Na Oficina...

1791 Words
Andréia Acabei de sair de um workshop de moda na Faculdade Católica de Santa Margarida Maria (FCSMM). Estava curiosa para descobrir o que aprenderia no meu primeiro ano de faculdade, e acabei me apaixonando por cada estande. O que mais me deslumbrou foi o programa de estágio em Paris. m*l podia esperar pelas aulas — e, confesso, ainda mais para conhecer gente nova. Costuro desde pequena. Fazia vestidos para minhas bonecas com roupas velhas, e boa parte do meu guarda-roupa atual fui eu mesma que produzi. Já tinha feito cursos de corte, costura e modelagem; o que faltava para completar minha formação era a faculdade. Voltava do workshop dirigindo meu carro — fazia apenas uma semana que estava com meu bebê: um Celta zero, presente do meu pai quando passei na autoescola, aos dezoito. O dia estava lindo, perfeito para um passeio. O sol refletia na pintura do carro e eu sentia um prazer enorme em dirigir. O vento entrava pela janela enquanto o rádio tocava “Far Away”, do Nickelback. Peguei a rodovia, praticamente deserta naquele horário, e deixei o ponteiro chegar aos 100 km. Era mágico. Era perfeito. Nada podia estragar aquele dia. Nada e nem ninguém… — m***a! Exceto eu… — ouvi uma freada brusca, buzinas, xingamentos e, logo em seguida, o estrondo de algo batendo na lateral do meu carro. — m***a! Mil vezes m***a! Olhei pelo retrovisor: um homem de terno impecável e óculos escuros parecia cuspir fogo pelas ventas, gritando feito um louco. d***a. O cara tinha toda cara de ser rico. Eu estava ferrada. A culpa era minha — não conferi se vinha alguém antes de mudar de faixa. Adeus, alguns meses do meu salário. — ONDE VOCÊ APRENDEU A DIRIGIR, NUM CARRINHO DE BATE-BATE? NÃO SABE USAR SETA, NÃO?! Eu não dei seta? Achei que estaria sozinha na rodovia… Ele bateu na porta do motorista, furioso. Saí do carro e, de repente, ele congelou, sem fôlego por um instante. Tirei os óculos escuros dele — caríssimos, por sinal — e encarei aqueles olhos azuis. Fiquei sem reação. Senti algo estranho me invadir, como se meu corpo tivesse me traído. Será que eu estava ficando louca? Edson Desci da minha Mercedes p… da vida. Nem quis olhar o estrago na lataria. Quando me aproximei e vi quem estava no volante, soltei na lata: — Só podia ser mulher! Viu o que você fez?! A porta abriu e, em seguida, ela saiu do carro, visivelmente abalada. m*l abriu a boca para se desculpar e meu mundo simplesmente parou. — Moço, mil desculpas… foi sem querer… Diante de mim estava uma jovem ruiva, de olhos verdes e pele clara, usando um vestido vermelho simples, mas que a deixava deslumbrante. Me vi dividido entre a visão da minha Mercedes branca com listras vermelhas e aquela garota de pele clara em um vestido igualmente vermelho. Ela falava rápido, quase atropelando as próprias palavras: — A culpa foi minha, mas não é porque sou mulher, foi um acidente! Eu pago o estrago do seu carro… A sirene da polícia soou ao longe. De repente, ela passou de agitada para desesperada. — Não faz o B.O., por favor! Tirei minha habilitação há menos de um mês, não posso levar multas! Agora fazia sentido o nervosismo. Se eu registrasse o boletim, ela corria o risco de perder a carteira. — O problema não é meu! — soltei grosso demais, mesmo sem querer. A verdade é que a presença dela me desequilibrava. — Já disse que pago essa d***a! Ela estava irritada, mas, sinceramente, quanto mais brava, mais sexy ficava. Eu não sabia se xingava por ter batido no meu carro… ou se a puxava para me beijar ali mesmo. Definitivamente, esse não era o tipo de acidente que eu gostaria de ter com ela. Andréia Ele me olhou de cima a baixo, com uma malícia tão óbvia que me senti quase nua na frente dele. — Mesmo que você fosse boa de cama, ainda não valeria o preço do meu carro. Que cachorro! O que esse i****a achava que eu era? Só porque tinha grana, pensava que podia me reduzir a isso? Respirei fundo e soltei, antes que meu orgulho me matasse: — É… e pelo que eu vejo, você também não parece ser o tipo de homem que sabe satisfazer uma mulher no que ela realmente precisa. E não, não estava falando de s**o. Os olhos dele se arregalaram por um segundo, depois arderam como fogo. Ele cerrou os dentes e veio na minha direção. — Posso ajudar? — a voz do policial cortou o ar. O loiro-galã-irritante parou no ato, passando a mão nos cabelos, furioso. Eu quase soltei uma risadinha. Acertei em cheio o ego dele. Bem feito! Mas aí veio o medo: o policial. A sirene. A multa. A minha carteira novinha indo pro espaço. d***a! Quer saber? Que se dane! Eu não ia me humilhar por causa de um playboyzinho mimado. Que fosse lindo e sexy, isso eu admitia. Mas superior? Nunca. — Só estamos conversando… — disse ele, com uma calma suspeita. — Documentos e habilitação. — O policial pegou tudo e logo voltou com o formulário. Meu coração parecia um tambor. As mãos tremiam, os olhos marejavam. Que d***a de dia. — O que aconteceu para que eu possa registrar? Respirei fundo, uma lágrima caiu sem pedir