Danna
Já faziam quase dez minutos que eu e Christopher não parávamos de rir. Eu adorava fazer aquela competição de quem come mais brigadeiro com ele. No final, eu sempre perdia, mas valia muito a pena rir da cara suja de Christopher.
Nossas tardes de domingo sempre eram assim, desde quando éramos crianças. Nós praticamente nos conhecemos ainda nas barrigas de nossas mães e desde então nunca desgrudamos um do outro.
Parecia ser uma amizade que se conta em algum filme da Disney, mas ao meu ver era algo muito além disso. A nossa conexão era inexplicável. Eu sabia tudo sobre ele e ele sabia tudo sobre mim. Nada poderia abalar o que nós tínhamos um com o outro. A não ser, claro, a descoberta dos sentimentos confusos que eu tinha sobre nós.
— Eu sempre perco, mas sempre vale a pena te ver todo sujo assim. — falei rindo enquanto tentava limpar o rosto dele com um lenço.
— A verdade é que eu sou o seu melhor passa-tempo. — falou orgulhoso.
— É verdade. — sorri carinhosa e ele retribuiu.
— Te amo, pequena. — segurou minha cabeça e beijou minha testa.
— Também te amo. — suspirei.
Amava mais do que deveria, na verdade.
Christopher sempre foi o meu irmão de outra mãe e não tinha jeito de eu o ver de outra forma. Porém, no auge dos meus 13 anos de idade, eu comecei a sentir coisas por ele que pareciam ser erradas. O pior de tudo isso era que eu tinha total certeza de que ele não se sentia da mesma forma que eu. Christopher não é do tipo de pessoa que sabe esconder o que sente.
E por conhecê-lo muito bem e saber o que cada uma de suas ações significam, eu notei e noto todos os dias que o carinho que ele sente por mim é apenas de irmão, como ele sempre diz ser. Por isso eu nunca tive tantas esperanças de que algo pudesse mudar algum dia e também não queria estragar a nossa atual conexão, mesmo que ela não fosse inteiramente o que o meu coração pedia.
O celular dele começou a tocar e ele atendeu. E então uma discussão começou a surgir com a pessoa que estava do outro lado da linha e eu sabia exatamente quem era essa pessoa. Becky era a única que conseguia estragar a paz e a alegria que existia entre mim e Christopher.
Desde que ela começou a estudar no colégio eu tenho que controlar minhas doses diárias de ciúmes. Afinal, eu não poderia reclamar da namorada dele. É, namorada.
Lembro-me bem de quando os dois começaram a sair e ele sempre fazia questão de me dizer o quanto estava apaixonado pela nova capitã das líderes de torcida. E ouvir aquelas coisas doíam! Era o mesmo que me enfiar facas pelo corpo inteiro.
Eu tinha que admitir que era boa em disfarçar o meu incômodo, por mais complicado que fosse. Todo dia eu tinha que aprender um jeito novo de me controlar sempre que ela estava perto com todo o seu carinho e charme sendo jogados em cima dele. Eu não queria estragar o que eles tinham pois Christopher estava aparentemente feliz naquele relacionamento.
Ele desligou o celular e me olhou como se quisesse pedir desculpas. Ali eu notei que ele teria que correr para ela imediatamente.
— Becky? — perguntei.
— Pois é, ela está brava por uma coisa que eu disse e quer falar comigo pessoalmente. Vai ficar chateada se eu for embora agora?
— Er... Não... Ela é sua namorada, você tem que dar atenção a ela. — desviei o olhar.
— Obrigada, maninha. Você é incrível! — apertou minhas bochechas. — Vai querer carona para ir à escola amanhã? — perguntou antes de sair do meu quarto.
— Claro! — forcei um sorriso.
— Ok. Bem, até mais. — saiu pela porta.
Eu me joguei na cama e respirei pesadamente. Como aquela garota me incomodava! Ela até dizia gostar de mim, mas no fundo eu sabia que era tudo fingimento só para agradar o Christopher. Mas tudo bem, eu também fingia gostar dela de qualquer forma.
