Capítulo 3

1966 Words
Rei narrando Eu estava encostado na grade da laje, cigarro aceso entre os dedos, a vista do Vidigal se espalhando imponente diante de mim. O meu celular vibro no bolso e, ao ver o nome na tela, solto um suspiro demorado antes de atender. — Fala, mãe. Do outro lado da linha, a voz da Natália veio rápida, sem rodeios, como sempre: — É só assim agora, né, Luiz Felipe? Só ligação. Não bota mais os pés aqui na Rocinha! Eu fecho os olhos por um segundo, puxando o cigarro com força. Aquela cobrança era velha conhecida. — Pô, mãe… tu sabe como é que tá aqui. Muito BO rolando, não dá pra eu ficar saindo assim não. — E eu com isso? Sou tua mãe, Luiz Felipe. Eu te criei, tu sabe o que eu passei! Agora que tu tá com esse morro aí nas costas acha que é desculpa pra sumir? A voz dela tremia de raiva e, no fundo, de saudade. Eu mordi o lábio, passando a mão pela nuca, tenso. Eu era dono do morro, sim, mas ali, com a minha mãe, eu não passava de filho. E isso mexia comigo de um jeito que poucos conseguiam. — Eu sei, mãe… eu sei. — Eu soltou a fumaça devagar, tentando acalmar o meu próprio peito. — Não é desculpa não. Só que aqui tá pesado, entende? Tem muita gente querendo derrubar a gente, e eu não posso vacilar. Silêncio do outro lado, só a respiração pesada dela. — Tu acha que eu não sei como é a vida? Tu acha que eu não cresci no meio disso tudo também? Mas não esquece que quem é mãe sente falta, Luiz Felipe. Eu fecho os olhos de novo, engolindo seco. A dureza na voz dela cortava mais que qualquer faca. — Vou dar um jeito, tá? — disse firme, jogando o cigarro fora e olhando pro céu carregado. — Vou tirar uma hora pra ir te ver, eu prometo. Só segura mais um pouco. Ela suspirou, mais calma, mas ainda magoada. — Promessa tua nunca vale muito, Luiz Felipe… mas vou cobrar. Eu deu um sorriso de canto, aquele sorriso que só a mãe conseguia arrancar. — Pode cobrar, mãe. Eu te amo. — Também te amo, moleque. Se cuida, hein? A chamada caiu, e eu ficou ali, parado, olhando a imensidão da cidade lá embaixo. O peso do morro nas minhas costas… e agora, de novo, o peso do coração. Eu passo a mão no meu rosto e murmuro: — Tá f**a… mas eu vou dar um jeito. E, naquele momento, eu soube: o Vidigal podia até ser meu, mas o coração… ainda pertencia à Rocinha. A noite estava pegando fogo na boca. O movimento era intenso, carros subindo e descendo a ladeira, gente encostada nos becos, rádio estourando funk alto. Eu estava sentado na cadeira de plástico, cerveja na mão, observando tudo com aquele olhar atento de predador. Foi quando Daniele apareceu. Ela desceu a viela toda armada, short colado, salto batendo alto no chão de concreto, a cara fechada de ódio. Chego já jogando os cabelos pro lado, sem se importar com quem estava olhando. — Preciso falar contigo, Rei — disparo, já no veneno. Eu nem levanto os olhos de primeira, puxo mais um gole da cerveja e respondo seco: — Fala logo, Daniele. Não tenho o dia todo não. Ela cruzou os braços, o tom de voz aumentando pra chamar atenção: — Essa novata ai… tá se achando demais! Chegou agora e já quer bater de frente comigo. Quem ela pensa que é? Eu finalmente levanto o olhar, frio e letal, encarando Daniele como se estivesse vendo uma criança fazer birra. — Tá falando da novata? — eu perguntou, já sabendo a resposta. — Claro que tô! Aquela folgada... — Daniele continuou, a voz cortante. — Já chegou aqui com peito estufado, me desafiando na frente de geral! Tu vai deixar qualquer uma entrar aqui e querer mandar, é? Eu largo a cerveja do