8 - Lorena

1868 Words
Minha casa tava uma zona. O ventilador rodando no canto da sala, jogando vento quente em cima de mim e da Rayssa, que já tava toda espalhada no chão com as maquiagens dela. Eu tentava escolher uma roupa decente, mas a verdade é que a maioria das minhas roupas de sair já tinham rodado baile demais. — Amiga, tu vai de short ou de vestido? — perguntei, segurando dois looks na frente do corpo e me olhando no espelho meio rachado do quarto. — Shortinho, né? — Rayssa respondeu, passando iluminador no colo como se a vida dependesse disso. — Não quero ninguém pisando no meu vestido no meio da confusão. Revirei os olhos, larguei o vestido em cima da cama e fui de short também. Blusinha colada, decote na medida... mas com intenção. Enquanto eu me arrumava, escutava o barulho de Ryan na sala, brincando com os carrinhos dele, todo animado como se tivesse entendendo que a mãe ia sair e deixar ele com a avó. Quando terminei de colocar os acessórios, passei pela sala e parei na porta, olhando minha mãe. Ela tava sentada no sofá, com o menino no colo, balançando ele como sempre fazia. Aquela cena me dava um misto de paz e culpa. — Mãe... tem certeza que dá conta? Ele tá na fase de não querer dormir, fica implicando com tudo... Ela levantou o olhar pra mim e riu como se eu fosse uma i****a por duvidar. — Lorena, pelo amor de Deus... Eu já criei você, o Nathan e metade das crianças dessa rua! Um bebê de um ano e pouco não vai me matar de cansaço, não. Vai curtir sua noite. Só não me volta grávida! — ela finalizou com um tom de humor, mas com aquele olhar de mãe que sabe onde cutucar. — Ah, mãe! — reclamei, sem saber se ria ou se fingia costume. — Anda, vagabunda! Já tô pronta faz meia hora! — Rayssa gritou do quarto. — Tô indo! — respondi de volta, pegando minha bolsinha de lado. Antes de sair, ainda voltei na sala, dei um beijo estalado na bochecha do Ryan, que nem me deu moral, tão entretido que tava com os brinquedos. Minha mãe deu uma piscadinha: — Vai ser só mais uma noite, filha. Aproveita. Sorri, mais por nervoso que por empolgação. Porque no fundo, eu sabia que baile nenhum era só "mais uma noite". Principalmente quando os dois estavam lá. Nem tinha dado meia- noite ainda e já tinha gente descendo o morro com caixa de som no ombro, moleque com copo de whisky barato na mão e as meninas andando como se fosse passarela. Eu e a Rayssa fomos descendo rindo, como sempre, porque o caminho até o baile era quase um evento à parte. — Tu viu a roupa da Bia? — ela comentou, cutucando meu braço. — Vi... a bicha tá se esforçando pra chamar atenção de alguém. — respondi, revirando os olhos enquanto passávamos por um grupo de caras encostados no bar da esquina. Um deles soltou aquele famoso: — Ô princesa... desce devagar! Mas nem me dei ao trabalho de olhar pra trás. Hoje eu já sabia quem eu queria que me notasse, mesmo que nem eu admitisse isso direito. O som do morro já tava cortando o ar, grave pesado vindo de lá de cima, o cheiro de churrasquinho misturado com maconha dominando tudo. Quando chegamos perto da entrada da quadra, o segurança já abriu a grade pra gente sem nem perguntar nome. Ser "da casa" tinha seus privilégios. Afinal... filha de quem eu era... e com as amizades que eu tinha... Eu entrava onde quisesse. — Vai dar bom hoje! — Rayssa falou no meu ouvido, animada, enquanto subíamos as escadas do camarote. Lá de cima, a visão era sempre a melhor. Dava pra ver o baile inteiro se formando. O palco ainda tava só com o DJ de aquecimento, soltando os primeiros funks da noite, mas o povo já começava a se espremer na pista. Do lado do nosso camarote, a galera da organização tava reunida, mexendo nas caixas de som, nos cabos, e arrumando o palco. Meus olhos bateram logo no Nathan, de boné aba reta, camiseta preta e aquela postura de sempre... meio largado, meio no comando de tudo. Ele tava falando com alguém, rindo de alguma coisa, cercado de dois, três parças. Sem as mulheres que é o costume dele, graças a Deus. Mais pro fundo, vi o Kauê, no mesmo pique. Ele mexia no rádio de mão, trocando ideia com os vapores. — Quer beber o quê? — Rayssa perguntou, se jogando num dos sofás do camarote. — Hoje eu quero ficar leve... só uma cerveja pra começar. — respondi, ainda de pé, com os olhos voltando pro meio da pista. O grave começou a bater de verdade. O DJ trocou o set, saiu daquela sequência de a******a e desceu o play numa sequência de mandelão que fez a quadra inteira tremer. O povo começou a invadir a pista, descer até o chão, suar, se esfregar, fazer rodinha... o verdadeiro baile da Maré. — Agora sim! — Rayssa falou, já se levantando com o copo na mão e puxando meu braço. — Calma, doida... nem terminei minha cerveja ainda. — ri, mas já me mexendo junto. Descemos as escadas do camarote e fomos direto pro meio da pista. Ali embaixo o clima era outro. A batida parecia bater direto no peito, a fumaça de lança-perfume passando de um lado pro outro, os caras com os copos na mão, camisa amarrada na cintura... e as minas... meu Deus... as minas tudo no modo "vitrine". Não que eu ficasse muito atrás. Eu também sabia jogar meu charme, mesmo que fingisse que não. Senti uns olhares me acompanhando. Dei aquela conferida discreta... e como já era de se esperar, o primeiro olhar que bateu no meu foi o Kauê, encostado no canto, com a cara de quem não perdia nada. Ele não tava com copo, nem com mulher nenhuma. Só observando. Sério, com aquele jeito de "dono da p***a toda", com os braços cruzados, de boné jogado pra trás, rindo com um dos manos dele, mas com o olhar preso em mim. Dei aquele sorriso de canto... só pra provocar. Continuei dançando, me jogando no meio da roda com a Rayssa, subindo as mãos, rebolando no tempo da música... sem perder a pose. De relance, vi o Nathan também. Ele tava no canto oposto, perto dos caixas de som, mas os olhos dele também... estavam em mim. Ele bebia uma cerveja, conversando com um dos seguranças, mas de vez em quando... aquele olhar dele dava uma varrida geral na pista e parava em mim. Era como se eles tivessem um radar... e eu fosse o epicentro. E aquilo me deixava um pouco animada... como se finalmente eles tivessem começando a me notar. Deixava o corpo solto, mas a cabeça... ah, a cabeça só pensando neles. Dançava de propósito, mexia o quadril com mais vontade, passava a mão no cabelo, deixava o pescoço exposto... tudo pra ver quem ia quebrar primeiro. A música trocou de novo. Agora era uma daquelas pesadas, cheia de gemido e batida arrastada. Eu só pensei: "É hoje." — Vamos subir de novo? — Rayssa perguntou, já suada e com o batom borrado. — Bora... — respondi, dando aquela última rebolada só de s*******m antes de puxar ela de volta pro camarote. Assim que a gente subiu pro camarote de novo, a Rayssa já estava com o radar ligado. Ela deu dois goles no copo, ajeitou o cabelo e virou pra mim com aquele sorriso malicioso de sempre. — Lorena... se liga naquele dali... — Ela apontou com o queixo pra um dos vapores que trabalhavam pros meninos. O cara já tava encarando ela faz tempo, mas agora, depois de uns olhares trocados, parecia que a coisa ia andar de vez. — Tá querendo, é? — perguntei rindo, já sabendo a resposta. — Querendo não, minha filha... já tô indo buscar. — Ela deu uma piscadinha pra mim, me deixou segurando as nossas bebidas e desceu as escadas com a confiança de quem sabia o que queria. Fiquei olhando ela ir... e logo vi os dois sumindo no meio da pista, depois se afastando mais pro fundo da quadra, onde o povo geralmente ficava se pegando, atrás dos gradil. Sozinha ali em cima, respirei fundo. Tentei focar na música, olhar pro movimento... mas parecia que tudo conspirava pra me lembrar deles. Foi só eu virar de costas pra pista, querendo me apoiar na mureta, que senti o ar mudar. Não precisei olhar pra saber. Pela energia, dava pra sentir. Primeiro, foi a voz grave, rouca e debochada, bem no meu ouvido, que eu sabia que era o Kauê. — Ué... e a princesinha tá sozinha agora? Virei um pouco o rosto, só o suficiente pra ver o sorriso torto dele. — Rayssa foi ali... fazer o corre dela. — respondi, fingindo despreocupação, mas meu coração já acelerava. Antes que eu pudesse soltar mais alguma gracinha... uma outra presença se encostou no meu outro lado. Tava tão perto que eu sentia o perfume dele, misturado com o cheiro de cigarro e o amadeirado forte. — E tu, vai ficar aqui parada? Nesse camarote vazio? — ele perguntou com aquele tom meio arrastado, me olhando como se quisesse desmontar todas as minhas respostas. Dei um sorriso cínico. — Acho que eu tô muito bem assim... obrigada. — Tá não. — Kauê respondeu de pronto, com um olhar que parecia me atravessar. — Tô te olhando desde lá de baixo... Nathan riu, aquele riso baixo, de canto de boca. — Tá achando que tá enganando quem, Loreninha? — Ele falou meu nome assim... arrastado, como fazia quando queria me deixar sem graça. — A gente te conhece. Meu corpo inteiro reagiu. Meu rosto esquentou, mas eu mantive a pose. — Vocês são muito cheios de si... — dei um passo pra trás, como quem queria sair da mira, mas os dois me acompanharam com o olhar. Kauê deu mais um passo pra frente. — E tu gosta. Ele não tava errado. Mas eu não ia dar o gostinho. — Se liga... tô de boa, viu? — Falei, pegando meu copo e virando o resto da cerveja. — Não sou mulher de ficar caindo em conversinha de bandido não. Nathan sorriu mais ainda, abaixando um pouco o boné, me olhando por baixo da aba. — Mas tu é mulher de quê então, hein? — De homem que sabe o que quer... e que tem coragem de vir buscar. — Soltei, de propósito... e na mesma hora já me arrependi. Porque o olhar que os dois me deram... foi como se tivessem ouvido um convite escancarado. — Anota isso aí, Kauê... — Nathan disse, se virando pra ele com um sorriso cheio de malícia. — Ela tá provocando... Kauê só riu, passando a língua nos dentes, daquele jeito que eu já sabia que era perigoso. E antes que eu pudesse reagir, os dois se afastaram... me deixando ali, com o coração disparado... e a sensação de que aquela noite... ainda tava só começando.
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