Como ele pôde se apaixonar por uma garota tão superficial? Eu sei que não sou lá essas coisas, mas Becky era igual a todas as outras garotas da escola. Sempre querendo chamar atenção, usando roupas de marca que deixavam suas pernas bem amostras, maquiagem pesadíssima e personalidade super esnobe. É, eu nunca entenderia o que ele viu nela, mas talvez fosse o que todos os outros garotos do colégio também viam porque incrivelmente todos os olhares se voltavam para ela quando a mesma andava por aqueles corredores.
Tudo o que eu menos precisava era ficar triste, mesmo sabendo que ele me trocou e foi correndo atender às necessidades da princesinha de porcelana.
Desci as escadas e avisei a minha mãe que iria até a casa de Zora. Eu queria me distrair.
Assim que cheguei lá, sua mãe deixou que eu entrasse e eu fui até seu quarto.
Entrei sem bater, já que eu tinha i********e o suficiente com a Zora. Quando entrei, ela estava pintando as unhas dos pés. Eu simplesmente me joguei na cama dela e fiquei olhando o teto.
— Deixa eu adivinhar... — começou. — Christopher? — indagou sem tirar os olhos de suas unhas cor de rosa.
— Por que ele dá tanta atenção para aquela garota? O que ela tem de tão especial? — choraminguei.
— Dizem que o amor é cego. — deu de ombros. — Mas você sabe que as coisas poderiam ter sido diferentes se você tivesse sido mais rápida.
— Você sabe que no dia em que eu ia confessar que gostava dele ele saiu com ela e ficou super animado. — falei com desprezo. — Com que cara eu ia dizer que estava apaixonada sendo que ele tinha acabado de me falar sobre outra garota? Eu não podia estragar aquilo.
— É, eu sei. Vai mesmo querer viver assim? — largou o esmalte e se voltou para mim.
— Faz 3 anos que eu vivo assim. Um dia a mais ou um a menos não faz diferença.
— Às vezes eu acho que você gosta de se colocar pra baixo. — balançou a cabeça negativamente em desaprovação.
— Claro que não! Por isso que eu estou aqui, pra que a minha melhor amiga me coloque lá em cima! — falei sentando na cama e sorrindo.
— Você é um amor, Danna! Realmente não dá para entender como ele também não se apaixonou por você. — sorriu de lado.
— Não quero falar mais dele.
— Tudo bem, eu vou pintar as suas unhas.
Tivemos uma verdadeira tarde de garotas e no fim da tarde eu voltei para casa. Quando estava prestes a abrir a porta de casa senti alguém me observar. Olhei para o lado e vi Christopher parado em frente à sua casa. Ele veio andando até mim e eu apenas aguardei.
— Você saiu? — perguntou.
— Fui passar a tarde com a Zora. — expliquei.
— Olha, eu sinto muito por ter saído correndo daquela forma. Eu precisava mesmo me resolver com a Becky. — ele parecia constrangido.
— Ei, tá tudo bem, não precisa ficar se explicando. — coloquei a mão em seu ombro para conforta-lo.
— Sabe, ela gosta tanto de você, nós deveríamos marcar de sair os três. — falou animado. Já eu, me desanimei por completo.
— Qual é! Está achando que eu sou o que? Vela? — eu disse em tom de graça e ele riu.
— Eu queria que vocês fossem mais amigas. Vocês são as duas garotas que eu mais gosto no mundo e eu gostaria de vê-las se dando bem. —
Eu olhei para baixo e soltei um longo suspiro.
— O que foi? — Christopher perguntou acariciando meu rosto.
Fechei os olhos sentindo o toque macio de seus dedos.
— Eu te amo... — falei por impulso. Assim que me dei conta do que disse, me afastei de suas mãos.
Ele me encarou por alguns segundos e sorriu.
— Também te amo. E é por isso que eu quero que você fique perto de mim o tempo inteiro, mesmo quando eu estiver com a Becky. — por sorte, ele não havia notado que o meu "eu te amo" era muito mais intenso do que o dele.
