A audácia de Mirian

2481 Words
— Mirian?! — Sentiu uma pontada no seu peito enquanto abria a porta, mas logo relaxou quando viu que Mirian estava bem. Entretanto, havia um homem na cozinha junto a Mirian, ele estava mexendo numa frigideira no fogo, com peixe dentro e Mirian estava atrás dele se abanando. Pelo que se lembrava, a voz que escutou era do garoto, "ou a maioria das vozes de homens j*******s eram iguais?" Pensou. — Esse é o Jean? — Malberina perguntou franzindo o cenho. Mirian balançou a cabeça afirmando e sorriu. — É. — Mirian correu para perto da irmã. — Eu estava na horta, ai ele me cumprimentou. Perguntei onde vendia comida, ele disse que me levaria porque era longe. Ele foi muito legal não é, m*l? — Começou a roer as unhas. Malberina relaxou o rosto e disse: — Assim que eu terminar de me vestir conversaremos. — Ela olhou para a toalha enrolada na sua cintura e os dois na cozinha olharam também. Malberina deu um leve sorriso e entrou para seu quarto de cabeça baixa o fechando. — Como eu vou advertir os dois sem uma roupa adequada? Eu tinha que aparecer de toalha? — Murmurou. Depois que Malberina se vestiu voltou para sala. Jean ainda estava cozinhando e quando a viu desvio o olhar. Mirian foi até ela e disse: — Quase me queimei, a panela tinha dado um fogo grande quando eu estava tentando fritar o peixe, mas o Jean logo apagou e não queimou a comida, desculpe eu te assustar, me perdoa? — Deu um grande sorriso, acariciou a mão da irmã e beijou. — Mais tarde nós vamos conversar, “Anjinho”. — m*l, olha só para aquela visão. — Olhou de soslaio para Jean. — Tem um cara p**a gato cozinhando pra nós. — Jean era realmente bonito, diferente de mais cedo, agora estava bem arrumado, usando um terno azul claro, com os cabelos penteados para trás e sem a máscara. Ele parecia um CEO jovem que saiu de um dos doramas de Mirian, mas mesmo que ele fosse lindo de morrer Malberina não aceitaria que Mirian saísse sozinha com um estranho. Ele ainda teve a ousadia de entrar na casa de uma menor de idade e cozinhar com ela enquanto sua irmã mais velha estava dormindo. Os dois estavam praticamente sozinhos e sabe lá há quanto tempo. Malberina respirou fundo e colocou seu melhor sorriso simpático. Chamou a irmã para acompanhá-la até onde Jean estava e disse: — Pergunte a esse homem o que ele tinha na cabeça quando saiu sozinho com uma menor de idade sem a autorização do responsável dela. — Malberina olhava para Jean esperando Mirian traduzir para ele, mas Mirian estava indecisa entre traduzir ou não. Enquanto isso, Jean oscilava o olhar entre Mirian e Malberina, e mesmo ela não aparentando, ele entendia que ela não estava feliz com tamanha intromissão da parte dele. Quando ele a viu na horta Mirian disse para ele que a irmã a deu um cartão de crédito internacional para fazer as compras que ela precisasse, então ele fez a gentileza de mostrar os comércios e a ajudou a comprar várias coisas, como panelas, frigideira, pratos, talheres, copos, cobertores e muita comida, principalmente peixe. Mirian comprou tudo que deu na telha e ainda queria mais. Ele resolveu comprar algo para a irmã dela para se comunicarem melhor, era um aparelho tradutor, era só apertar um botão para falar que ele traduzia para o idioma que quisesse, não foi um aparelho fácil de achar e ele estava um pouco cansado de andar pela cidade. Já Mirian, a garota estava tão entretida com tudo que havia pela frente que nem se deu conta da demora. Voltando para casa, no carro, a moça perguntou coisas um tanto “íntimas”, como o tipo de mulher dele, se ele usava maquiagem, qual hidratante de pele usava e várias outras perguntas, mas a que mais ficou surpreso foi quando ela perguntou se ele achava Malberina bonita e ele respondeu com sinceridade que sim e o pior, ou melhor, foi o comentário seguinte de Mirian dizendo “ela é uma boa pessoa, parece burra, mas é gostosa e sabe fazer uma ótima comida. Se quiser se aproximar dela eu apoio”, a forma como a garota era informal com uma pessoa que acabou de conhecer era um pouco incomodante, mas relevou por ela ser estrangeira e do Brasil, um país que dizem que as pessoas são bem mais “liberais”, muito divertidas e acolhedoras com estrangeiros. Ela ficou esperando uma resposta, mas como ele não sabia o que falar apenas disse “ok”. Quando chegaram ao prédio, apesar de ter elevador, Mirian tinha muitas compras para carregar então Jean precisou ajudá-la a levar as compras do térreo para o primeiro andar. Chegando ao apartamento Jean deixou as comprar em cima da mesa e decidiu ir