Andréia
Chegamos de fusca na faculdade. Não tinha como não chamar atenção — só carrões na entrada e, no meio deles, um fusquinha reluzente, tão bem cuidado que parecia ter saído da concessionária naquele dia. Claro que eu jamais admitiria para o Edson que achei o carro bonito.
Encontramos o restante da minha turma. Tocaria no baile de boas-vindas um rock básico. Alex, que fazia dupla com o Fernando e tocava às vezes no restaurante do meu pai, tinha me visto no teclado e logo propôs montarmos uma banda para a festa.
— Esse é o seu carro novo? — Fernando perguntou curioso.
— É... uma longa história. Prefiro não falar sobre isso.
— Vamos logo, o reitor já está perguntando pela banda... — Alex estava claramente irritado.
— Aconteceu alguma coisa?
— Nada demais. Depois da apresentação, quero conversar com você.
Entramos no salão de festas. Desde criança sonhava estudar ali, então cada detalhe me fazia sorrir de satisfação. O salão estava lotado. Nos direcionamos às mesas reservadas para os músicos, logo à frente do palco.
Enquanto eu me sentava, Tati foi até o DJ — não sei se para conferir o som ou para conferir o DJ. Pelo brilho no olhar dela, eu apostaria na segunda opção. Alex e Fernando checaram os microfones e afinações.
Olhei para a mesa ao lado e vi um nome escrito na plaquinha.
— Edson? Não... não pode ser. Seria muito azar meu...
— Não é azar, é destino — ouvi uma voz bem próxima do meu ouvido.
Virei o rosto e dei de cara com os olhos azuis dele, perigosamente perto dos meus lábios.
— Acho que não é o meu dia.
— Fico feliz em te ver novamente, olhos verdes.
— Pena que não posso dizer o mesmo. E, por favor, me chame pelo meu nome.
Ele sorriu de canto e piscou.
— Claro, olhos verdes.
Quando pensei que ele iria me deixar em paz, puxou a cadeira e sentou-se ao meu lado.
— Então... está cuidando direitinho das setas do meu fusca?
Revirei os olhos.
— E você, já consertou o meu carro?
— Ainda não. Mas quando encontro um material de qualidade, prefiro não ter pressa.
Olhei de relance para suas mãos grandes e logo balancei a cabeça, tentando afastar pensamentos perigosos.
— Você está falando do meu Celta, não é?
— Também.
Ele me fitava intensamente. Ok, ele era bonito, mas minha mãe sempre dizia: “quando a esmola é demais, o santo desconfia”.
— Acha mesmo que esse joguinho de sedução vai funcionar comigo?
Ele abriu um sorriso devastador.
— Eu desperto nas mulheres seus instintos mais... primitivos.
— Ah, claro! Estou quase pegando um porrete para bater na sua cabeça.
— Como é que é?
— Uê, não era assim que os homens conquistavam as mulheres nas cavernas?
Ele riu.
— Você tem sempre uma resposta na ponta da língua, não é?
— Faz parte do meu charme.
Ele se inclinou, confiante:
— Me dê uma noite, e você vai se apaixonar por mim.
Não contive a risada.
— Você é muito presunçoso. É mais fácil eu conquistar você.
Agora foi a vez dele rir.
— Está lançado o desafio, olhos verdes.
Edson
Finalmente, ela estava entrando no meu jogo.
— E termina à meia-noite! — ela avisou.
Ah, mas ela estava enganada se pensava que eu a deixaria escapar tão fácil.
— Antes da meia-noite, antes do fusca virar abóbora, já terei colocado as mãos no seu sapatinho de cristal.
Ela franziu a testa, sem acreditar na cantada, mas eu sabia que logo se acostumaria.
O reitor subiu ao palco para explicar a tradição: cada veterano deveria entregar uma rosa a uma caloura. Peguei a minha rosa da mesa e a ofereci. Andréia cruzou os braços e recusou.
Sem desistir, quebrei o caule ao meio e, com cuidado, coloquei atrás da orelha dela. Ficamos tão próximos que percebi sua respiração acelerar, os olhos fixos nos meus.
— Vamos, Andréia, já está na hora. Os meninos estão no palco.
Sua amiga surgiu, salvando-a. Andréia pegou a rosa de trás da orelha, colocou no meu bolso e, com um olhar firme, provocou:
— Só isso que você é capaz? Boa sorte. Essa não funcionou.
Levantou-se e foi até o palco. Eu sabia que tinha funcionado, sim. Ela só não queria admitir.
O reitor anunciou a banda. Eles começaram a tocar. Eu não gostava muito de rock, mas a voz dela... hipnotizava. Outras garotas se aproximaram de mim, mas nenhuma despertava interesse. Meu olhar era só dela.
De repente, ela improvisou um solo no violão. Ajustou o microfone, cruzou as pernas e anunciou:
— Essa é para os casais apaixonados.
E me encarou. Direto.
Começou a cantar com uma entrega que me desmontou. Sua voz encheu o salão e, por um instante, senti um vazio dentro de mim sendo preenchido.
Talvez eu tivesse encontrado, pela primeira vez, alguém que não era apenas mais uma.