capítulo 01 - Sabrina
Capítulo 01
Sabrina
Tem dias que eu acordo e me pergunto. será que vai dar certo? Será que esse corre todo vai valer a pena no final?
Meu nome é Sabrina. Tenho 22 anos, moro na Zona Sul de São Paulo, no Pedreira favela do Pantanal. Moro com minha mãe Vandeci , minha irmã Silmara e meu padrasto . E vou te falar, aqui a gente aprende cedo que ou você corre pelo certo... ou o errado te engole. Eu escolhi o certo. Sempre escolhi. Mas vou te contar não é fácil .Costumo dizer que as pessoas que faz tudo certinho são as que mais se ferram , ou eu que sou muito azarada mesmo .
Trabalho numa papelaria, 6x1, salário mínimo e muita paciência. Porque além de aguentar cliente m*l-educado, patrão folgado, ainda tem que sorrir, fingir que tá tudo bem. E nos dias de folga quando aparece eu faço bico. Faxina, recepção de evento, panfletagem, o que aparecer. Tudo pra ajudar minha mãe em casa e não atrasar a faculdade de pedagogia, meu sonho desde menina.
Estudo à noite, pego dois busão e ainda caminho uns dez minutos até a faculdade. Chego em casa cansada, com as costas doendo e a cabeça fervendo. Mas não reclamo. Eu escolhi isso. E quando você tem um sonho, aprende a suportar o peso dele.
A Silmara, minha irmã mais velha, é o oposto de mim. Ela vive na rua, se mete com uns caras barra pesada, já dormiu na delegacia e mesmo assim continua desafiando tudo e todos. Diz que eu sou careta, que vivo presa numa bolha. Mas o que ela não entende é que eu me protejo. Eu vejo o que acontece com as meninas daqui que se metem com o crime. Algumas somem. Outras aparecem machucadas, cabelo raspado e com o olhar perdido. Eu não quero isso pra mim.
Mesmo tentando passar despercebida, às vezes é impossível. Os caras do movimento vivem mexendo, chamando, assoviando. Já ouvi de tudo. "Santinha da quebrada", "mó desperdício", "essas quietinhas são as piores". Finjo que não ouço, sigo andando. Já aprendi que o silêncio é a melhor resposta quando o barulho vem de quem não tem nada a oferecer.
Minha mãe é tudo pra mim. Guerreira, sofre com meu padrasto que é alcolatra , em casa e eu e ela porque se depender dele e da silmara pra colocar alguma coisa dentro de casa , a gente morre de fome . Minha mae Criou a gente na base da fé e do sacrifício. E é por ela também que eu corro tanto. Porque eu quero dar pra ela tudo o que ela nunca teve.
Nem que seja daqui a dez anos. Mas vou dar. E assim eu sigo acordando antes do sol nascer, pegando lotação lotada, virando noites em cima dos livros, lavando louça antes de estudar e tentando não me perder no meio do caos.
Tem dia que eu olho no espelho e m*l reconheço meu rosto. Olheiras fundas, cabelo preso na correria, o uniforme da papelaria já meio surrado… Mas aí eu respiro fundo e lembro o motivo de tudo. Não é por vaidade que tô aqui. É por propósito. E propósito tem um peso que, mesmo doendo, a gente aguenta.
Tem vezes que a vizinha do 23, a dona Elza, fala que eu devia viver mais, sair um pouco, aproveitar a juventude . Mas como é que se aproveita o hoje se o amanhã tá ameaçado? Como é que eu vou relaxar se a conta de luz venceu ontem, a mensalidade da faculdade vence amanhã e minha mãe tá com enxaqueca de tanta preocupação?
E ainda tem o medo. Porque morar onde eu moro, sendo mulher, não é só sobre sobreviver , é sobre resistir. Resistir ao olhar atravessado no ponto de ônibus quando volto tarde da faculdade. Resistir ao convite "inocente" do maluco da moto. Resistir à tentação de largar tudo quando bate o cansaço, a frustração, a vontade de chutar o balde. Mas eu fico porque sonho.
Sonho com uma vida onde minha mãe tenha um cantinho só dela , sem baile funk todo fim de semana que faz tremer a janelas , ou que ela tenha que presenciar a filha com pessoas erradas e fingir que não conhece , que ela tenha paz com plantinhas na janela e paz pra dormir. Sonho com uma sala cheia de crianças, lápis de cor, papel e alegria. Sonho em ser chamada de "tia Sabrina" com orgulho. Em ensinar. Em fazer a diferença.
Mas confesso... às vezes dá vontade de sumir por uns dias. Sabe? Só desaparecer. Sem avisar. Só eu, um lugar silencioso e a liberdade de não precisar ser forte. Porque ser forte o tempo todo machuca. E eu já me sinto cansada antes mesmo dos vinte e cinco.
Tem dia que eu tenho vontade de gritar. Só pra saber se alguém ouve. Mas aí olho pra minha mãe, sentada no sofá com o olhar distante, e penso que ela já gritou tanto pra dentro que não tem mais voz. Então engulo meu grito. Me visto e vou. Porque se tem uma coisa que a vida me ensinou, é que o mundo não para pra quem tá cansado.E nem eu posso parar ainda não!
A volta pra casa de noite parecia ainda mais longa. A aula tinha sido puxada, semana de provas , era terça feira ainda e eu ja tava exausta. As costas doendo os pés parecendo que tinha cimento , meu estômago roncando desde o último intervalo. Ainda tinha que passar no fecha nunca pra comprar o leite da minha mãe e rezar pra ter pãozinho pra tomar café amanhã cedo , pois é o dia nem acabou e já estou pensando na correria de amanhã .
