Nero estava sentado na área da piscina, o olhar perdido na água imóvel, quando a governanta da casa se aproximou. Chamava-se Hera — e era mais jovem do que se esperava de uma mulher naquele cargo. Educada, discreta, de fala calma e fugia de Dioniso como quem fugia da cruz, porque também tinha medo dele.
— Senhor, sua mãe ligou. — Ela manteve as mãos juntas, a voz respeitosa. — Disse que deseja passar uns dias aqui.
Nero ergueu o olhar, sem alterar o tom.
— Diga a ela, Hera, que deve ficar na casa que comprei para ela. Eu irei visitá-la, mas não aqui.
— Devo dizer mais alguma coisa, senhor?
— Não. Amanhã eu mesmo falo com ela.
Não tinha problemas com a mãe. Mas desde a prisão, as visitas haviam se tornado um fardo. Toda vez que ela o via nas visitas de domingo, chorava — crises longas, sufocantes, que o deixavam sem palavras. Por isso, quando teve dinheiro e poder, comprou-lhe uma casa em uma ilha e mandou que a tia dele e de Dionísio cuidasse dela. Ainda a amava, mas não a queria perto daquela mansão, porque antes de ser aquela fortaleza, aquela mansão havia sido uma casa de família , a família deles.Aquela casa guardava memórias demais. E não desejava que a mãe acessasse aqueas memórias.. Não mesmo.
Pouco depois, Dionísio se aproximou, sentando-se ao lado dele.
— Nossa mãe ligou.
— Eu sei, mas ela vai para a casa que dei pra ela perto daqui e depois volta para a casa na ilha.
— Por que não conta a verdade pra ela, Nero? Ela precisa saber a verdade, saber que não foi você?
— Pra quê, Dionísio? Eu paguei pelo crime. Pra que vou contar? Não, não. Deixe como está.
___ Eu e você sabemos que não matou a Abla.
Nero fez um gesto positivo e disse:
__ e juramos que ninguém mais saberia disso.
— Você nunca amou a Abla, amou?
Nero riu.
— Não, não, nem perto disso... Mas, Dionísio, o que eu disse a você?
O irmão se levantou.
— Sente-se. Me deve lealdade também, sou o seu capo. Sente-se.
Dionísio sentou, e Nero pegou a mão do irmão. Foram dois dedos quebrados.
— Ah, dr.oga, Nero! Não precisava!
— Eu disse pra não beber.
— Minha cabeça dói, Nero, só passa com bebida!
— Então vá a um médico, você é um homem, não um garoto. Vá ao médico, diga o que acontece, ou vai ficar com todos os dedos quebrados.
— Não gosto de médicos.
— Não me interessa. — Nero respondeu, a voz firme. — Se continuar chegando bêbado, vou te dar um castigo pi.or. Eu sabia que bebia, mas não a esse ponto. Ameaçou os homens pra não contarem, não foi?
— Ameacei… amecei, não queria que soubesse.
— Pois procure uma solução.
Dionísio se levantou, pronto para sair, mas Nero o chamou:
— Por que não se casou no cartório com Dafne?
— Porque não achei necessário.
Nero o olhou por um instante, sem pressa. e riu
— Você é um idi.ota. Vai acabar perdendo ela.
— Não vou. Ninguém nessa cidade tem peito pra me enfrentar.
Nero riu baixo.
— É mesmo, Dionísio?
__ Claro que não tem, ela fica comigo até o fim da vida.
O irmão apenas lançou um olhar em resposta, sem dizer mais nada, e saiu.
Nero caminhou até a entrada da casa. Ia sair — tinha assuntos para resolver —, mas parou diante da porta do quarto de Dafne e Dionísio.
Não tinha a intenção de entrar, mas sentiu o perfume dela.
Abriu a porta.
Ela estava deitada, nua, com um vestido nas mãos;;
Nero ficou imóvel, fascinado, com a beleza dela, Dafne percebeu, cobriu-se num movimento rápido e o encarou, assustada.
— Por favor... você também não. Saia.
— Não tive intenção... vim ver como estava, me esqueci de ba.ter
— Estou bem. Saia, preciso me vestir.
Nero hesitou por um instante, o olhar pesado sobre ela, antes de fechar a porta., Dafne ficou parada por alguns segundos, o coração batendo alto demais dentro do peito. Segurava o vestido com as mãos trêmulas, como se o tecido fino fosse a única defesa que lhe restava.
Tentou respirar fundo, mas o ar não vinha.
Demorou para encontrar forças; os dedos falhavam, e só depois de várias tentativas conseguiu vestir-se por completo, se deitou novamente, tentando se acalmar. Pouco depois, Hera entrou no quarto com uma bandeja nas mãos — frutas frescas, pão e uma xícara de chá.
— Precisa se alimentar bem e beber bastante água, senhora. Como está? — perguntou pousando a bandeja sobre a mesinha ao lado da cama.
— Bem... bem. — respondeu Dafne, sem convicção.
Hera a observou com o olhar de quem nota mais do que deveria.
— Mas está tão pálida... não acha que precisa de outra avaliação médica?
— Não, Hera, estou bem. Vou ficar bem. — Dafne insistiu, tentando parecer firme.— Não encontrei a chave da minha porta. — acrescentou, após um instante de silêncio.
Hera abaixou a cabeça.
— O senhor Dionísio deu ordem para tirar. Eu obedeci. Sabe que estou do seu lado, mas preciso desse emprego. Se eu a contrariasse, seria demitida.
Dafne respirou fundo, sentindo uma mistura amarga de resignação e tristeza.
— Eu sei, Hera. Eu sei... está tudo bem. Quem está na casa, Hera?
— Só os seguranças e as funcionárias. O senhor Nero saiu , e o senhor Dionísio também. Está um dia bonito, pegue um pouco de sol. — disse a mulher, tentando trazer algum ânimo.— Leveo a bandeja, não pode pegar o peso.
Dafne então caminhou até a área externa e se sentou em uma das mesas próximas à piscina.O sol refletia na água azulada, criando pequenas cintilações que pareciam enganar os olhos. Era linda, aquela piscina , mas ela andava deprimida.
Queria poder sair, ver gente, ir a um teatro, visitar um museu, sentar-se em um café com Hera e rir de coisas simples.Mas não podia. Não podia ir a lugar algum, nem decidir sobre a própria rotina.
Tudo o que lhe restava era observar o reflexo do céu sobre a água e imaginar como seria respirar sem pedir permissão.