Passei a manhã e a tarde toda conversando com fornecedores e clientes. Não parei nem para almoçar, tinha muita coisa pendente. Finalizei a última reunião totalmente esgotado e com fome. Mandei por e-mail todas as novidades, preços, negociações e contratos que firmei para Lise verificar na manhã seguinte. Fechei meu notebook, coloquei meus cotovelos sobre a mesa e descansei meu rosto nelas.
Ouvi batidas na porta e a pessoa abriu sem esperar a minha resposta.
– Finalizou sua última reunião? – Perguntou Claire com ar de reprovação.
– Sim, essa foi a última. – Eu respondi, olhando-a cansado.
– Você vai comer algo ou quer que eu o obrigue? – Disse ela, com os braços cruzados. Sim, Claire estava totalmente brava.
– Já vou ali na cozinha comer algo. Só estou dando um tempo para meu cérebro relaxar.
– Você sempre age assim? – Disse ela, me fuzilando com o olhar.
– Assim como? – Eu perguntei, ainda sem entender o porquê de ela estar brava.
– Agindo sem ter consciência de que precisa comer ou ao menos se cuidar? – Claire me repreendeu.
– Sim, não vou mentir. Minha vida tem sido uma loucura total e às vezes nem consigo parar para comer.
– E tudo isso vale a pena?
– Claire, o que você tem que entender é que eu estava lutando contra meus tios, peguei a gerência total da empresa faz pouco tempo e até colocar as coisas no lugar, leva um bocado de tempo e esforço.
– Não tem ninguém que o ajude por lá?
– Tem a Lise.
– Quem é Lise? – Perguntou Claire com uma pitada de ciúme.
– Minha secretária de 60 anos. – Eu sorri com ar triunfante.
– Ahhh... Entendi. – Disse Claire, tentando se recompor.
– Isso soou como ciúme? – Eu falei, sorrindo.
– Imaginação sua. – Disse Claire, se defendendo.
– Sei...
– Por qual motivo você contratou Lise? – Claire perguntou com o cenho franzido.
– Não entendi a sua pergunta. Seria por causa da idade? – Eu a questionei, sem entender ao certo.
– Isso. Normalmente, as pessoas nessa faixa etária têm dificuldades em encontrar uma empresa que as aceite pelo conhecimento em vez de jovialidade.
– Eu a contratei porque gostei dela na entrevista e não me arrependo. É meu escudo na empresa e também sei que está lá para me ajudar e não para ficar "me paquerando", se é que me entende, né?
– Isso foi muito legal da sua parte. Vejo que a sua essência não morreu por completo.
– Imagina, nem fiz muita coisa. Na verdade, quem faz as coisas é ela. Mérito total dela.
– Eu sei, mas poderia ter contratado um rapaz ao invés dela e não o fez, o que o torna um ser humano melhor na minha visão. – Disse Claire, sorrindo para mim.
Era a primeira vez que via um sorriso em seu rosto, depois de oito anos, causado por mim. Na realidade, desde que cheguei, ela só tem vontade de me "matar", o que dificultou um pouco as coisas, mas agora, fiquei feliz de arrancar um sorriso dela.
– Até que enfim, um sorriso! – Eu disse, sorrindo. Meu humor até melhorou.
Claire ficou com as bochechas vermelhas. Claramente estava envergonhada e não vou mentir, ela ficava ainda mais linda nesse estado.
– Para de enrolar e vem logo comer! Te faço companhia. – Disse ela.
– Tudo bem. – Eu concordei e me levantei, me espreguicei alongando a coluna e a segui até a cozinha.
– Não acredito que você me fez uma desfeita dessas. – Disse Gina, mãe de Claire.
Eu fiz uma careta para ela e dei um beijo em sua bochecha.
– Você sabe que não fiz por m*l. Realmente estava com muito trabalho. – Eu me justifiquei.
– Entendo, mas eu guardei um prato para você do almoço hoje. – Disse ela, toda amorosa.
