Mattheo não dormiu naquela noite.
O fracasso do feitiço inicial apenas atiçou sua fúria e sua determinação. Ele sabia que existiam rituais mais profundos, mais sombrios, perigosos até para quem ousava mexer neles. E, se fosse necessário, ele pagaria o preço.
Vasculhou seu apartamento inteiro, mexeu em baús, estantes de livros antigos, pergaminhos envelhecidos, herdados do seu pai, até que achou um livro antigo de capa envelhecida, páginas amareladas e decidiu tentar. As páginas estavam manchadas, algumas quase ilegíveis, mas entre os símbolos orientais encontrou o que buscava, um feitiço de localização oriental. Uma magia rara, feita para arrancar imagens de dentro da mente e conectá-las ao mundo real.
No centro do círculo de runas, Mattheo cortou a palma da própria mão sem hesitar, deixando o sangue cair sobre o traçado.O cheiro metálico misturou-se ao da cera derretida das velas.
— Revela veritatem... ostende eam mihi... — entoou em voz grave, quase gutural.
O ar se tornou pesado. A chama das velas tremeu como se estivesse prestes a apagar, e uma fina camada de névoa se ergueu dentro do círculo. Mattheo manteve a varinha erguida, os olhos fixos, enquanto a névoa lentamente tomava forma.
Primeiro um vulto, depois contornos mais nítidos.
E então ela surgiu.
A mesma moça. Pele clara, cabelos castanhos escuros que caíam em ondas sobre os ombros, olhos profundos que ele reconheceria em qualquer lugar. Mas dessa vez, não era sonho. A imagem dela caminhava por uma rua movimentada, a névoa moldando fachadas e luzes artificiais. Mattheo cerrou os olhos tentando gravar bem o que o feitiço mostrava... Tentando reconhecer o lugar que ela estava.
Ela usava um casaco simples, as mãos enfiadas nos bolsos, o semblante sério. Parecia absorta em pensamentos, sem imaginar que estava sendo observada.
Mattheo se inclinou para frente, o coração batendo forte no peito. Cada detalhe era idêntico ao que ele via nos sonhos.
Ela existia.
— Então é você... — murmurou, a voz baixa, quase reverente.
Mas havia algo estranho. Ela não olhava para os lados, não reagia à multidão. Caminhava com passos firmes, como alguém que carregava um peso invisível.
O feitiço tremeu, a imagem distorceu-se como um reflexo em água agitada. Mattheo fechou o punho, resistindo à quebra da magia, forçando-a a durar alguns segundos a mais.
Ela parou diante de uma vitrine qualquer, na qual Mattheo conseguiu ler o nome da loja e reconheceu imediatamente.
-Eu sei.. eu sei onde ela está
Seus olhos escuros brilharam por um instante, e ele jurou que ela murmurou algo — mas não pôde ouvir.
A névoa se desfez. O círculo se apagou. As velas minguaram até restar apenas fumaça.
Mattheo ficou parado, encarando o vazio à sua frente.
Agora não havia mais dúvidas.
A moça não era fruto da mente.
Ela estava viva.
E em Londres.
O olhar dele se estreitou, frio e predador.
— Você não vai escapar de mim...
Mattheo permaneceu imóvel por alguns instantes, ainda sentindo o eco da magia vibrando em suas veias. A imagem da rua em Londres estava gravada em sua mente como se tivesse acabado de estar lá fisicamente. Ele conhecia aquele lugar. Já havia passado por ali algumas vezes , disfarçado, em missões silenciosas que exigiam anonimato.
Oxford Street.
As luzes, as vitrines, o fluxo constante de pessoas… tudo se encaixava. O feitiço não mentia.
Um sorriso discreto, quase sombrio, curvou seus lábios.
— Finalmente.
Sem perder tempo, Mattheo pegou um sobretudo n***o pendurado na cadeira e o vestiu com movimentos rápidos. Deslizou a varinha para dentro da manga, onde sempre a mantinha à mão, e respirou fundo.
Um estalo seco cortou o ar.
No instante seguinte, ele estava em Londres.
A noite estava fria, o movimento intenso, a rua iluminada por letreiros e faróis. Mattheo surgiu discretamente em um beco lateral, ajustando o capuz sobre a cabeça para esconder os traços marcantes.
Então, ele a viu.
Caminhando exatamente como no feitiço, os cabelos escuros balançando sob a luz artificial, o olhar sério, perdido em pensamentos. Ela parecia não perceber nada ao redor, mas cada detalhe de sua presença era idêntico ao que ele vira durante anos nos sonhos.
Mattheo a seguiu de longe, seus passos silenciosos, os olhos atentos a cada gesto dela. O coração, embora controlado, batia em um ritmo incomum para ele.
Ela era real.
Estava ali, diante dele.
Por um instante, pensou em se aproximar. Em atravessar a multidão e obrigá-la a lhe dar respostas. Mas conteve-se. Não era a hora. Ela não podia vê-lo — ainda não.
Mattheo era paciente. Sempre fora. E agora, com a presa diante dos olhos, precisava apenas observar. Descobrir. Entender.
Encostou-se discretamente em uma parede, mantendo a distância. O olhar castanho a seguia com uma intensidade predatória, mas ao mesmo tempo, carregado de algo que ele não compreendia completamente.
Quem é você… e por que me chamou?
As perguntas martelavam em sua mente enquanto a observava caminhar em meio à multidão.