Três da manhã

584 Words
Dafne acordou com o som de passos e risadas ecoando pelo corredor. Olhou para o relógio na mesa de cabeceira — três da manhã. Respirou fundo, tentando não se mover. Sabia o que vinha depois daquele som,.o toque que odiava com todas as suas forças. Mas um riso chegou até os seus ouvidos. O riso era masculino, arrastado, embriagado. Reconhecia de longe. Dionísio havia chegado. Ela desejou, com todas as forças, que ele apenas dormisse, que caísse em qualquer sofá antes de alcançar o quarto. Mas o destino parecia sempre ter prazer em testar seus limites e rir do seu sofrimento. A porta se abriu com violência, batendo na parede. Ele entrou — terno amarrotado, cheiro de álcool, o olhar frio e arrogante. E não estava sozinho. Uma mulher o acompanhava. Alta, maquiagem borrada, vestido curto demais para o frio da madrugada. O tipo de mulher que ele levava quando queria lembrar à esposa que poder e humilhação eram a mesma coisa em suas mãos. Dafne se sentou na cama, o corpo rígido, o coração latejando no peito. Tentou se levantar, mas Dionísio se adiantou, os olhos faiscando. — Fique onde está. — A voz dele era cortante, carregada de deboche. — Fique ou leva uma su.rra. Quem sabe assim não aprende, Dafne, a se comportar na cama. Fiquei e aprenda. Ela congelou,.sabia que era melhor ficar. A prosti.tuta soltou uma risada curta, incômoda, sem entender completamente a cena. Dionísio segurou a mulher pela cintura e a empurrou para a cama sem se importar com a presença da esposa. Dafne fechou os olhos. Quis sumir, quis gritar, quis morrer. Mas não podia fazer nada — apenas ficar. Ficou ali, sentada, ouvindo o som da vergonha. O riso falso, o barulho dos corpos, a respiração acelerada. O quarto, que antes era refúgio, tornou-se palco do inferno. E enquanto o som da humilhação tomava conta da casa, Dafne jurou em silêncio: Nunca mais seria tocada por ele. Mesmo que precise morrer tentando. Quando tudo terminou, Dionísio jogou algumas notas em cima da cômoda. A mulher se vestiu rápido, ajeitou o cabelo e saiu sem olhar para trás. O som dos saltos ecoou pelo corredor até desaparecer. O quarto ficou em silêncio, impregnado pelo cheiro de álcool e perfume barato. Dafne não se mexeu. Estava imóvel, o olhar fixo em um ponto qualquer da parede. Sentia-se vazia, como se o corpo tivesse ficado ali, mas a alma tivesse fugido há muito tempo. Dionísio acendeu um cigarro, tragou fundo e deitou-se ao lado dela, como se nada tivesse acontecido. O colchão afundou com o peso dele. O odiava. Ela se virou devagar, o estômago revirando. Não suportava aquele toque, aquele espaço dividido. Esperou o som da respiração dele se tornar mais lento, pesado, até ter certeza de que dormia. Então, se levantou. Entrou no banheiro e trancou a porta. Abriu o chuveiro no máximo e deixou a água cair sobre a pele, quente demais, até arder. Queria apagar o que tinha visto, o que tinha ouvido, o que ainda sentia. Quando saiu, vestiu uma camisa larga e foi até a sala. Deitou-se no sofá, abraçando os próprios joelhos. Não conseguiu voltar para o quarto. O ar ali dentro parecia sujo. Sentia nojo — do marido, do quarto e até dela mesma. O espelho do corredor refletia uma mulher que já não reconhecia: pálida, cansada, vazia. Dafne chorou em silêncio. Chorou até o corpo ceder, até o cansaço vencer a dor, até o sono vir como um alívio temporário.
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