embora, mas a moça, além de gastadora, era oportunista e puxou assunto com ele sobre comida, ele revelou que adorava cozinhar, ela revelou que não sabia fritar um ovo e estava com muita fome. Poderia até ser atriz de teatro, pois estava dando um show dizendo que a barriga estava doendo de tanta fome e que não podia acordar a irmã para fazer, pois iria brigar com ela. Ele não se sentiu muito confortável em ficar tanto tempo na casa de inquilinos que acabaram de chegar e cozinhar para uma garota, que apesar de fofa e ousada, estava abusando demais da sua paciência e boa vontade, mas Mirian estava tão desesperada por comida, ou atenção, que ele cedeu. Ela até pediu para tentar cozinhar e ser ensinada, estava tão entretida com ele que nem percebeu quando parou de chamá-lo por senhor Yoshida e passou a chamá-lo apenas por Jean... — Mirian, eu estou esperando. — Malberina cruzou os braços. Pela forma como Malberina estava agindo Jean entendeu que ela queria dizer algo para ele. Jean desligou o fogo, suspirou e pediu a Mirian que desse para Malberina o tradutor que ele comprou. Mirian pegou o aparelho dentro de uma sacola em cima da mesa e deu para Malberina. — É um tradutor, vocês vão poder conversar agora. Clica aqui e diz o que quer para ele. — Mirian apontou para um botão. O aparelho era preto e parecia um controle de TV, foi legal ela ter comprado isso, mas Malberina não entendia da onde ela tirou dinheiro para comprar todas essas coisas. Só poderia ser o Jean, pois Mirian não tem dinheiro suficiente para pagar nem um terço dessas compras. Malberina pagaria por tudo que ele comprou. Aquilo não estava nem um pouco certo para ela; ele era um homem esquisito. Ninguém compra essas coisas para alguém que acabou de conhecer. Malberina apertou o botão e falou: — Não pode chegar à casa de alguém que acabou de conhecer e nem sair com uma garota de menor sem a permissão de seu responsável. — Logo depois uma voz computadorizada traduziu. Malberina mantinha seu sorriso no rosto, Jean suspirou e estendeu a mão para ela dar o tradutor apertando outro botão para traduzir em português. — Entendo o seu medo, mas o senhor Sato nos viu saindo e pedi a ele para avisar você caso a visse. Sei que não me conhece, mas como o dono da propriedade e seu vizinho, sugiro que nós possamos deixar esse assunto como acabado e nos dar bem. Verá que não sou alguém r**m. — Jean a encarava sério e ela não se intimidou, não iria deixá-lo achando que pode tudo só por ser o dono do apartamento. Enquanto isso, Mirian mantinha a cabeça baixa torcendo para que a irmã não ficasse “p**a da vida”. Malberina pegou o tradutor de volta e disse: — Diga quanto gastou com tudo isso, irei pagar. Depois você poderá fazer o favor de sair da casa que aluguei, seremos bons vizinhos, mas que essa atitude não se repita. Mirian é minha responsabilidade, se algo acontece com ela eu não respondo por mim. — Malberina estava mudando a feição, estava ficando séria até que Mirian correu para os braços dela a abraçando e dando selinhos em seu rosto. — Que bom que não está brava, minha irmãzinha querida. Ah, eu peguei seu cartão escondido, diga para o Jean que você esqueceu que me deu o cartão pra ele não ficar bravo comigo. E não fica nervosa por minha causa, de todo modo, você queria pagar por essas coisas. Deixa que eu mesma falo com ele que você esqueceu. — Mirian tirou o aparelho da mão dela para ela não falar nada. Malberina abre a boca surpresa e Mirian se dirige a Jean o dizendo em japonês que Malberina não se lembrava de ter dado o cartão para ela. Também o disse que a irmã gostou do presente e pediu para ele ir embora para que a irmã entendesse que ele concordou com ela. Com medo dele entender m*l, afirmou de forma desesperada que não estava o expulsando. No fim deu um grande suspiro e sorriu. Jean assentiu e se despediu curvando a cabeça para as duas. Calçou seus sapatos e saiu fechando a porta em seguida. — Agora... Vamos descobrir quanto à madame mentirosa gastou? Diz ai o preço, anda. — Malberina cruzou os braços. — Bem... Eu não sou boa de contas... — Já começou mentindo, Mirian? — Malberina passou a mão pelo cabelo e suspirou. Se Mirian continuasse mentindo daria um castigo bem merecido nela. Ela conseguiu deixar seu dia bem cansativo. — Mas... — Mirian levantou o dedo indicador. — Tudo isso em reais deve dar uns 900. Eu comprei uns peixinhos caros sabe... Você gosta bastante de peixe, não é? — Sorriu sem graça. Malberina respirou fundo e pensou em algo para corrigir a irmã. — Já que você fez a gentileza de comprar