Acontecimentos

1042 Words
Nero estava sentado na área da piscina, o olhar perdido na água imóvel, quando a governanta da casa se aproximou. Chamava-se Hera — e era mais jovem do que se esperava de uma mulher naquele cargo. Educada, discreta, de fala calma e fugia de Dioniso como quem fugia da cruz, porque também tinha medo dele. — Senhor, sua mãe ligou. — Ela manteve as mãos juntas, a voz respeitosa. — Disse que deseja passar uns dias aqui. Nero ergueu o olhar, sem alterar o tom. — Diga a ela, Hera, que deve ficar na casa que comprei para ela. Eu irei visitá-la, mas não aqui. — Devo dizer mais alguma coisa, senhor? — Não. Amanhã eu mesmo falo com ela. Não tinha problemas com a mãe. Mas desde a prisão, as visitas haviam se tornado um fardo. Toda vez que ela o via nas visitas de domingo, chorava — crises longas, sufocantes, que o deixavam sem palavras. Por isso, quando teve dinheiro e poder, comprou-lhe uma casa em uma ilha e mandou que a tia dele e de Dionísio cuidasse dela. Ainda a amava, mas não a queria perto daquela mansão, porque antes de ser aquela fortaleza, aquela mansão havia sido uma casa de família , a família deles.Aquela casa guardava memórias demais. E não desejava que a mãe acessasse aqueas memórias.. Não mesmo. Pouco depois, Dionísio se aproximou, sentando-se ao lado dele. — Nossa mãe ligou. — Eu sei, mas ela vai para a casa que dei pra ela perto daqui e depois volta para a casa na ilha. — Por que não conta a verdade pra ela, Nero? Ela precisa saber a verdade, saber que não foi você? — Pra quê, Dionísio? Eu paguei pelo crime. Pra que vou contar? Não, não. Deixe como está. ___ Eu e você sabemos que não matou a Abla. Nero fez um gesto positivo e disse: __ e juramos que ninguém mais saberia disso. — Você nunca amou a Abla, amou? Nero riu. — Não, não, nem perto disso... Mas, Dionísio, o que eu disse a você? O irmão se levantou. — Sente-se. Me deve lealdade também, sou o seu capo. Sente-se. Dionísio sentou, e Nero pegou a mão do irmão. Foram dois dedos quebrados. — Ah, dr.oga, Nero! Não precisava! — Eu disse pra não beber. — Minha cabeça dói, Nero, só passa com bebida! — Então vá a um médico, você é um homem, não um garoto. Vá ao médico, diga o que acontece, ou vai ficar com todos os dedos quebrados. — Não gosto de médicos. — Não me interessa. — Nero respondeu, a voz firme. — Se continuar chegando bêbado, vou te dar um castigo pi.or. Eu sabia que bebia, mas não a esse ponto. Ameaçou os homens pra não contarem, não foi? — Ameacei… amecei, não queria que soubesse. — Pois procure uma solução. Dionísio se levantou, pronto para sair, mas Nero o chamou: — Por que não se casou no cartório com Dafne? — Porque não achei necessário. Nero o olhou por um instante, sem pressa. e riu — Você é um idi.ota. Vai acabar perdendo ela. — Não vou. Ninguém nessa cidade tem peito pra me enfrentar. Nero riu baixo. — É mesmo, Dionísio? __ Claro que não tem, ela fica comigo até o fim da vida. O irmão apenas lançou um olhar em resposta, sem dizer mais nada, e saiu. Nero caminhou até a entrada da casa. Ia sair — tinha assuntos para resolver —, mas parou diante da porta do quarto de Dafne e Dionísio. Não tinha a intenção de entrar, mas sentiu o perfume dela. Abriu a porta. Ela estava deitada, nua, com um vestido nas mãos;; Nero ficou imóvel, fascinado, com a beleza dela, Dafne percebeu, cobriu-se num movimento rápido e o encarou, assustada. — Por favor... você também não. Saia. — Não tive intenção... vim ver como estava, me esqueci de ba.ter — Estou bem. Saia, preciso me vestir. Nero hesitou por um instante, o olhar pesado sobre ela, antes de fechar a porta., Dafne ficou parada por alguns segundos, o coração batendo alto demais dentro do peito. Segurava o vestido com as mãos trêmulas, como se o tecido fino fosse a única defesa que lhe restava. Tentou respirar fundo, mas o ar não vinha. Demorou para encontrar forças; os dedos falhavam, e só depois de várias tentativas conseguiu vestir-se por completo, se deitou novamente, tentando se acalmar. Pouco depois, Hera entrou no quarto com uma bandeja nas mãos — frutas frescas, pão e uma xícara de chá. — Precisa se alimentar bem e beber bastante água, senhora. Como está? — perguntou pousando a bandeja sobre a mesinha ao lado da cama. — Bem... bem. — respondeu Dafne, sem convicção. Hera a observou com o olhar de quem nota mais do que deveria. — Mas está tão pálida... não acha que precisa de outra avaliação médica? — Não, Hera, estou bem. Vou ficar bem. — Dafne insistiu, tentando parecer firme.— Não encontrei a chave da minha porta. — acrescentou, após um instante de silêncio. Hera abaixou a cabeça. — O senhor Dionísio deu ordem para tirar. Eu obedeci. Sabe que estou do seu lado, mas preciso desse emprego. Se eu a contrariasse, seria demitida. Dafne respirou fundo, sentindo uma mistura amarga de resignação e tristeza. — Eu sei, Hera. Eu sei... está tudo bem. Quem está na casa, Hera? — Só os seguranças e as funcionárias. O senhor Nero saiu , e o senhor Dionísio também. Está um dia bonito, pegue um pouco de sol. — disse a mulher, tentando trazer algum ânimo.— Leveo a bandeja, não pode pegar o peso. Dafne então caminhou até a área externa e se sentou em uma das mesas próximas à piscina.O sol refletia na água azulada, criando pequenas cintilações que pareciam enganar os olhos. Era linda, aquela piscina , mas ela andava deprimida. Queria poder sair, ver gente, ir a um teatro, visitar um museu, sentar-se em um café com Hera e rir de coisas simples.Mas não podia. Não podia ir a lugar algum, nem decidir sobre a própria rotina. Tudo o que lhe restava era observar o reflexo do céu sobre a água e imaginar como seria respirar sem pedir permissão.
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