— Não me sinto bem perto de casais, é sério. — desviei o olhar.
— Fica tranquila que eu não vou ficar agarrando ela perto de você. — deu risada.
— Ah... — sorri de lado. Bom, isso era o mínimo.
— E então, quer sair com a gente? — insistiu.
— Eu posso pensar?
— É uma decisão tão difícil assim? — franziu a testa.
— Não. — falei nervosa. — É só que... sei lá... Talvez não dê certo misturar seus amigos com o seu namoro. Eu não quero que ela tenha ciúmes de mim, porque você sabe, nós dois somos bem grudados.
— Eu entendo, mas a Becky é bem de boa. Ela mesma queria te conhecer melhor.
— Ótimo! — forcei um sorriso.
Eu não acreditava que ela estava disposta a se aproximar de mim, mas falar isso nesse momento não era a melhor opção. A última coisa que eu queria era que sua namorada chata me acusasse de ser agente do caos entre os dois.
— Pensa com carinho, eu tenho certeza que vocês vão se dar muito bem. — segurou minhas mãos e se aproximou.
Me pedir com aquele olhar e me tocar de um jeito tão carinhoso eram uma ótima maneira de me convencer de fazer qualquer coisa que ele quisesse.
— Pode deixar!
— Até amanhã! — ele deu um beijo em meu rosto e se foi.
Entrei em casa e fui direto para o meu quarto. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Zora. Eu precisava saber o que ela achava de tudo isso antes de dar uma resposta definitiva ao Christopher.
"Está louca? Não pode sair com ele! Já não basta vê-los de longe, ainda vai ter que aguentar tudo isso de pertinho?" Ela me respondeu.
"Não quero decepcionar o Christopher." Falei.
"Prefere decepcionar a si mesma? Amiga, cadê seu amor próprio?"
Olhei aquela mensagem sem saber o que responder.
Será que na maioria das vezes, eu colocava as necessidades do Christopher acima das minhas? Se faço isso, de fato nunca notei. Mas parando para analisar todas as minhas ações, houveram muitas vezes em que eu fiz coisas desconfortáveis, fui para lugares ou disse frases que eu realmente não tinha tanto interesse só porque ele pediu. Talvez Zora tivesse razão naquilo e eu sempre agi como se fosse algo natural. A verdade era que eu me sentia melhor vendo que o deixava satisfeito.
Olhei para a janela de Christopher que ficava em frente à minha e o observei enquanto ele jogava vídeo game. Talvez fosse inevitável eu me apaixonar por ele.
Christopher sempre foi super protetor comigo, me ajudava em tudo que precisava e sempre que eu o chamava, ele estava lá por mim. Sua imensa atenção por mim causou sentimentos que nem eu mesma posso controlar.
E claro, não posso negar que ele é o cara mais lindo que já conheci. Com aquele rosto doce e angelical que combinava perfeitamente com sua personalidade. E apesar de ser capitão do time de futebol americano da escola, ele não era tão bruto quanto demonstrava em campo. Eu via que dentro dele existia um turbilhão de sentimentos, os quais ele era incapaz de esconder. O cara da porta ao lado sempre foi fascinante e me chamava a atenção desde que eu me entendia como gente.
Estava tão distraída pensando em todas as suas qualidades enquanto o encarava que nem notei que ele havia deixado o vídeo game de lado e começado a me encarar de volta. Ele sorriu e eu retribuí o sorriso, acenando timidamente com a mão em seguida.
Ele pegou um caderno e fez sinal para que eu esperasse, em seguida começou a escrever alguma coisa. Quando ergueu o objeto, eu pude ler a palavra "Chamada" na folha. Isso significava que ele queria fazer uma chamada de vídeo comigo. Costumávamos nos comunicar daquela forma através de nossas janelas mesmo tendo a tecnologia de celulares em mãos. Parecia mais simbólico.
Sei que é impossível que algum dia Christopher possa me olhar da mesma maneira que eu o olho, ele nunca será meu e eu já estava conformada com isso. Um amor não recíproco era a pior situação pela qual alguém poderia passar.