– Ah, como é bom estar em casa! – Eu falei, abraçando-a e quase fazendo ela derrubar o prato.
– Calma, Misha, assim não vai sobrar almoço! – Disse ela, me dando bronca.
Eu peguei o prato que já estava quente, me sentei à mesa e comecei a comer. Ah, como a comida da Gina era boa... Eu não fazia ideia do quanto me sentia sozinho sem eles. Ter uma família para te receber é tão reconfortante, mesmo que o seu dia tenha sido exaustivo e r**m. Comi, saboreando, parecia que tinha ido às nuvens... Fazia muito tempo que não comia comida caseira.
– Ei, você está na Terra? – Disse Claire, gesticulando na minha frente.
– Oi? Acabei de voltar. – Eu falei, sorrindo.
– Está tão boa assim? – Disse Claire, apontando para a comida.
– Está deliciosa como sempre! Gina é um anjo. – Falei, dando uma garfada. – A propósito, você também não almoçou? – Eu perguntei, com o cenho franzido.
– Confesso que não. Tive um probleminha que tive de resolver e que me ocupou a manhã toda e boa parte da tarde. – Disse Claire, com aspecto cansado.
– Vocês dois estão reprovados! Deixar de comer não faz bem para o estômago. – Disse Gina, dando bronca em nós.
– Espera... Quer dizer que você foi me dar bronca no escritório, mas também não se cuidou igual eu? – Eu falei, tirando sarro de Claire.
– Ah, isso foi diferente... – Disse ela, se esquivando.
– Não foi não... "É o sujo falando do m*l lavado." – Falou Gina.
– Mamãe, você deveria me defender. – Falou Claire, fazendo bico.
– Óbvio que não, eu vou pelo certo. Sem contar que Misha também é como se fosse meu filho.
Nota: Expressão popular: "o sujo falando do m*l lavado" significa que uma pessoa com defeitos ou problemas semelhantes está criticando ou julgando outra pessoa que possui características semelhantes.
– Obrigada, Gina, você é uma bênção na minha vida! – Eu falei, puxando seu saco.
– Não venha com essa, até porque você ficou 8 anos sem me ver. Está no vermelho comigo. – Falou Gina, fazendo cara de brava.
– Foram as circunstâncias, mas meu amor por você não mudou. Ainda é a minha segunda mãe e sabe disso! – Eu me defendi.
Claire riu, estava totalmente contente por eu ter levado bronca.
– Claire, como você pode rir num momento como esse? – Eu me fiz de coitado.
– Até parece... Fique mais tempo sem nos ver para ver o que vai acontecer com você quando aparecer em nossa fazenda. – Ameaçou Gina.
– Isso aí, mamãe! – Comemorou Claire.
– Você vai deixá-la continuar tirando sarro de mim? – Eu fiz bico.
Nós três nos olhamos e começamos a rir. Claire e eu não mudamos em nada. Tudo estava como era antes, e eu estava tão feliz que não imaginava o que viria a seguir.
– Fiquei sabendo que vocês dois estão noivos. É isso mesmo? – Perguntou Gina.
Eu e Claire nos encaramos com olhos arregalados. Esquecemos de contar para Gina o que ocorreu.
– Mamãe, eu inventei isso para despistar os dois abusados que andam me enchendo o saco. Na verdade, não estamos noivos. – Se adiantou Claire.
– Entendi, mas se vocês realmente se gostam, dou minha bênção.
– Mamãe! – Claire a repreendeu.
– O que foi? Só falei o que está em meu coração. – Gina se defendeu.
Eu não disse nada, fiquei apenas escutando e observando. Ver Claire falar rapidamente e esclarecer tudo fez meu coração doer. Sei que não posso exigir nada, que não posso desistir, mas ver aquilo me fez perder o apetite. Levantei-me da mesa sem dizer uma palavra, dei um beijo na testa de Gina e saí da cozinha. Precisava espairecer a cabeça.