Capítulo 6

2127 Words
Rafaela narrando O sol ainda nem tinha passado direito pelas frestas da janela quando eu abri os olhos, determinada. Me espreguiço com preguiça, mas logo levanto, murmurando para mim mesma: — É hora de levantar a poeira e conseguir um trabalho. Não dá mais pra ficar parada. Sem perder tempo, fui direto pro banho. A água fria bateu no meu corpo e ajudo a espantar os últimos traços de sono. Depois de se enxugar, vesti um short jeans surrado e uma blusinha simples, mas limpa. Na cozinha, pego um pão dormido, passo margarina e engulo com um gole de café preto, que mais parecia tinta. Ao sair de casa, o calor já subia pelas vielas do morro. eu ajeito os cabelos e vou descendo as escadas com pressa, mas sem perder o cuidado afinal, cada degrau ali era uma armadilha. Foi então que dei de cara com Karina não via há via desde a noite da lanchonete. — E aí, sumida! — disse, sorrindo. — Rafa! — Karina abriu os braços pra um abraço rápido — Tá indo pra onde com essa cara de foco? — Procurar serviço. Hoje eu arrumo alguma coisa, nem que seja pra virar a noite carregando caixa. Karina riu e balanço a cabeça. — Pois então tu escolheu o dia certo! Minha tia e meu tio tão precisando de uma garçonete lá no bar deles. E eu tô indo pra lá agora! Eu arregalo os olhos, surpresa. — Tá brincando? — Nada! Bora comigo. Se tu topar, já fica pra um teste hoje mesmo. Eu nem pensei duas vezes. meus olhos brilharam com a possibilidade. — Bora! Hoje é meu dia mesmo. E com isso, as nos duas seguirmos juntas pela ladeira, rindo e conversando, enquanto aos poucos o Morro ia acordando já tinha umas senhoras nas portas varrendo e os vapores passando de moto. O caminho até o bar foi curto, mas animado. Karina falava sem parar, contando as fofocas mais recentes da comunidade, enquanto eu ia absorvendo tudo em silêncio, com o coração batendo forte. Era a minha chance. Não podia deixar escapar. Quando chegamos, o bar da tia de Karina já estava com as portas abertas, embora ainda meio vazio. Era um lugar simples, mas bem cuidado, com mesas de plástico espalhadas pela calçada e um cheiro bom vindo da cozinha. — Tia Lúcia! — chamo Karina, entrando com comigologo atrás. Uma mulher forte, de avental florido e expressão cansada, surgiu de dentro do balcão, enxugando as mãos no pano de prato. — O que foi, menina? Já chego fazendo bagunça?7 — Bagunça nada! Trouxe solução! — disse Karina com um sorriso maroto— Essa aqui é a Rafaela, minha amiga. Tá procurando serviço, e eu lembrei que a senhora e o tio estavam precisando de ajuda. Dona Lúcia olho pra mim dos pés à cabeça, com aquele olhar de quem não perde tempo com enrolação. — Tem disposição? — Tenho, sim senhora — respondo Rafaela. — Só preciso de uma chance. — Então bora ver se é isso tudo mesmo. A Patrícia falto hoje, então o salão é todo seu. Vê aquelas mesas ali fora? Limpa, organiza, e quando começar a chegar cliente, quero ver se tem jogo de cintura. Eu nem espero um segundo. Pego um pano, enchu um balde d’água e vou direto pra missão. Limpo mesa por mesa com cuidado, alinho as cadeiras, tiro garrafas vazias da noite anterior e até varro a entrada do bar. Karina me observava de longe, com um olhar de orgulho. Por volta das onze, os primeiros clientes começaram a chegar pedreiros da obra ali perto, uma senhora com o neto, um grupo de jovens atrás de uma cerveja gelada. Eu anotava os pedidos com atenção, servia com simpatia e, quando errava, corrigia rápido e com humildade. Seu Zé, que até então estava quieto na cozinha, veio espiar o movimento. — Essa menina aí é ligeira, hein — murmuro pra Dona Lucia. Dona Lúcia cruzo os braços e respondeu com um meio sorriso. — Eu vi. Parece que hoje a sorte bateu na porta dela. No fim do dia, eu estava exausta, mas feliz. Suada, com as mãos cheias de detergente e o avental emprestado da Patrícia, eu se aproximo do balcão. — Fiz o que deu. Espero ter ajudado. Dona Lúcia me encaro, séria como sempre. — Ajudo sim. E se quiser voltar amanhã, o uniforme da casa já é seu. Eu dei um sorriso largo, quase chorando de emoção. Karina mim abraço por trás, comemorando. — Eu disse que era teu dia de sorte! Eu senti que, pela primeira vez em muito tempo, o futuro parecia menos pesado. Talvez, só talvez, as coisas estivessem começando a mudar. Eu respiro fundo, sentindo o vento suave bater no meu rosto. Estava cansado, mas era um cansaço bom, diferente. Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha a sensação de ter dado um passo na direção certa. — Karina — disse, me virando pra minha amiga com um sorriso sincero — obrigada mesmo, de verdade. Eu não sei o que seria de mim sem você hoje. Karina deu um risinho e balanço a cabeça. — Deixa de bobeira, Rafa. Não foi nada. Tu que agarro a chance. Só fiz apresentar o caminho. — Mas foi você que me coloco nele. Isso nunca vou esquecer. — E cê vai me agradecer indo comigo pro baile hoje à noite! — disse Karina, com aquele brilho travesso nos olhos. Eu arregalo os olhos, surpresa. — Baile? — É, mulher! Vai ter lá na quadra do alto, DJ confirmado e tudo. Eu, tu e Dandara. As sete a gente passa lá na tua casa pra se arrumar juntas. Vai ser mara! Eu sorriu largo, empolgada com a ideia. — Ai, vou amar ir com vocês! Tava mesmo precisando me distrair um pouco. — Então fecho! — disse Karina, dando um tapinha no meu ombro. — Se prepara, que hoje é noite de esquecer os perrengues e dançar até o chão! Nos duas rimos, e eu me sentia leve, como há muito tempo não se sentia. O morro ao redor parecia mais bonito, mais vivo. Talvez fosse a gratidão, talvez fosse a promessa de uma noite de festa… ou talvez fosse só o começo de uma nova fase. eu m*l conseguir descansar depois que cheguei em casa. Tomo um banho rápido, prendo o cabelo com uma toalha e fico olhando o armário simples, pensando no que usar. No peito, a ansiedade fazia tanto tempo que eu não saía, despreocupada, pronta pra se divertir. Às sete em ponto, como prometido, bateram na porta. Era Karina, animada como sempre, com um short jeans brilhante na mão, e Dandara, que eu não via desde a aquele dia também o cabelo dela tava trançado com detalhes dourado. — Boa noite, minha estrela do dia! — disse Karina já entrando. — Traz as roupas, Dandara! — Trouxe tudo, mona! Até maquiagem! Hoje a gente vai causar — respondeu Dandara, entrando logo atrás com uma bolsinha recheada. — Rafa, tu tá com uma cara de quem vai casar, mulher! — brinco Karina, me vendo toda empolgada. — Tô feliz, ué. Nem lembro a última vez que me arrumei pra sair! — disse rindo. — Parece que tô vivendo de novo. Nos três se apertamos no meu pequeno quarto. Roupas se espalharam pela cama, som de batidas do funk começando a subir da rua, e a energia no ar era de festa. Dandara abriu a bolsinha e revelo uma verdadeira central de maquiagem. — Senta aqui, Rafa. Vou fazer um delineado que vai parar o baile quando tu pisar lá. Enquanto Dandara fazia a sua mágica com os pincéis, Karina experimentava tops e dançava ao som do celular. eu vesti um vestido justo, que realçava minhas curvas, e deixo o cabelo solto, com alguns cachos nas pontas que Dandara fez com carinho. — Prontas pra causar? — pergunto Karina, se olhando no espelho e jogando um beijo para o reflexo. — Prontas pra viver — respondi, com um brilho nos olhos que vinha de dentro. Nos três se olhamos e sorrimos. Era mais que um rolê. Era liberdade, recomeço. E assim, ao som da batida que já ecoava pelas vielas, nos saímos juntas, lindas, e confiantes. O som do baile já podia ser ouvido de longe. Eu, Karina e Dandara chegamos à quadra, ela já estava lotada luzes piscando, fumaça subindo do palco e uma energia elétrica no ar. — Isso aqui tá pegando fogo, hein! — gritou Dandara, sorrindo