Desafio lançado

828 Words
Andréia Chegamos de fusca na faculdade. Não tinha como não chamar atenção — só carrões na entrada e, no meio deles, um fusquinha reluzente, tão bem cuidado que parecia ter saído da concessionária naquele dia. Claro que eu jamais admitiria para o Edson que achei o carro bonito. Encontramos o restante da minha turma. Tocaria no baile de boas-vindas um rock básico. Alex, que fazia dupla com o Fernando e tocava às vezes no restaurante do meu pai, tinha me visto no teclado e logo propôs montarmos uma banda para a festa. — Esse é o seu carro novo? — Fernando perguntou curioso. — É... uma longa história. Prefiro não falar sobre isso. — Vamos logo, o reitor já está perguntando pela banda... — Alex estava claramente irritado. — Aconteceu alguma coisa? — Nada demais. Depois da apresentação, quero conversar com você. Entramos no salão de festas. Desde criança sonhava estudar ali, então cada detalhe me fazia sorrir de satisfação. O salão estava lotado. Nos direcionamos às mesas reservadas para os músicos, logo à frente do palco. Enquanto eu me sentava, Tati foi até o DJ — não sei se para conferir o som ou para conferir o DJ. Pelo brilho no olhar dela, eu apostaria na segunda opção. Alex e Fernando checaram os microfones e afinações. Olhei para a mesa ao lado e vi um nome escrito na plaquinha. — Edson? Não... não pode ser. Seria muito azar meu... — Não é azar, é destino — ouvi uma voz bem próxima do meu ouvido. Virei o rosto e dei de cara com os olhos azuis dele, perigosamente perto dos meus lábios. — Acho que não é o meu dia. — Fico feliz em te ver novamente, olhos verdes. — Pena que não posso dizer o mesmo. E, por favor, me chame pelo meu nome. Ele sorriu de canto e piscou. — Claro, olhos verdes. Quando pensei que ele iria me deixar em paz, puxou a cadeira e sentou-se ao meu lado. — Então... está cuidando direitinho das setas do meu fusca? Revirei os olhos. — E você, já consertou o meu carro? — Ainda não. Mas quando encontro um material de qualidade, prefiro não ter pressa. Olhei de relance para suas mãos grandes e logo balancei a cabeça, tentando afastar pensamentos perigosos. — Você está falando do meu Celta, não é? — Também. Ele me fitava intensamente. Ok, ele era bonito, mas minha mãe sempre dizia: “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. — Acha mesmo que esse joguinho de sedução vai funcionar comigo? Ele abriu um sorriso devastador. — Eu desperto nas mulheres seus instintos mais... primitivos. — Ah, claro! Estou quase pegando um porrete para bater na sua cabeça. — Como é que é? — Uê, não era assim que os homens conquistavam as mulheres nas cavernas? Ele riu. — Você tem sempre uma resposta na ponta da língua, não é? — Faz parte do meu charme. Ele se inclinou, confiante: — Me dê uma noite, e você vai se apaixonar por mim. Não contive a risada. — Você é muito presunçoso. É mais fácil eu conquistar você. Agora foi a vez dele rir. — Está lançado o desafio, olhos verdes. Edson Finalmente, ela estava entrando no meu jogo. — E termina à meia-noite! — ela avisou. Ah, mas ela estava enganada se pensava que eu a deixaria escapar tão fácil. — Antes da meia-noite, antes do fusca virar abóbora, já terei colocado as mãos no seu sapatinho de cristal. Ela franziu a testa, sem acreditar na cantada, mas eu sabia que logo se acostumaria. O reitor subiu ao palco para explicar a tradição: cada veterano deveria entregar uma rosa a uma caloura. Peguei a minha rosa da mesa e a ofereci. Andréia cruzou os braços e recusou. Sem desistir, quebrei o caule ao meio e, com cuidado, coloquei atrás da orelha dela. Ficamos tão próximos que percebi sua respiração acelerar, os olhos fixos nos meus. — Vamos, Andréia, já está na hora. Os meninos estão no palco. Sua amiga surgiu, salvando-a. Andréia pegou a rosa de trás da orelha, colocou no meu bolso e, com um olhar firme, provocou: — Só isso que você é capaz? Boa sorte. Essa não funcionou. Levantou-se e foi até o palco. Eu sabia que tinha funcionado, sim. Ela só não queria admitir. O reitor anunciou a banda. Eles começaram a tocar. Eu não gostava muito de rock, mas a voz dela... hipnotizava. Outras garotas se aproximaram de mim, mas nenhuma despertava interesse. Meu olhar era só dela. De repente, ela improvisou um solo no violão. Ajustou o microfone, cruzou as pernas e anunciou: — Essa é para os casais apaixonados. E me encarou. Direto. Começou a cantar com uma entrega que me desmontou. Sua voz encheu o salão e, por um instante, senti um vazio dentro de mim sendo preenchido. Talvez eu tivesse encontrado, pela primeira vez, alguém que não era apenas mais uma.
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