei aflita e um pouco aborrecida.
— É uma pena você ter confiado a sua presença escolar ao meu irmão. — ela riu. — Ah, a minha carona chegou! — ela disse após o carro de Christian, um de nossos colegas de classe, estacionar em frente. — Boa sorte com a carona. — ela ajeitou sua mochila mais uma vez sobre os ombros e saiu andando até entrar no carro, não sei antes acenar para mim.
Entrei na casa e subi as escadas até chegar à porta do quarto de Christopher. Bati duas vezes e não obtive resposta, então resolvi entrar.
O quarto estava escuro, devido a todas as cortinas fechadas e frio pelo ar-condicionado forte. Abracei a mim mesma e suspirei para tentar afastar o frio. Vi Christopher deitado na cama enrolado com o cobertor, me aproximei e o cutuquei algumas vezes. Ele resmungou algo enquanto se virava, ainda dormindo.
— Christopher?! — sussurrei sentando ao seu lado na cama.
— Becky? — falou, provavelmente no meio de um sonho.
Eu revirei os olhos, incapaz de acreditar que até nos sonhos dele ela seria capaz de tirar a minha paz.
— Vamos, acorde!! — dei-lhe um tapa no rosto e ele pulou da cama assustado, quase caindo.
Tranquei minha respiração ao ver que ele estava apenas de cueca. Meus olhos se arregalaram e eu senti meu coração acelerar, além do meu rosto ter ficado quente. Apesar disso, eu desviei o rosto por me sentir tímida com a situação.
— Meu Deus, Danna! Quer me matar de susto? — falou colocando a mão sobre o peito.
— Ah... — minha garganta estava travada e eu não conseguia demonstrar expressão.
— O que? — franziu a testa. — Ah droga! — ele correu e pegou uma toalha assim que notou o que acontecia. — Me desculpe a falta de respeito, é que eu estou tão acostumado com você que até esqueço que você é mulher. — riu.
— Como é que é? — arqueei a sobrancelha. Não gostei nada de ouvir aquilo.
— Não me entenda m*l. É que você é a única amiga que eu tenho, o resto são homens. Esqueço que tenho que te tratar de forma diferente.
— Tudo bem... eu acho. — desviei o olhar. — Bem, sabe porque estou aqui. — cruzei os braços e fiz minha melhor expressão de aborrecimento.
— Me atrasei de novo. — falou constrangido. — Desculpa de novo. Vou me arrumar rapidinho, me espera na sala.
Assenti e saí do quarto sem olhar para trás.
Ainda estava um pouco desequilibrada por ter acabado de ver Christopher seminu. Era a primeira vez que eu notava o quanto seu corpo era perfeito em cada detalhe, cada curva. Seria difícil tirar aquilo dos meus pensamentos, eu passaria um bom tempo com aquelas imagens gravadas na minha cabeça.
Acabei me perdendo em meus pensamentos e nem notei que ele já estava ali, na minha frente, balançando sua mão em frente ao meu rosto para que eu acordasse do transe que nem notei ter entrado.
— Ah... você está pronto. — falei me recompondo e tentando disfarçar o meu comportamento.
— No que estava pensando? — olhou-me curioso.
— Eu? Só que eu não quero perder a primeira aula! — dei um leve tapinha em sua testa e segui andando até o lado externo da casa.
Entramos em seu carro e começamos a conversar durante o caminho sobre aleatoriedades até que ele fez questão de tocar no infeliz assunto que eu preferia do fundo do meu coração ignorar.
— E então, pensou se quer sair comigo e com a Becky? — perguntou sem nenhuma cautela.
— Você me fez essa pergunta ontem à noite. Espera que eu já tenha a resposta agora? — não consegui disfarçar o meu incômodo, mas Christopher pareceu preferir ignorar.
— Sim! — riu e eu continuei séria. — É uma resposta tão difícil assim? — apenas dei de ombros. — Você é tão complicada, Dan!
— Eu que o diga... — falei pensando o quão complicado era estar apaixonada por ele e pensar nisso bem quando eu estava ao seu lado, tendo total consciência de que ele não fazia ideia e provavelmente seria assim para sempre.
— Algum problema? — perguntou preocupado ao notar que eu havia ficado cabisbaixa.
— Não! — sorri de lado de maneira nervosa.
— Eu te conheço muito bem, sei as coisas que sente. — colocou sua mão sobre o meu joelho.
Aquele toque tão íntimo e repentino me causou a mesma sensação de levar um choque. Claro, éramos melhores amigos, estávamos nos abraçando e tocando o tempo todo, mas quando isso acontecia durante meus devaneios de amor, era bem diferente. Tinha que me segurar toda vez para não soltar algum suspiro involuntário que eu com certeza não saberia explicar.
— Sabe? — franzi a testa, pensando no quão irônico era ele dizer aquilo.
— Eu sou seu melhor amigo. — sorriu para mim.
— Parece não saber tudo... — falei baixo achando que ele não estava ouvindo.
— O que? Como assim? O que eu não sei? Está me escondendo as coisas? — ele estava ofendido, claramente.
— Ah... não, relaxa. — balancei minha mão e ri de leve para ele se despreocupar.
— Se você estiver com algum problema, sabe que pode contar comigo pra qualquer coisa. Eu sempre vou te entender e ficar do seu lado. — usou um tom de voz acalentador.
— Eu sei. — sorri de lado e ele retribuiu.
Mesmo concordando, eu sabia que não era bem assim. Tinha coisas que ele não sabia e que eu jamais me atreveria a dizer. Era difícil me manter naquela situação? Totalmente. Mas eu permanecia porque se caso ele descobrisse sobre meus sentimentos, todo o pouco que nós tínhamos – no caso, nossa amizade – iria por água a baixo. E aí eu não teria nem mesmo as migalhas de sua presença para me contentar.
Chegamos até o colégio e para a minha não-surpresa, a primeira aula já havia começado. Eu e Christopher corremos rápido até a nossa sala enquanto eu reclamava por ele nunca acordar na hora. Entramos na sala e após um olhar de reprovação por parte do professor, fomos para os nossos respectivos lugares.
Sentei ao lado de Zora, e Christopher ao lado de Becky, que lhe deu um beijo exagerado me deixando com uma pontada enorme de ciúmes.
— Para de olhar pra eles. — disse Zora me fazendo virar pra frente. — Ela só fez isso porque estava se mordendo de ciúmes de vocês.
— O que? — franzi a testa, mas no fundo eu queria rir.
— Ela ficou furiosa quando a Ana disse que o Christopher estava vindo com você. Provavelmente achou que você era o motivo do atraso dele. — até mesmo Zora dizia aquilo com um tom de piada. Era mesmo hilário.
— Na verdade ele que foi o motivo do meu atraso. — expliquei.
— E você acha que a princesinha quer saber disso? A culpa sempre vai ser sua. — revirou os olhos.
Dane-se se para a Becky eu era a culpada de tudo, eu realmente não me importava com o que ela achava sobre mim. Aliás, era melhor mesmo que ela me odiasse porque assim eu não seria obrigada a suportar a sua presença.
Após as primeiras aulas, nós fomos até o refeitório na hora do intervalo. Eu, Zora e Afonso pegamos nossos almoços e sentamos em uma das mesas. Notei que Afonso olhava excessivamente para a mesa onde Ana, Christopher, Becky e Christian estavam, sem desprender seus olhos de lá em nenhum momento.
— Algum problema? — perguntei. — Parece meio vidrado em alguma coisa.
— Só o Afonso que continua loucamente apaixonado pela Ana e nem consegue disfarçar. — falou Zora, zombando dele.
— E o que você tem a ver com isso? — falou com grosseria, jogando uma de suas batatas fritas nela.
— Nada e nem quero! Azar o seu se está apaixonado por alguém tão mesquinha quanto ela! — irritou-se de um jeito exagerado.
— Tem inveja dela porque ela é mais bonita do que você! — Afonso desceu de nível.
— Do que adianta ser bonita e ter o cérebro de um esquilo?? — Zora retrucou.