lado, apoiou os cotovelos nos joelhos e olhou bem no fundo dos olhos dela. A minha paciência estava claramente no limite. — Ó, Daniele… — a minhas voz saiu baixa, mas carregada de ameaça. — Eu já tô cheio de BO nesse morro. Muito trampo, muita treta grande rolando. Tu acha mesmo que eu vou parar meu tempo pra ouvir DRAMA DE p**a? A viela fico em silêncio por um segundo, e até o barulho do funk pareceu diminuir. Daniele arregalou os olhos, sem acreditar no que tinha acabado de ouvir. — Rei… cê tá falando sério? — Tô falando sério pra c*****o. — Eu se levanto devagar, e a minha presença parecia aumentar dez vezes mais quando fico de pé. — Se toca, Daniele. Cresce. Se não gosto, vaza. Aqui é morro, não é jardim de infância. Daniele mordeu os lábios, humilhada, mas sabia que peitar me Rei ali era pedir pra se f***r bonito. Ela solto um resmungo qualquer e saiu batendo o salto, a raiva queimando nela. Eu assisti ela ir embora, balançando a cabeça, depois volto a se sentar e acendo um cigarro. — Novata ou não… quem pisa firme fica. Quem chora, cai — murmuro pra mim mesmo, soltando a fumaça devagar. O Vidigal não era pra qualquer um. E Rafaela… estava se mostrando mais forte do que eu esperava. A fumaça do cigarro fazia círculos lentos no ar enquanto eu batucava de leve no braço da cadeira. A minha paciência já estava no limite, e aquele tipo de noite só servia pra azedar ainda mais o meu humor. Foi então que Zoio apareceu subindo a viela, camisa suada, o olhar sempre ligeiro. Ele se aproximo com respeito, mas com aquele sorriso malandro de quem trazia notícia quente. — E aí, chefe… — Zoio falo, passando a mão na nuca. — O playboy lá da pista… aquele que tava devendo os dez mil conto… já tá na salinha. Eu levanto a cabeça devagar, tragando o cigarro com força antes de responder, a minha voz arrastada e carregada de tédio misturado com raiva contida. — Tá amarrado? — Amarradinho — Zoio respondeu, sorrindo de canto. — Quer que eu resolva pra ti? Rapidinho, sem barulho. Eu fico em silêncio por uns segundos, olhando o movimento da boca, depois esmago o cigarro com raiva contra a parede. — Não. — A minha voz saiu firme, seca. — Esse aí eu vou cuidar pessoalmente. Preciso desestressar. Zoio arqueou a sobrancelha, meio surpreso, mas não ousou questionar. — Tranquilo, irmão. Tá no jeito. Rei levanto devagar, ajeito a bermuda no corpo e puxo a camisa de leve pra frente, pronto pra ação. O meu olhar agora era puro gelo, sem nenhuma emoção. — Bora lá — murmuro, já descendo a viela com passos pesados. chegamos na "salinha", um cômodo apertado nos fundos de um barraco, usado só pra resolver esse tipo de BO. Lá dentro, o playboy um cara de uns 25 anos, roupa de grife, tênis caro, mas com a cara completamente lavada de medo estava sentado, com as mãos amarradas pra trás e um pano sujo enfiado na boca. Eu entro e fecho a porta atrás de mim, o silêncio pesado quase sufocante. Eu olho o cara de cima a baixo, aquele olhar que atravessava até a alma, e depois puxo uma cadeira, sentando bem na frente dele, tranquilo, como se fossemos apenas dois amigos conversando. — E aí, parceiro — Rei começo, a minha voz calma, mas cortante. — Tava achando que era brincadeira, né? O cara tento falar algo, mas só saiu um grunhido abafado pelo pano. Eu solto uma risada curta, sem humor nenhuma. — Não precisa falar não… eu já sei a história toda. Tu meteu o louco, fez dívida grande, depois quis sumir achando que ninguém ia te cobrar. Só que aqui… — eu se inclino pra frente, quase encostando o rosto no dele — ...aqui, irmão, a conta sempre chega. Eu tiro o pano devagar da boca do cara, que começo a chorar e implorar: — Rei, pelo amor de Deus… eu vou pagar, eu juro! Só preciso de mais uns dias… Eu levanto, estalando os dedos devagar, a calma assustadora demais. — Não tem mais dia nenhum pra tu. Hoje tu vai aprender a não brincar com quem não deve. E, sem pressa, eu fecho a porta atrás de mim, deixando só o barulho abafado dos primeiros gritos ecoando no corredor. Era só mais uma noite normal no Vidigal. O playboy tremia. Suava frio. Tentava a todo custo manter a postura, mas os olhos arregalados entregavam o medo. Eu estava ali, calmo, metódico. Em cima da mesa, uma faca afiada, um alicate enferrujado, uma marreta pesada e um maçarico ainda apagado. — Dez mil não é trocado, playboy — falo com a voz baixa, arrastada, enquanto pego a faca e brinco com a lâmina entre os dedos. — E você acho que podia passar a perna em mim? Aqui não é zona sul. Aqui é o morro. E aqui… a cobrança é diferente. O cara começo a balbuciar, implorar, a voz trêmula: — Rei, eu juro, vou conseguir o dinheiro. Só mais uns dias… Sorrio de canto, frio, sem nenhuma pressa. Se aproximo, ajoelhou-se na frente dele e levanto o queixo do rapaz com a ponta da faca. — Já teve tempo demais. Sem mais aviso, pego o alicate e segurou firme um dos dedos do playboy. O grito ecoou na sala quando aperto com força, sem nem piscar. Lento, calculado, faço questão de prolongar a dor. — Cada centavo tem um preço, entendeu? — murmuro, soltando o dedo ensanguentado e trocando de ferramenta. Agora era a vez da marreta. Eu a levanto devagar, observando os olhos desesperados da vítima. — Rei, pelo amor de Deus, não! Eu vou pagar! Eu juro! — choramingava o playboy, a respiração entrecortada. — Eu sei que vai — respondi, antes de descer a marreta sobre a mão do cara, quebrando ossos num estalo seco. — Cada dívida tem seu preço. E o seu? — Ele levantou a marreta e deu uma pancada seca na perna dele que urrou de dor, contorcendo-se na cadeira. Se inclino, sussurrando no ouvido do homem, a voz grave e sem pressa: — Daqui, você não sai andando. Só vai sair no caixão. Eu já avisei pra todo mundo: comigo não tem moleza. Não pagou… morreu. Lá fora, ninguém ousava se aproximar. Todos sabiam: quando eu estava na salinha… era sentença de morte. Pego maçarico na mesa e começo a aproximar da sua fase. O cheiro de carne queimada começo a se espalhar pela salinha, misturando-se com os gritos sufocados do playboy. Eu nem piscava. Os meus olhos frios seguiam cada movimento desesperado enquanto eu encostava o maçarico na pele do homem, marcando cada dívida não paga como se fosse ferro em brasa. O corpo já estava mole, sem força para lutar. Eu desligo o maçarico, jogo a ferramenta de lado e, com um último olhar de desprezo, saco a arma da cintura. Sem enrolar, encosto na testa do cara. — Acabou o tempo, playboy. O disparo ecoou seco na sala, silenciando tudo. Eu fico em pé por um segundo, olhando o corpo sem vida. Depois, viro para meus Vapores que esperavam do lado de fora. Abri a porta devagar, a expressão dura. — Embala ele — ordeno, a minha voz cortante. — E entrega na porta da mãe dele. Diz que dívida comigo não termina em conversa. Os vapores apenas assentiram, pegando o corpo sem questionar. Eu acendi um cigarro, encostando na parede do lado de fora, enquanto observava os homens arrastarem o cadáver. — Mais um exemplo… — murmuro para mim mesma, soltando a fumaça devagar. — Aqui, ou paga… ou morre.
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