Capítulo 5. Finalmente

818 Words
Mattheo não dormiu naquela noite. O fracasso do feitiço inicial apenas atiçou sua fúria e sua determinação. Ele sabia que existiam rituais mais profundos, mais sombrios, perigosos até para quem ousava mexer neles. E, se fosse necessário, ele pagaria o preço. Vasculhou seu apartamento inteiro, mexeu em baús, estantes de livros antigos, pergaminhos envelhecidos, herdados do seu pai, até que achou um livro antigo de capa envelhecida, páginas amareladas e decidiu tentar. As páginas estavam manchadas, algumas quase ilegíveis, mas entre os símbolos orientais encontrou o que buscava, um feitiço de localização oriental. Uma magia rara, feita para arrancar imagens de dentro da mente e conectá-las ao mundo real. No centro do círculo de runas, Mattheo cortou a palma da própria mão sem hesitar, deixando o sangue cair sobre o traçado.O cheiro metálico misturou-se ao da cera derretida das velas. — Revela veritatem... ostende eam mihi... — entoou em voz grave, quase gutural. O ar se tornou pesado. A chama das velas tremeu como se estivesse prestes a apagar, e uma fina camada de névoa se ergueu dentro do círculo. Mattheo manteve a varinha erguida, os olhos fixos, enquanto a névoa lentamente tomava forma. Primeiro um vulto, depois contornos mais nítidos. E então ela surgiu. A mesma moça. Pele clara, cabelos castanhos escuros que caíam em ondas sobre os ombros, olhos profundos que ele reconheceria em qualquer lugar. Mas dessa vez, não era sonho. A imagem dela caminhava por uma rua movimentada, a névoa moldando fachadas e luzes artificiais. Mattheo cerrou os olhos tentando gravar bem o que o feitiço mostrava... Tentando reconhecer o lugar que ela estava. Ela usava um casaco simples, as mãos enfiadas nos bolsos, o semblante sério. Parecia absorta em pensamentos, sem imaginar que estava sendo observada. Mattheo se inclinou para frente, o coração batendo forte no peito. Cada detalhe era idêntico ao que ele via nos sonhos. Ela existia. — Então é você... — murmurou, a voz baixa, quase reverente. Mas havia algo estranho. Ela não olhava para os lados, não reagia à multidão. Caminhava com passos firmes, como alguém que carregava um peso invisível. O feitiço tremeu, a imagem distorceu-se como um reflexo em água agitada. Mattheo fechou o punho, resistindo à quebra da magia, forçando-a a durar alguns segundos a mais. Ela parou diante de uma vitrine qualquer, na qual Mattheo conseguiu ler o nome da loja e reconheceu imediatamente. -Eu sei.. eu sei onde ela está Seus olhos escuros brilharam por um instante, e ele jurou que ela murmurou algo — mas não pôde ouvir. A névoa se desfez. O círculo se apagou. As velas minguaram até restar apenas fumaça. Mattheo ficou parado, encarando o vazio à sua frente. Agora não havia mais dúvidas. A moça não era fruto da mente. Ela estava viva. E em Londres. O olhar dele se estreitou, frio e predador. — Você não vai escapar de mim... Mattheo permaneceu imóvel por alguns instantes, ainda sentindo o eco da magia vibrando em suas veias. A imagem da rua em Londres estava gravada em sua mente como se tivesse acabado de estar lá fisicamente. Ele conhecia aquele lugar. Já havia passado por ali algumas vezes , disfarçado, em missões silenciosas que exigiam anonimato. Oxford Street. As luzes, as vitrines, o fluxo constante de pessoas… tudo se encaixava. O feitiço não mentia. Um sorriso discreto, quase sombrio, curvou seus lábios. — Finalmente. Sem perder tempo, Mattheo pegou um sobretudo n***o pendurado na cadeira e o vestiu com movimentos rápidos. Deslizou a varinha para dentro da manga, onde sempre a mantinha à mão, e respirou fundo. Um estalo seco cortou o ar. No instante seguinte, ele estava em Londres. A noite estava fria, o movimento intenso, a rua iluminada por letreiros e faróis. Mattheo surgiu discretamente em um beco lateral, ajustando o capuz sobre a cabeça para esconder os traços marcantes. Então, ele a viu. Caminhando exatamente como no feitiço, os cabelos escuros balançando sob a luz artificial, o olhar sério, perdido em pensamentos. Ela parecia não perceber nada ao redor, mas cada detalhe de sua presença era idêntico ao que ele vira durante anos nos sonhos. Mattheo a seguiu de longe, seus passos silenciosos, os olhos atentos a cada gesto dela. O coração, embora controlado, batia em um ritmo incomum para ele. Ela era real. Estava ali, diante dele. Por um instante, pensou em se aproximar. Em atravessar a multidão e obrigá-la a lhe dar respostas. Mas conteve-se. Não era a hora. Ela não podia vê-lo — ainda não. Mattheo era paciente. Sempre fora. E agora, com a presa diante dos olhos, precisava apenas observar. Descobrir. Entender. Encostou-se discretamente em uma parede, mantendo a distância. O olhar castanho a seguia com uma intensidade predatória, mas ao mesmo tempo, carregado de algo que ele não compreendia completamente. Quem é você… e por que me chamou? As perguntas martelavam em sua mente enquanto a observava caminhar em meio à multidão.
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