licença. Decidi contar logo a verdade, só pra sair dali de uma vez. — Eu fui mudar de faixa, quando… Mas o loiro me interrompeu. Colocou a mão no ombro do policial e sorriu, o mais cínico dos sorrisos, ainda piscando pra mim. — Não se preocupe, tenente Silvestre. A culpa foi minha. Já disse a ela que pagarei os danos. “Oi?”, pensei. Ele conhecia o policial?! O tenente me olhou, e eu, sem saída, só confirmei com a cabeça. Nervosismo total. — A senhorita não quer registrar ocorrência? Eu olhei para o loiro. Lancei um sorriso diabólico. Ele me devolveu um olhar torto. A tentação de abusar da situação foi grande… mas não. — Não será necessário, seu policial. Acho que ele tem dinheiro de sobra para arcar com os “danos” que “ele” mesmo causou. Fiz aspas com os dedos só para provocá-lo. Ele estreitou os olhos, e eu sorri ainda mais. O policial se despediu, entrou na viatura e saiu devagar, encarando o loiro como quem diz “tô de olho”. Eles definitivamente se conheciam. Suspirei aliviada. Minha habilitação estava salva. Devia agradecer? Talvez… — Que joguinho é esse? — disparei. — Acha que pode me comprar? Que ficasse claro: isso não era gratidão. — Não. Só não suporto ver uma mulher tão linda chorar. … Como é que alguém pode ser tão insuportável e, ao mesmo tempo, deixar a gente sem ar? Bufei, revirando os olhos. Que cara contraditório! Primeiro me ofendeu, depois agiu como se fosse o galã da cidade. Até que… aquilo foi meio fofo. Aff! Confusa, respirei fundo. — Que papinho ridículo! — resmunguei. Ele pegou um cartão do bolso, escreveu algo e me entregou. — Não é papo ridículo. Leve seu carro a esse endereço, mostre este cartão com minha assinatura e eles não cobrarão nada pelo conserto. Não se preocupe com os danos do meu carro, eu resolvo isso. Depois, me liga. — Te ligar para quê? — perguntei, arqueando a sobrancelha. — Para que eu possa te levar para sair. Gostaria de ver esses lindos olhos verdes outra vez — disse, segurando meu queixo com delicadeza. Ah, vai sonhando! Mas, confesso, fiquei abalada com a gentileza dele. Respirei fundo e deixei a raiva falar mais alto do que qualquer sentimento estranho que surgia. Ele podia ser irritante, mas também tinha um charme impossível de ignorar. Joguei o cartão de volta. — Eu não preciso da sua ajuda. Sei me virar sozinha. Entrei no carro e saí antes que a confusão na minha cabeça me fizesse perder o controle. Pelo menos, não precisaria pagar os danos do carro dele. Certamente, nunca mais o veria. Mais adiante, parei no restaurante do meu pai. Tremia de nervoso, sem saber como havia chegado lá. Meu pai percebeu meu estado e a condição do carro. — Filha, você está bem? — Sim… estava vindo para cá quando um i****a cruzou meu caminho e… aconteceu um acidente. Preferi não contar que a culpa fora minha. Depois do acidente da minha mãe, meu pai ficara ainda mais cauteloso e protetor. Ele conferiu se eu estava bem e nada me faltava. Confesso, mesmo sabendo do acidente, não pude deixar de lembrar daquele rapaz… o jeito como ele me olhara parecia capaz de arrancar a alma só com o olhar. — Você precisa ser mais cautelosa ao dirigir. — disse meu pai, sério. — Se não, você não sairá mais de carro. — Eu sei, pai. Prometo ter o triplo de cuidado. — Lembre-se: dirigir é responsabilidade sua e dos outros. Precisamos estar atentos aos erros alheios e, principalmente, aos nossos próprios. Ele me entregou um cartão de uma oficina de confiança de um amigo dele. — Vá a este local e peça um orçamento. Diga que você é filha do seu João. — E o restaurante? — perguntei. Sempre ajudava meu pai nos fins de semana após a missa, para contribuir com a faculdade. — Deixa comigo. Leve o carro à oficina. Segunda-feira começam as aulas, você precisará dele. Ele tinha razão. A passagem de ônibus custava mais que a gasolina, não dava para depender do transporte público. Agradeci e fui embora. Ao chegar na oficina, meu coração disparou. E lá estava ela… a bendita Mercedes… e de costas, o irritante loiro do acidente. Saí do carro e procurei um funcionário para me atender. — Olá, olhos verdes que não usam setas direito. Então, nos encontramos de novo. — Ai, ninguém merece! Eu não vim falar com você… — peguei o cartão da bolsa e li o nome contido nele. Ele me olhou de cima a baixo. p********o! — Edson… Ele sorriu cinicamente. — Acho que você vai gostar dele. Ele é gente boa. — Aproximou-se, quase tocando meu braço. — Trabalha muito bem com as mãos… Vou chamá-lo. Que cara irritante… Aproveitei que ele não estava por perto para observar a oficina. Não era qualquer oficina; só carros de luxo eram consertados ali. Não entendia por que meu pai me mandara para cá, mas confiava na recomendação. Uns minutos depois, o loiro voltou, desta vez vestido com macacão de trabalho. — Só pode ser brincadeira… — resmunguei. — Soube que você estava me procurando. O que posso fazer por você? — disse, com aquele sorriso que me deixava nervosa e curiosa ao mesmo tempo.
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