Dafne estava sentada na cozinha; gostava de se refugiar ali. As dores já tinham passado, e só precisava retornar na avaliação médica.
O relógio marcava quase nove da manhã. Do lado de fora, o sol batia com força, mas ali dentro o ar-condicionado deixava o ambiente agradável.
Hera montava o cardápio quinzenal da mansão. Parecia concentrada, mas havia tristeza nos olhos — uma tristeza que Dafne conhecia bem.
A casa da mãe de Hera estava penhorada. O pai de Hera havia morrido, e só depois da morte descobriram as dívidas e a hipoteca da casa. Era por isso que ela trabalhava ali, naquela mansão.Nero e Dionísio pagavam bem, mas Dafne suspeitava que Hera ainda não tivesse o dinheiro suficiente — e não era fácil juntar dinheiro sendo uma mulher sozinha.
— Ainda não tem o dinheiro, né, Hera? — perguntou Dafne. Preocupava-se com a amiga, porque Hera era o único afeto sincero dentro daquela casa, alguém que a ajudava a desviar do estresse de Dionísio.
Hera suspirou fundo, virou-se devagar e encostou a colher na pia.
— Falta muito, Dafne... mas tenho que dar um jeito ou minha mãe perde a casa, e eu não posso deixar isso acontecer. — Olhou para o chão, evitando encarar Dafne. — Mas o dinheiro que eu e minha mãe economizamos não dá nem pra metade.
Dafne ficou em silêncio por um instante, pensando, até que uma ideia surgiu.
— Eu posso pedir ao Dionísio. Ele não controla o dinheiro assim, não.
Hera se virou de repente, os olhos alarmados.
— Não, Dafne, porque se pedir a ele, vai ter que dizer que é pra mim. E Deus me livre de dever um favor pra ele. Isso é o que eu mais temo. Prefiro ir morar embaixo da ponte a dever para o próprio di.abo. Isso não. Eu venderia a alma, pra não dever nada pra ele.
Dafne apoiou o rosto nas mãos, cansada.
Sabia que Hera tinha razão — Dionísio cobrava cada favor como se fosse uma dívida eterna.
— Vai fazer o quê então, Hera? Não pode perder a casa. Você dorme muitos dias aqui, mas sua mãe não. Vão ter que pagar aluguel ou morar em um hotel, e vai ficar pior... talvez a gente possa vender as minhas joias. Acho que, se juntar tudo e com o dinheiro que você já tem, possa resolver.
Hera negou com a cabeça.
— Não posso aceitar, Dafne, não mesmo, porque nunca vou ter como pagar você.
— Mas não vou querer pagamento, Hera, juro que não.
Hera respirou fundo antes de dizer:
— Se até o próximo mês eu não encontrar uma solução, Dafne... vendo minha vir.gindade e consigo o restante do valor.
Dafne endireitou o corpo, assustada com o que ouvira.
— Ficou louca, Hera?
Hera deu de ombros, um gesto lento, derrotado.
— Louca, não. Desesperada. Mas não tenho outra ideia melhor, Dafne... não tenho. E se eu vender a minha virgin.dade, consigo o dinheiro, pago a casa, vendo e compro uma melhor, e talvez sobre um pouquinho pra investir em um café pra minha mãe. Vamos viver mais tranquilas.
— Mas a que custo, Hera?
— É só virgind.ade, Dafne, e daí?
___ E se a pessoa que comprar não for gentil? Hera, vai sair traumatizada.
— Ficarei é traumatizada se minha mãe ficar sem casa. Eu também. Tenho que fazer algumas escolhas, não tem jeito, não...
Dafne olhou para a amiga. No fundo, sabia que Hera tinha razão, mas a vida não devia ser assim — não mesmo.
— Eu sinto muito, Hera.
— Não, não. Se eu precisar fazer, não vou ficar desesperada. Não sofra, Dafne. Em lugar nenhum o mundo é justo, então tem mais pessoas no mundo sofrendo, e eu ao menos tenho uma solução.
Elas se abraçaram, e aquele abraço teve mais sinceridade do que tudo o que existia naquela casa.
Dafne saiu da cozinha, caminhando pelo corredor ainda emocionada, e foi quando deu de cara com Nero.
Parou de repente, os olhos arregalados.
Ele também parou, perto demais dela.
— Sabe, Dafne, às vezes demonstrar medo, pra um homem como eu, é pior. Porque o seu medo, me faz despertar e a vontade de caçar você..
— Sou mulher do Dionísio.
Nero riu, baixo, com sarcasmo.
— Não é. Ele é um id.iota, e não casou de verdade com você. E você não gosta dele.. Gosta, Dafne?
— Não. Eu o odeio.
— Por quê?
Mas ela não respondeu. Passou rápido, por debaixo do braço dele, e fugiu para o quarto.Nero ficou parado por um momento, observando o corredor vazio.
Depois caminhou em direção à área da piscina.
Pouco depois, Zeno chegou. Parou ao lado dele, o semblante cansado.
— Posso pedir demissão do emprego, senhor?
— Por que tanta pressa em sair, Zeno?
— Não aguento mais esse lugar, senhor. Quando entrei pra polícia, tinha outra visão do mundo. Mas o mundo de lá é mais sujo do que o mundo que o senhor governa. E nem pagam tão bem assim.
Nero o olhou, calmo.
— Em breve, mais alguns meses, e você vai embora. Mas preciso de você ainda, porque preciso de algumas informações.
— Entendi, senhor. Entendi… posso ir? — perguntou Zeno.
— Pode. Pode sair, Zeno. — Nero respondeu
Zeno se afastou. Logo em seguida, Dionísio apareceu na beira da piscina, o cabelo em desalinho, o rosto marcado pela noite.
— O que houve? — Nero perguntou.
— Minha cabeça explode, preciso de uma bebida.
— Se beber vai ficar sem alguns dedos. E dessa vez não vou quebrar, vou cortar. E se beber ao ponto de trocar as pernas, terá que mudar daqui, Dionísio. — Nero avisou, sem perder a calma.
Dionísio se levantou, sempre foram próximos, mesmo com o irmão preso, algumas vezes Dionísio dormia no presidio para poder ficar perto do irmao.
— Nero, somos irmãos.
__ Eu sei, sabe que amo você, mas estou trazendo você de volta à vida. Se beber uma dose, arranco dois dedods seus, se beber a ponto de trocar as pernas, corto dois dedos e ainda estipulo a ordem pra você se mudar e não levar a Dafne. —
— Porr@ que não. Ela é minha mulher. — rosnou Dionísio.
— Não é. Não se casou com ela... nisso, foi um idiot@.. E não foi a médico.
— Não, porque provavelmente tenho que tirar o projetil de dentro da minha cabeça... e não estou afim de ir… — Dionísio respondeu
— Larga de covardia, Dionísio
Dionísio não respondeu. A cabeça doía com força; ele se deitou na espreguiçadeira, curvando-se de dor.
— Vá ao médico, inferno...
Nero se ajoelhou perto do irmão, passou a mão no rosto dele.
— Não vou obrigar você, porque é um homem feito,mas vai ter consequências, vou marcar a consulta e espero você amanhã pela manhã, mas não vou obrigar, porque a decisão é sua , mas antes de beber e continuar sendo um bebum, pense nas consequências.