CAPITULO 28

1014 Words
DANTE MANCUSO POV Apertei os olhos, tentando afastar o peso do cansaço que me dominava. Desde que pisei em Nova York, não fechei os olhos sequer por um segundo. Nem comida, nem descanso. Só ela. Só Catarina. E aquela maldita barriga que me mantinha acordado, obcecado, torturado. Ela parecia, finalmente, dormir. Seus traços estavam mais suaves, embora eu conhecesse aquele tipo de falsa rendição. Catarina nunca descansava de verdade. Nem quando estava deitada, nem quando parecia vulnerável. Ela pensava, arquitetava, tramava... até no sono. Se é que aquilo era sono. Meus homens já haviam trocado de turno. Eu, não. Permaneci ali, plantado, imóvel, olhos colados na tela, como se minha presença diante daquele monitor pudesse me dar respostas que nenhum interrogatório jamais seria capaz de arrancar. Ela está grávida? Aquele bebê é meu? Não. Eu precisava de mais que suposições. Mais que olhares. Mais que deduções. Precisava de certeza. O estalo da maçaneta me despertou. A porta se abriu, e um dos capangas entrou, apressado. — Don... — Ele ajeitou a postura. — A encomenda solicitada... chegou. Meu corpo inteiro se enrijeceu. — Me mostre. — Minha voz saiu mais grave do que eu imaginava. Ele fez um gesto com a cabeça, indicando o corredor. Levantei-me imediatamente, ajustando o paletó no corpo enquanto seguia seus passos. Meus sapatos faziam um som surdo contra o carpete grosso, abafado pela chuva que continuava martelando as janelas lá fora. No corredor, ela estava lá. Uma mulher. Cabelos loiros acinzentados, presos num coque apertado. Os olhos verdes eram profundos, carregados, marcados por olheiras densas e uma exaustão que, claramente, não era daquele dia. Rosto magro, traços angulosos. Vestia um jaleco branco, uma calça preta, tênis ortopédico. Nas mãos, uma maleta médica. No pulso esquerdo, uma tatuagem discreta: uma linha de batimento cardíaco terminando num coração minúsculo. Meus olhos percorreram dos pés à cabeça, depois fitaram o capanga. — Quem é ela? — Minha voz saiu afiada. Ele me entregou uma pasta, que abri imediatamente. — Enfermeira Sindy DeLuca. — Disse ele. — Obstetrícia. Especialista em medicina materno-fetal e parto de alto risco. Se a intenção é manter... — ele lançou um olhar rápido na direção da sala onde Catarina estava — ...a mulher viva e o bebê também... — respirou fundo — então essa é a pessoa. Ergui o olhar lentamente, encarando a enfermeira. — DeLuca... — Pronunciei seu sobrenome como se estivesse testando seu peso. — Italiana? Ela cruzou os braços. — Marido italiano. — Respondeu, direta, seca. Arqueei uma sobrancelha, cruzando os braços também. — Alguma pergunta, enfermeira? Sindy segurou meu olhar, sem pestanejar. — Só estou aqui pra fazer meu trabalho. O resto... — deu de ombros — não me diz respeito. A ponta do meu lábio puxou-se num sorriso enviesado. Profissional. Fria. Precisa. — Ótimo. — Balancei a cabeça e fiz sinal pro rapaz. — Leve-a até o quarto, oriente a ela o que fazer. Enquanto eles caminhavam até a porta onde Catarina estava, eu retornei para o quarto de monitoramento, com a pasta nas mãos. Me joguei na poltrona, folheando o histórico de Sindy. Monte Sinai. Dez anos na UTI obstétrica e em salas de parto de alto risco. Atendimento privado para socialites, esposas de diplomatas, empresárias. Nos últimos anos, ela havia migrado para casos menos... convencionais. Discrição absoluta. Grávidas fugindo de maridos violentos. Mulheres escondendo filhos de magnatas, de políticos. Acordos extrajudiciais. Uma profissional impecável. E, sobretudo, alguém que não fazia perguntas. Perfeita. Meus olhos se desviaram da pasta para o monitor no exato instante em que Sindy entrou no quarto. Catarina estava acordada. É claro que estava. Desconfiada. Atenta. O olhar cortante, selvagem, seguiu a enfermeira como um predador observa outro predador entrando no seu território. Sindy manteve o profissionalismo. Nem se abalou. A enfermeira abriu a maleta. Tirou de dentro um monitor fetal portátil, um oxímetro, tensiômetro, estetoscópio obstétrico. Tudo meticulosamente limpo, esterilizado, organizado. Catarina não disse nada. Mas seus olhos — Deus, aqueles olhos — falavam. Fúria. Raiva. Desprezo. Desconfiança. E um medo que ela tentava, a todo custo, esconder. Sindy puxou uma cadeira, sentou-se na frente dela e, sem cerimônia, falou algo que nem meus microfones conseguiram captar. Um tom firme, mas não agressivo. Observei, tenso, quando Sindy ajeitou as cintas do monitor fetal. Catarina não protestou — o que, conhecendo-a, significava que ou estava fraca... ou estrategicamente permitia que aquilo acontecesse. O monitor acendeu. Pequenos bipes começaram a preencher o ambiente, e uma linha verde pulsante subiu e desceu na tela. Então... o som veio. Tum. Tum. Tum. Tum. Tum. Meu peito apertou. Aquele som... Não. Não. Não. Deus... não. Aquele som não era de Catarina. Era outro. Um pequeno. Forte. Ritmado. O som de um coração. O coração de um bebê. Engoli em seco. Apertei tanto os braços da cadeira que meus nós dos dedos ficaram brancos. Por um segundo, esqueci até como respirar. Sindy, impassível, colocou o estetoscópio na barriga dela, mexendo no gel, buscando a posição perfeita. Na tela, o traçado cardíaco ficou mais claro. O som mais forte. — Frequência normal. — A enfermeira disse, profissional. — Batimentos bons. — Anotou em sua prancheta. — O bebê está bem. — Ela moveu o monitor, apertou botões. — Medindo... trinta e cinco semanas, aproximadamente. — Confirmou. Minha respiração travou. Trinta e cinco. Meu cérebro fez as contas antes mesmo de eu querer. Era automático. Preciso. A memória veio como uma lâmina. Cortante. Imediata. Trinta e cinco semanas atrás. O hotel em Roma. O cheiro de dela no ar. O lençol amassado no chão. O gosto dela ainda nos meus lábios. O som dela sussurrando meu nome no ouvido enquanto eu fazia amor com ela como se aquilo fosse a última coisa que eu faria na vida. E depois? Depois... nós seguimos. Eu para casa. Ela para Gioia Tauro. O peito apertou de um jeito que eu não estava preparado. Era meu. O filho era meu. Não havia margem para dúvidas. Não com aquele tempo. Não com aquele olhar dela, perdido, quando percebeu a mesma coisa. Ela sabia. E eu também. Aquele filho era meu.
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