O quintal da mansão parecia ainda maior à noite. A escuridão emoldurava as sombras das árvores e das plantas bem cuidadas, e a brisa leve batia contra meu corpo quente, misturada com a adrenalina que me fazia sentir cada músculo pulsando. O bastão de beisebol firme na minha mão, e Isadora... grudada em mim, como se eu fosse seu escudo contra o mundo.
— Isadora... volta, por favor... — a voz arrastada do cara ecoava pelo jardim.
A presença dele ali, naquele horário, naquele lugar, não fazia o menor sentido. E o modo como ela congelou atrás de mim, segurando meu braço como se a vida dela dependesse daquilo, só deixava tudo mais tenso.
— Enzo... é ele — ela sussurrou, a voz trêmula, os dedos finos cravados na minha pele nua. — É o Pedro.
— Quem é Pedro? — perguntei sem tirar os olhos dele, apertando o bastão com mais força.
— Meu ex... ele... ele não pode estar aqui, tem uma liminar, ele não pode chegar perto de mim! — agora a voz dela subia, o medo evidente, quase em desespero. — Pedro, vai embora! Vai embora agora ou vou chamar a polícia!
O tal Pedro cambaleou, os olhos vermelhos e o cheiro de álcool vindo forte quando ele deu mais um passo. Ele estava mesmo bêbado, e parecia totalmente fora de controle.
— Isadora, você é minha! Você sabe disso! — ele gritou, com a voz carregada de raiva e dor. — Esse cara aí? Quem é esse cara? É ele que tá te comendo agora?
Senti o sangue ferver. Eu podia não suportar a Isadora e toda essa história esquisita com meu pai, mas ver aquele babaca falando assim com ela e avançando como se fosse dono de alguma coisa... era demais.
— Você tem cinco segundos pra sair daqui antes que eu enfie esse bastão na sua cara, irmão — falei, firme, dando um passo à frente.
— Vai me bater? Vai bater em mim por causa dela? — ele riu, um riso insano, e foi aí que a coisa estalou.
Do nada, ele puxou uma faca do bolso da jaqueta. Um brilho metálico refletiu sob a luz da varanda. Isadora gritou.
— ENZO!
Eu não pensei. Reagi. Levantei o bastão e acertei ele de lado no ombro. Ele cambaleou, grunhiu de dor, mas ainda segurava a maldita faca.
— Corre, Isadora! Chama a polícia! AGORA! — gritei, sem tirar os olhos do cara.
Ela hesitou, mas quando viu que ele se reergueu e veio pra cima de mim, correu.
— Filho da p— — Pedro avançou, rápido apesar da embriaguez, e a lâmina cortou o ar. Senti uma ardência forte no braço — o corte foi certeiro, superficial, mas doeu como o inferno.
A dor me deu ainda mais raiva. Eu empurrei ele com o ombro, mas ele caiu por cima de mim, e começamos a rolar no chão. O bastão escapou da minha mão.
Ele tentou me esfaquear de novo, mas consegui segurar o pulso dele, usando o peso do meu corpo pra desequilibrar. A faca caiu no gramado, e aí foi soco atrás de soco. Ele me xingava, cuspia, gritava o nome dela.
— ISADORA É MINHA! ELA É MINHA!
Até que minha mão alcançou o bastão de novo. Com um impulso, levantei, ele também, empurrei ele pra trás e dei uma paulada certeira na lateral da cabeça. Ele apagou na hora. Caiu duro, inerte, ofegando como um animal abatido.
Fiquei ajoelhado, respirando pesado, o sangue escorrendo do meu braço. O corte ardia, latejava, mas o alívio de ver ele desmaiado era maior.
Ouvi a sirene ao longe.
A polícia chegou em segundos. Dois viaturas, faróis iluminando o jardim, agentes descendo já com as armas em punho. Isadora apareceu logo atrás, chorando, os olhos arregalados.
— Ali! Foi ele! Ele tentou me matar! Eu tenho a liminar! — ela apontava, trêmula, as mãos sujas de grama e a respiração falhada.
Os policiais algemaram Pedro, que ainda estava desacordado, e logo estavam revistando tudo, tirando foto, pedindo nossos depoimentos. Mostrei o corte, expliquei o que aconteceu. Isadora confirmou cada palavra, entregou a cópia da medida protetiva e foi ouvida por mais dois agentes.
O tempo parecia parado. A tensão, o sangue, a dor... eu m*l percebia o frio da noite até os policiais finalmente levarem Pedro e darem a garantia de que ele seria mantido sob custódia.
— Ele não vai chegar mais perto de você — disse um dos agentes a ela, que assentiu com os olhos marejados.
Quando o último carro da polícia saiu, o silêncio voltou. Só o som do vento e o barulho abafado do meu coração batendo no peito.
— Vem. Eu... eu vou cuidar do seu braço — Isadora falou, me puxando pela mão, devagar.
Entrei com ela na mansão, sentindo o corpo dolorido. Estava suado, descabelado, e o corte ainda sangrava um pouco. Sentamos na bancada da cozinha, e ela começou a limpar o ferimento com um pano úmido.
— Você foi muito corajoso, Enzo... — disse baixinho, sem me encarar.
— Não fiz por você, princesa. Eu só não gosto de ver ninguém levando vantagem em cima de mim — retruquei, mesmo com o rosto tenso.
Ela sorriu de canto, ajeitando um curativo sobre o corte. A mão dela era delicada, atenciosa, e a forma como me olhava agora era diferente. Menos defensiva, mais... grata.
— Mesmo assim, obrigada. Se você não estivesse aqui...
— Ele teria feito uma besteira — completei.
O silêncio voltou por uns instantes. Ela ainda estava próxima demais. Senti o perfume doce no ar e os olhos azuis fixos nos meus. Por um segundo, pensei em perguntar mais sobre esse tal Pedro, mas eu sabia que ela falaria quando se sentisse pronta.
E parte de mim... queria ouvir. Entender o que essa mulher escondia por trás dos sorrisos forçados e da pose de madame.
Mas isso... era um mistério que eu só estava começando a desvendar.