peixe, algo que você gosta, não eu... Vou fazer a gentileza de fazer berinjela, algo que você não gosta e comerá a semana inteira. Pode reclamar o quanto quiser do gosto, quer vomitar? Vomita, mas vai comer. Vou ser obrigada a comer peixe também e talvez engasgar e furar minha garganta no processo. Talvez eu coloque jiló dentro do peixe também, tem na horta. O que acha, Mirian? — Não vou dizer onde é o mercado, não vai comprar berinjela! — Mirian cruzou os braços, elevando a cabeça. — Não? — Riu e puxou o tradutor da mão da irmã. — Eu pergunto para o senhor Sato. — Saiu andando até a porta a abrindo e Mirian foi atrás. — m*l, me desculpa. Eu não faço de novo. — Mirian ficou com a voz embargada, querendo chorar. — Que drama, Mirian. Nunca caí na dos seus choros, acha que vou cair agora? — Olhou para a irmã de braços cruzados esperando uma resposta. — Eu vou pro meu quarto. Desculpa. — Abaixou a cabeça e saiu andando. Não queria que a irmã ficasse mais nervosa e desse um castigo pior. Malberina foi realmente perguntar ao senhor Sato onde se comprava berinjelas e Mirian passou a semana inteira comendo peixe e berinjela. Um dia era berinjela empanada e frita em rodelas, outro dia era peixe recheado com berinjela, berinjela com arroz, quibe vegano de berinjela e Mirian comeu tudo, mas a contragosto... Depois de uma semana enjoativa de peixe e berinjela, Malberina acordou bem disposta. Agora sim ela compraria comidas diferentes e faria pratos bem nutritivos e com feijão, coisa que Mirian não tinha comprado. Ainda precisaria lavar o banheiro, passar pano na casa, comprar cômodas para os dois quartos e várias outras coisas. Para o primeiro mês aqui teria que gastar muito dinheiro, depois disso seu pai mandaria uma quantia sólida mensalmente para as despesas, quantia essa que ela ainda tem que decidir para dizer ao pai, não poderia pedir muito, mas também não poderia pedir muito pouco. Malberina ainda precisava ir à escola de Mirian, ver que dia começariam as aulas, comprar o uniforme, seu carro... Talvez deixasse de lado a ideia de ter um carro, seu pai ficaria muito bravo por estar gastando tanto dinheiro. Eram muitas as coisas que tinha que se preocupar, mas hoje ela queria apenas se preocupar em arrumar a casa e comprar comida, talvez achar uma lavanderia também... Malberina vestiu uma regata e um short de moletom, hoje iria suar muito, seria um dia cheio e só eram sete horas da manhã. Descalça, com o cabelo em um coque para disfarçar que estava todo embaraçado ela saiu com seu tradutor para ir até a portaria perguntar ao senhor Sato se ele sabia onde tinha uma lavanderia. Ela poderia ter olhado no Google, mas gostava muito de conversar com as pessoas, mesmo que precisasse de um tradutor para isso. — Ohayōgozaimasu! — (Bom dia!) Disse e senhor Sato sorriu para ela. Jean estava do lado dele com uma xícara na mão e então o cumprimentou também, ela reparou que ele a encarou de cima a baixo por um tempo, mas ignorando isso ela pegou seu tradutor. — Sabem se por aqui tem uma lavanderia? Ainda não tenho máquina de lavar. — Ela colocou o tradutor em cima do balcão e esperou algum dos dois se pronunciar. Antes que o senhor Sato falasse algo Jean pegou o tradutor. — Por coincidência também não tenho máquina e eu vou levar hoje minhas roupas na lavanderia, posso te levar junto. — Sorriu e senhor Sato arqueou a sobrancelha. — Que horas quer ir? Eles abrem oito horas. — Jean devolveu o tradutor, mas ela apenas mostrou oito dedos na mão e sorriu dando as costas aos dois. — Sayōnara! — (Tchau!) Se despediu dos dois balançando as mãos no ar. — Ela é muito fofa, não acha? Se parece com minha filha mais nova e ela só tem sete anos. E que história é essa que você vai lavar roupas hoje? Não ia ver sua mãe? — Pegou uma garrafa de café em baixo do balcão e um copo, colocou café e tomou de uma só vez. Jean olhou a cena incrédulo. — Viciou em cafeína? Não faça mais isso, pode te fazer m*l tomar tanto café. Depois vou te dar chá. Ah, eu ia sim ver minha mãe hoje, mas parece que vou ligar para ela e adiar. Quero conhecer mais a vizinha estrangeira. — Você quer é saber a vida inteira dela, seu intrometido! Já da para ver que são boas pessoas. Elas não vão esquartejar nenhum corpo com aqueles rostinhos fofos. — Senhor Sato riu e Jean o acompanhou. — Ela e a irmã são muito animadas. — Sim, Mirian parece que tomou uma garrafa de café e Malberina é uma graça, acho que nunca para de sorrir. — Sorriu com o canto da boca e tomou um gole do seu chá.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD