Cheguei em casa com a Rayssa me enchendo de piadinhas até o último segundo.
Ela só me deixou em paz quando viu a Dona Simone chegando na esquina com uma sacola de verduras e uns pães.
— Salvou, mãezinha! — soltei aliviada, correndo até ela pra ajudar com as coisas.
— Salvou do quê, menina? — ela perguntou, já entrando pela porta com o olhar curioso.
— Nada demais... só a Rayssa sendo a Rayssa. — dei de ombros, colocando as compras sobre a mesa da cozinha.
— Hum... sei... — ela riu, do jeito dela, meio desconfiada.
Deixei ela na cozinha e fui direto pro quarto. Joguei meu corpo na cama, peguei o celular e comecei a rolar o feed de bobeira. Mas confesso que minha mente não conseguia desgrudar da imagem do Nathan rodeado daquelas meninas. E do Kauê... me mandando parar de dar moral pros caras do morro.
Como se ele tivesse moral pra falar alguma coisa...
Mas também... Por que aquilo tava mexendo tanto comigo?
Estava perdida nesses pensamentos quando meu celular vibrou com uma notificação no w******p.
Nathan:
"Vai fazer o quê mais tarde?"
Meu coração deu uma leve acelerada.
Demorei uns segundos pra responder. Peguei o telefone, mordi o canto do lábio e digitei com calma, tentando não parecer empolgada.
Eu:
"Nada demais... Por quê?"
A resposta dele veio rápida:
Nathan:
"Vou levar tu e a mãe na pizzaria hoje. Eu passo aí pra buscar vocês daqui a pouco."
Li e reli a mensagem. Ué... Nathan me chamando pra sair... E levando a minha mãe junto?
— Ô mãe! — gritei da sala, indo até a cozinha onde ela picava cebola. — O Nathan chamou a gente pra comer pizza mais tarde. Quer ir?
Ela levantou a cabeça na hora, com aquele sorriso bobo que ela sempre fazia quando o assunto era ele.
— Claro que eu quero, minha filha! Faz tempo que eu não saio pra comer alguma coisa diferente. — largou a faca na pia, animada. — Que horas vai ser?
— Ele disse que passa aqui daqui a pouco. Vou tomar um banho rapidinho.
Subi pro meu quarto antes que ela começasse a fazer mil perguntas.
Joguei a roupa em cima da cadeira e fui direto pro chuveiro. A água quente ajudou a relaxar um pouco, mas a ansiedade no peito continuava.
Depois de me secar, fiquei um bom tempo encarando o guarda-roupa.
"Que tipo de roupa se usa pra ir numa pizzaria... com a mãe... com o Nathan... e provavelmente com o Kauê também?"
Escolhi um short jeans mais arrumadinho, uma blusa de alcinha preta que valorizava o colo e, pra não parecer tão forçada, só passei um rímel e um gloss.
Quando desci, minha mãe já tava pronta na sala, de vestido floral e chinelinho de dedo, como se fosse só dar uma volta na rua.
— Você vai assim mesmo? — perguntei rindo.
— Vou. Tô bonita, não tô? — Ela virou de lado, rindo, e eu assenti.
Nem deu tempo de conversar muito, porque logo o som da buzina ecoou lá de fora.
— Já é ele! — minha mãe disse animada, pegando a bolsa.
Olhei pela cortina da janela... O carro preto do Nathan tava lá, parado...
E só de ver ele apoiado na porta, de boné, camisa de time e aquele sorriso de canto... meu estômago virou um nó.
Respirei fundo, peguei minha bolsa e fui atrás da minha mãe.
Era só uma pizza... Eu precisava lembrar disso.
Só uma noite... Só mais um rolê com os meninos.
O trajeto até a pizzaria foi cheio de risadas.
Nathan colocou o som do carro no último volume, com um pagode antigo que a minha mãe adorava. Ela cantava animada no banco da frente, enquanto eu, lá atrás, fingia que tava mexendo no celular, mas na verdade... ficava roubando olhares pra ele através do retrovisor.
Ele tava bonito demais. Jeito despojado, óculos escuro mesmo com o céu já começando a escurecer, a barba por fazer... E aquele sorriso meio debochado que ele dava sempre que minha mãe fazia alguma piada boba.
Chegamos na pizzaria ali perto da entrada do morro, uma daquelas bem simples, com mesas de madeira na calçada, som ambiente tocando sofrência e o cheiro de massa assando invadindo o ar.
Assim que a gente desceu do carro, alguns conhecidos cumprimentaram o Nathan com aquele respeito de sempre.
Ele era rei por ali. Não precisava nem abrir a boca pra impor presença.
— Vem, vamos sentar naquela ali do canto. — ele apontou pra uma mesa de quatro lugares.
Nos acomodamos. Minha mãe ficou toda empolgada com o cardápio, escolhendo sabores e perguntando os valores, como se fosse uma excursão de férias.
Enquanto ela chamava o garçom, o Nathan virou pra mim:
— Pensei que tu ia dar pra trás e não vir. — falou baixinho, se inclinando pro meu lado.
— Por quê? — arqueei a sobrancelha.
— Sei lá... tu anda meio sumida esses dias.
— É, tô fazendo o mesmo que você. Não posso? — soltei num tom leve, mas com uma pontinha de provocação. Ele sorriu de canto.
— Pode tudo, Loreninha. — o jeito que ele disse meu nome me fez arrepiar.
Antes que eu pudesse responder, escutei o som inconfundível de uma moto acelerando forte. Virei o rosto na mesma hora.
E lá estava o outro.
Encostando a moto no meio-fio, de boné, corrente no pescoço, camiseta regata mostrando os braços tatuados e um olhar que veio direto em mim assim que ele tirou o capacete.