— Você nem conhece a garota pra falar isso!! — ele gritou um pouco alto demais dessa vez, de modo que chamou a atenção de algumas pessoas do refeitório.
— Conheço as notas dela e nisso eu sou bem melhor! Beleza ela vai perder, mas o meu conhecimento será eterno! — Zora ergueu o queixo com orgulho, acreditando ter vencido aquela discussão sem sentido.
— Gente, por favor, parem de brigar! — pedi num tom mais alto que eles, já sem paciência para ouvir mais alguma bobagem.
— A sua amiga aí que é uma insuportável. — falou Afonso, olhando para Zora com fúria.
— Agora eu não sou sua amiga, Afonso? Mas na hora de aguentar dois imbecís apaixonados e desprezados por outros dois imbecís eu sou muito amiga, não é? — eu e Afonso ficamos em silêncio e o clima pesou. — Ah... me desculpem, eu não queria ter dito isso, foi sem pensar. — gaguejou, intercalando o olhar entre nós dois de maneira nervosa.
— E aí, Danna? O que me diz? — Afonso me encarou.
Eu fiquei mais alguns segundos sem dizer uma palavra. Estava magoada, era fato. Zora sempre foi a minha melhor amiga, a pessoa com quem eu tinha toda a segurança para falar o que quisesse sobre o que quisesse. Nunca esperei ouvir algo daquele tipo sobre mim saindo de seus lábios. Foi meio decepcionante e triste, devo confessar.
Tomei fôlego após pensar na resposta mais madura e pacífica que poderia. Não queria arranjar uma briga apesar da mágoa.
— Quando eu te conto as coisas que sinto, é porque eu quero apoio, não que você deboche de mim. — falei de maneira séria, tendo certeza de que ela entenderia minhas palavras e o tom que usei para proferi-las.
— Amiga, me desculpa, eu realmente não queria ter dito isso. — falou segurando minha mão e por um dado momento, achei ter visto seus olhos começando a marejar.
— Talvez, mas disse, e eu não esperava isso de você. — puxei minha mão bruscamente, afastando-me do toque dela.
Eu levantei e saí andando em direção ao banheiro. Fui por todo o caminho com o rosto voltado para o chão. Sabia que provavelmente me resolveria com ela logo, era só que no momento eu precisava ficar sozinha para reorganizar os meus pensamentos e me acalmar um pouco.
Assim que entrei no banheiro, me tranquei em um box e fiquei esperando o meu estresse passar, com os braços cruzados e olhando fixamente para aquela porta cinza com vários rabiscos que iam desde desenhos explícitos de partes íntimas, até frases ofensivas sobre alguns dos alunos e números de telefone deixados por pessoas atiradas.
Tive que rir um pouco ao pensar que há pouquíssimos meses a direção estava fazendo palestras sobre como não deveríamos depredar o patrimônio escolar e como um ambiente limpo nos ajudaria com a concentração nas aulas e estudos. Bem, aquelas coisas engraçadas estavam me ajudando a ver um pouco de graça na vida, mesmo que apenas dentro daquele banheiro padrão de colégio americano. Continuei lendo as frases enquanto ria baixo comigo mesma.
Foi quando ouvi a porta da frente se abrir e a voz de Becky ecoou pelo banheiro. Meu primeiro instinto me fez ter vontade de proferir um palavrão, mas eu não podia ser vista ali. Fiquei dividida entre a ideia de simplesmente sair do box e fingir que estava usando o banheiro para poder sair do local ou ouvir o que ela estava conversando.
Talvez aquela tivesse sido uma péssima ideia e eu viesse a me arrepender mais tarde, mas dado o travamento das minhas pernas, a única coisa que fiz foi ficar quieta onde estava sem fazer nenhum pio, apenas ouvindo enquanto ela ligava a torneira e soltava aquela risada esganiçada dela que eu tanto odiava.
Quando ela começou a citar nomes de outras alunas e falar coisas negativas sobre elas, me perguntei se em algum momento meu nome viraria foco. Bom, eu não estava errada.