largo. — A gente chegou no momento certo! — respondeu Karina, nos puxando pela mão. Agente se espremer entre a multidão até achamos um espaço na pista. Assim que a batida bateu, nos três começamos a se mover, cada uma dançando. eu sentia o som atravessando meu corpo como se a música estivesse limpando tudo de r**m que ainda restava em me. Era como se, ali, só existisse o agora. Foi então que, no meio da dança, uma moça loira se aproximo. Ela tinha os cabelos longos e lisos, um brilho nos olhos verdes e um sorriso aberto, sem vergonha nenhuma. Estava com um com um Vestido lindo, prata que reluzia sob as luzes parecia ter sido feita sob medida. Ela se viro pra mim e falo, alto o bastante pra ser ouvida no meio da batida: — Você é linda... e dança demais! Eu fico, surpresa e um pouco sem jeito, e sorriu. — Poxa, obrigada! — disse, com o rosto quente, mas o sorriso sincero. — Essas aqui são minhas amigas, Karina e Dandara. Karina já se animo, colocando a mão na cintura e avaliando o look da loira com admiração. — Menina, sua roupa tá um babado! Tu é linda demais, sério. A loira riu, divertida. — Obrigada, vocês também! Eu sou a Luna. — Nome bonito! — digo, se aproximando um pouco. — Quer ficar com a gente? Ela assentiu sem pensar duas vezes. — Quero sim! Nos quatro começamos a dançar juntas, em perfeita sintonia. Como se já se se conhece a tempo, os movimentos se encaixava. A pista fervia, a música batia forte, nos quatro eu, Karina, Dandara e Luna dançávamos em perfeita sintonia. Mas nem toda noite boa escapa de um climão. No meio da dança, enquanto eu girava sorrindo, senti um esbarrão forte no ombro. Quase perdi o equilíbrio. Quando viro, dou de cara com Daniele. — Qual foi, Daniele? — pergunto, franzindo a testa. — Qual foi o quê? Só tô dançando. Cê que tá se achando demais, né, querida? — responde com ironia, cruzando os braços. Eu dou um passo à frente, sem abaixar o tom: — Eu só tô vivendo. Se isso te incomoda, o problema é todo teu. Daniele já ia abrir a boca pra retrucar, mas foi interrompida por uma voz fria, logo atrás de mim. — E o que a lanchinho de traficante pensa que tá fazendo, criando confusão no meio do baile? Daniele viro rápido e deu de cara com Luna. Ela agora não sorria. Estava com o olhar afiado, a postura firme e o tom de quem não abaixa pra ninguém. — Oxi, que que tu tá falando? — Daniele retruco, meio sem graça. Mas antes que ela pudesse continuar, dois homens surgiram na pista, abrindo caminho como quem não precisa pedir licença. Um deles era o Rei ele tava de cara fechada, corrente grossa no pescoço, camisa preta colada no corpo. Ao lado, outro rapas bem parecido com ele, seu olhar era atento — Que bagunça é essa aqui? — pergunto Rei, olhando direto pra Luna. Luna manteve a pose, sem hesitar. — A lanchinho de traficante chego dando escorão na minha amiga sem motivo. Rafaela tava só dançando, de boa, quando essa aí veio tirar. Rei olho de lado, o maxilar travado. — Quem é a tua amiga? Luna sorriu de canto e aponto pra mim. — Essa aqui. A Rafa. Rei me olho por um segundo. Seus olhos eram intensos, difíceis de ler, mas ele não disse nada diretamente a mim. Em vez disso, se viro pra Luna. — Sobe pro camarote com o Zoio. Vou resolver essa p***a aqui. Luna franziu o cenho, cruzando os braços. — Eu só subo se minhas amigas forem junto. Rei soltou um leve suspiro de impaciência, mas assentiu com a cabeça. — Leva elas. Luna me puxo delicadamente pelo braço, enquanto Dandara e Karina vinha logo atrás. Daniele fico parada no meio da pista, com o rosto tenso, assistindo nos três subir uma escadaria do camarote. eu, ainda sem entender direito tudo o que estava acontecendo, sentia o coração disparar. O que Luna quis dizer com "lanchinho de traficante"? Por que Rei parecia tão interessado naquela situação?
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