Edson
A ruivinha me mostrou a língua e saiu acelerando, queimando pneus. Ah! Se ela tivesse feito isso lá no elevador…
— O que eu fiz? Deixei-a escolher qualquer carro, nem conheço direito essa garota. Mostrei minha coleção e ainda paguei o conserto do Celta dela. E ela saiu brava? Que mistério complicado.
Voltei para o escritório, decidido a adiantar algumas coisas. Meu pai e o Alemão se aproximaram.
— Não acredito no que vi! Você emprestou seu Fusca preferido para alguém? Nem os lavadores podem tocar nele. Quem era?
Olhei meio sem jeito para meu pai.
— A garota do Celta, que bateu na minha Mercedes.
— Você está brincando? — perguntou meu pai, surpreso.
— Aquele vestido dela… não deu para não notar — comentou o Alemão, e eu não pude deixar de rir.
Olhei para meu pai; ele parecia confuso, mas com um sorriso orgulhoso nos lábios. Saí do escritório sem dizer nada e fui até um dos carros em conserto, acompanhado pelos dois. Eles não me deixariam em paz sem explicações.
— Relaxa, pai! Sei o que estou fazendo.
— Não parece! — resmungou ele, preocupado.
Bofei, passando a mão no cabelo, lembrando da ousadia dela.
— Essa garota me desafiou. Vou mostrar para ela do que sou capaz.
— Emprestando um dos carros favoritos da sua coleção? — comentou meu pai, incrédulo.
Revirei os olhos. Talvez tivesse sido precipitado, mas…
— Ela é a primeira garota que conheci que se interessa por carros.
— Parecem até almas gêmeas — brincou Alemão.
— Ah, claro… — respondi, sarcástico.
— Ela deve ser incrível para você ter feito isso — comentou meu pai, sorrindo.
— Ainda a conheço há pouco, pai. Nem deu tempo de qualquer coisa… — desviei, tentando minimizar.
— Uma garota que ainda não se impressionou? Isso é novidade — ele debochou.
Meu pai estava acostumado a ver garotas correndo atrás de mim, e não o contrário.
— Isso é só uma questão de tempo. Nenhuma garota nunca me disse não… com ela não será diferente.
— Você não é de se deixar levar, hein, Don Juan? — brincou Alemão.
Suspirei, resignado.
— Ela disse que não sou do tipo de pessoa que entende o que os outros realmente precisam.
Todos na oficina caíram na risada. d***a! Não precisava ter falado tão alto.
— Ela mexeu com seu ego, hein! — zombou um dos funcionários.
— Pelo que vejo, essa garota vai te surpreender antes que você a surpreenda — disse outro.
— Não vou me deixar levar por ninguém — debochei, cruzando os braços.
— Eu dizia o mesmo, antes de conhecer a sua mãe — comentou meu pai, sorrindo.
Abri a porta do carro da ruivinha, procurando pistas sobre ela. A única coisa que encontrei foi um terço pendurado no para-brisa. Interessante… ela era religiosa. E isso já mostrava algo diferente, algo que raramente via nas garotas com quem me relacionava. Essa certamente merecia minha atenção..
Passei o dia alternando entre o conserto do meu carro e o da ruivinha. Os funcionários da oficina não perderam a chance de brincar comigo por causa da garota e, claro, eu entrei na brincadeira.
Adiantei vários trabalhos, recebi o carro que arrematei no leilão e o coloquei junto aos outros da coleção. Em breve, começaria a restauração, mas por enquanto, a prioridade era o carro da ruivinha.
Arrumei minhas coisas no fim da tarde e subi na moto, rindo das brincadeiras que continuavam.
— Vai lá, pega ela, tigrão! — zoaram.
Até meu pai estava me provocando. Respirei fundo, decidindo que era hora de me concentrar em mim. Hoje teria o baile de boas-vindas da faculdade, e eu queria aproveitar a noite, conhecer pessoas novas e, quem sabe, me divertir.
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Andréia
Cheguei em casa e minha melhor amiga, Tati, já estava me esperando para nos arrumarmos para o baile. Claro que ela queria dar uma espiada no meu CELTA, mas hoje não seria dessa vez.
— Amiga, você disse que seu carro é simples, mas parece que é um C-E-L-T-A vermelho. Não sou expert em carros, mas acho que isso não é um fusca… e branco.
— É uma longa história, eu explico lá em cima.
Cumprimentei meu pai e meu irmão e subi com Tati para meu quarto. Contamos risadas e segredos enquanto nos arrumávamos para a festa, pintávamos unhas e cuidávamos dos cabelos.
Contei toda a história do dia: desde a batida, até o “i****a” sexy de olhos azuis, dono do Fusca e de vários outros carros.
— Amiga, queria ter sua sorte, cruzar com um cara desses! — suspirei.
— Você chama isso de sorte? — Tati riu. — Para mim, isso é karma, duas vezes no mesmo dia.
— Sei… ele parecia uma mistura de Homem de Ferro com Don Juan — falei, meio melosa.
— Humm… tem alguém apaixonadinha! — ela percebeu na hora.
— O que? Não! Ele é egoísta, egocêntrico e acha que pode ter qualquer pessoa que quiser.
Neguei, mas admiti pra mim mesma que ele tinha mexido um pouco comigo. Um pouco mesmo.
— É uma pena, seria uma boa oportunidade…
— Você está maluca?
— E se você não se permitir viver pequenas experiências antes de se comprometer?
— Eu só vou me entregar quando houver amizade, confiança e amor de verdade.
Tati me olhou, pensativa.
— É, mas você também não precisa se fechar completamente. O importante é se proteger e saber escolher.
Lembrei-me das palavras da minha mãe: valorizar-me, guardar-me para alguém que realmente mereça.
— Quero que meu primeiro beijo seja especial, com alguém que me respeite e que mereça minha confiança. — falei com firmeza.
Tati sorriu, satisfeita por eu entender os limites e valores.
— Isso mesmo, amiga. Nunca se deixe levar, mas também não tenha medo de sentir.
Nos arrumamos juntas. Tati enrolou meu cabelo liso, eu alisei o cabelo dela, pintamos unhas, passamos maquiagem e vestimos nossas roupas feitas por mim. Meu vestido era verde, realçando meus olhos; curto, com decote nas costas, mas discreto. O da Tati era prateado, com f***a na perna, elegante e ousado.
Quando chegou a hora de irmos ao baile, pegamos o Fusca. Sim, aquele Fusca que me parecia tão improvável virou nosso transporte. Coloquei meu pen drive para tocar minhas músicas favoritas e, para minha surpresa…
— É sério? Um toca-fitas?
Procurei no porta-luvas e encontrei uma fita com a inscrição: “Meus Country, Voz e Violão.” E, para minha surpresa, era a voz masculina mais bonita que eu já ouvira.