Pronto. Minha paz de espírito que já tava abalada... desmoronou de vez.
Ele veio caminhando com aquele andar de dono da rua, cumprimentando uns caras de longe e parando ao lado da nossa mesa.
— E aí, família... — falou, olhando de propósito só pra mim por mais tempo do que devia. — Resolvem fazer reunião e nem me chamam, né?
Nathan soltou uma risada:
— Falei que vinha com a Dona Simone e a Lorena. Tu que apareceu de penetra.
Kauê puxou uma cadeira de outra mesa e se sentou ao meu lado, sem pedir permissão. O perfume dele veio com tudo.
Minha mãe foi logo toda simpática:
— Senta mesmo, meu filho! Aqui ninguém é de fora.
Kauê piscou pra ela e virou de novo pra mim.
— Qual o sabor? — perguntou.
— Quatro queijos... metade calabresa. — respondi, desviando o olhar.
— Hum... gosto assim, decidida. — ele murmurou, com aquele sorriso sacana.
E pronto... Em questão de minutos, a mesa virou uma bagunça gostosa.
Eles contando histórias antigas, Dona Simone relembrando da infância de nós três, e eu ali... rindo... bebendo meu refrigerante... e lutando contra a vontade de olhar pros dois mais do que devia.
E o pior... Os dois estavam daquele jeito.
Jogando charme... Disfarçado... Mas jogando. Um provocava, o outro seguia.
O Nathan encostava o braço no meu, de vez em quando, me chamava de "minha pequena" no meio da conversa.
O Kauê fazia questão de tocar minha mão sempre que passava a garrafa de refrigerante ou pegava um pedaço de pizza.
E eu? Fingindo que tava tudo bem. Fingindo que não tava com o coração acelerado. Fingindo que meu corpo não tava reagindo a cada olhar dos dois.
Depois de terminar a última fatia de pizza e ver minha mãe se empolgando com a conversa, o Nathan bateu palmas, como se tivesse uma ideia genial.
— Vamo ali comigo rapidinho? — ele disse, olhando primeiro pra mim e depois pra minha mãe. — Abriu um barzinho novo ali perto da praça, tá rolando um pagodinho ao vivo... só um pouquinho, Dona Simone. Só pra gente dar uma esticada.
Minha mãe fingiu pensar, mas no fundo já tava toda animada.
— Hum... não era eu que ia fazer uma hidratação no cabelo hoje? — ela disse, ajeitando o lenço que usava sempre que saía. — Mas já que tô de folga... bora!
Nathan riu, bateu no volante da própria risada.
— Aí sim! Essa é a Dona Simone que eu conheço.
Kauê, que já tinha se acomodado de vez na mesa com a gente, levantou na mesma hora:
— E eu? Posso colar também, ou é programa de família? — perguntou, jogando o olhar direto em mim.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, minha mãe já se meteu:
— Claro que pode, meu filho! Bora todo mundo.
No fundo, eu sabia que isso só ia me deixar mais confusa, mas... f**a-se, né? Eu queria mesmo era viver.
O lugar era simples, mas cheio de vida.
Mesinhas de plástico espalhadas pela calçada, umas luzinhas coloridas penduradas nas árvores, aquele cheiro de cerveja gelada e fritura no ar... e o som do grupo de pagode tocando bem ao lado da parede.
Gente rindo alto, outras dançando grudadas...
E eu ali, no meio de tudo... com os dois.
Nathan pediu logo uma cerveja e duas caipirinhas. Uma pra ele, outra pra mim. Minha mãe ficou só na cervejinha, e Kauê... óbvio... cismou de dividir a caipirinha dele comigo.
— Bebe, Loreninha. Faz bem pra pele. — ele disse, com aquele sorriso torto.
Eu revirei os olhos, mas bebi.
E o álcool bateu rápido... Misturado com o calor...
Misturado com os olhares que eles trocavam entre si... e depois pra mim.
O Nathan foi o primeiro a se levantar, arrastando minha mãe pra dançar no canto. Eles rindo, rodando na pista improvisada... e eu fiquei ali... Com Kauê.
— E aí... — ele se aproximou, apoiando os cotovelos na mesa, encarando meus olhos de um jeito que eu já conhecia bem. — Tá curtindo a noite?
— Tô... — sorri de canto. — Melhor do que ficar trancada em casa.
— Uhum... — ele mordeu o lábio inferior. —Tá diferente hoje, sabia?
— Diferente como? — perguntei, fingindo desentendida.
— Sei lá... — ele fez um gesto vago com a mão. —Tá com um brilho no olhar... mais mulher... mais perigosa...
Arregalei os olhos e soltei uma risadinha debochada.
— Perigosa? Eu? Tá viajando, Kauê.
Ele deu de ombros, mas o olhar continuou firme no meu.
Quando o Nathan e minha mãe voltaram pra mesa, eu já tava com o rosto corado. Não sabia se era pelo álcool... ou pelas coisas que estavam começando a fervilhar na minha cabeça.
Depois de mais uns goles, minha mãe resolveu que já tava na hora de voltar.
— Já tô velha pra essas aventuras, meninos. Quero minha cama. — ela disse, levantando da cadeira.
Nathan se prontificou a pagar a conta, como sempre.
Na volta pro carro, enquanto ele ajudava minha mãe a entrar, Kauê se aproximou mais uma vez...
Parou do meu lado... e antes de eu abrir a porta de trás, sussurrou:
— Não fica dando esses sorrisos tortos por aí, não... — ele murmurou, perto demais. — Vai dar merda, Loreninha.
Meu coração bateu descompassado.
Mas no fundo, parte de mim tava adorando a ideia de causar essa tal merda.