Virei a esquina da viela onde sempre passo e senti aquele arrepio subir pela nuca. De longe vi uma rodinha de caras parados bem no meio do caminho. Música baixa no celular de alguém, fumaça no ar, risadas altas e aquele clima que a gente reconhece de longe, perigo. Suspirei fundo ,ombros retos, cabeça baixa, passos firmes.
-Ihhh... olha a santinha aí, rapaz. ouvi uma voz debochada.
-Só falta soltar o cabelo e mostrar quem é de verdade. outro falou rindo. Fingi que não era comigo. Ignorei, como sempre , abaixei ainda mais o olhar, segurei firme minha bolsa e tentei passar rápido.
Mas foi aí que eu esbarrei. Melhor dizendo, bati. Numa parede, não uma de tijolo, mas de músculo. Dura, quente, imóvel. Fui jogada pra trás com o impacto, perdi o equilíbrio, tropecei, a bolsa caiu do meu ombro, os livros foi pro chão e o pior... meu celular caiu com tudo , foi a primeira coisa que sem pelicula. Meu subconsciente automáticamente "parabéns, Sabrina, mais uma pra sua conta".
- Merda… sussurrei, ajuntando minhas coisas com as mãos tremendo. Foi quando eu ouvi a voz Grave, firme, cortante.
- Presta atenção por onde anda p***a ....
Levantei o rosto, ainda ajoelhada no chão, e meus olhos encontraram os dele , senti meu coração batendo na garganta, eu nunca cheguei tão perto, eu tô muito ferrada .
Tafarel. O nome que todo mundo sussurra. O cara que comanda a quebrada . Falam dele como quem fala do bicho-papão. Ninguém olha nos olhos. Ninguém peita. Ninguém esquece.Alto, pele clara , corpo forte, tatuagens subindo pelo pescoço até desaparecerem debaixo da camiseta preta justa. A corrente de ouro em destaque, e o olhar , meu Deus, o olhar. Escuro, parado, frio. Eu congelei.
- Foi mal... gaguejei, ainda no chão.
- Levanta. ele disse, sem alterar o tom.
Demorei um segundo. Ele estendeu a mão. A mão grande, marcada, com um anel pesado num dos dedos. Eu hesitei. Mas peguei.
A força com que ele me puxou quase me fez tropeçar de novo, mas dessa vez ele segurou firme. Perto. Perto demais. O rosto dele a centímetros do meu. O perfume amadeirado. O calor. A tensão.
-Sabrina, né? ele perguntou, num tom que mais parecia uma constatação.Travei.
- Como... como você sabe meu nome?
Ele sorriu de canto. Mas não era um sorriso comum. Era um aviso.
- A gente sempre sabe o nome das santinhas da quebrada.
E então ele soltou minha mão devagar, virou as costas e foi na direção da rodinha, que se calou. Todos como se ele fosse o rei e eles, as sombras.
Eu fiquei parada por alguns segundos , com o coração disparado, os livros nos braços e a alma tremendo. Saí andando rápido quando saí do transe .
Sera que essas coisas só acontecem comigo? que mesmo fazendo tudo certinho… a vida tem um jeito estranho de virar tudo de cabeça pra baixo. E, às vezes, o perigo que a gente foge vem de onde menos espera.No meu caso, ele veio em forma de dois metros de altura, tatuado até o pescoço, com um olhar de gelo e um nome que até o vento sussurra com medo Tafarel.
Entrei em casa , passei a corrente no portão e foi aí que lembrei o leite e o pão, meu Deus eu não posso morrer , eu preciso continuar viva pra cuidar da minha mãe.
Ouvi a voz da silmara atrás de mim .
- Que isso garota viu um fantasma ? tá branca . não consegui responder ,minha respiração tava desregulada .Enfiei a mão no bolso e entreguei pra ela o direito contado do pão e leite .
- Vai lá comprar o pão e o leite por favor . pedi com a voz falhada .ela sorriu de um jeito estranho concordando com a cabeça e foi , agradeci mensalmente por isso , ela conhece todos eles eu já sou uma medrosa ainda mais depois do que acabou de acontecer. Quando entrei em casa minha mãe estava na sala de pijama , e olhar perdido em algum ponto.
- Oi minha filha.
- Oi mãe tá tudo bem ?
- Tá filha ,tudo bem e como foi seu dia ? ela fala isso mais sei que deve ter rolado alguma coisa , mas ela não vai admitir pra não me preocupar , do mesmo jeito que eu faço.
- Tudo . Acho que fui bem na prova de hoje tô confiante . sorri forçada tentando não transparecer o quanto eu estou nervosa.
- Tenho certeza meu amor . Vou tomar o leitinho e dormi .
- Vamos espera a sil trazer pedi pra ela ir busca que eu acabei esquecendo de passar por lá. Minha mãe olhou pra mim na mesma hora .
- Ahh Sabrina....minha filha ela não vai trazer pode ter certeza , ela nem vai aparecer aqui hoje , tava louca atrás de dinheiro ce sabe pra que né? sentei no sofá triste era o único dinheiro que eu tinha sobrando , o restante já tá tudo separado pras contas certinho.
- Aí meu Deus mãe... meus olhos marejaram me senti uma i****a .
- Vamos dormi descansa , amanhã eu levanto cedo devo ter umas moedas escondidas eu compro seu pãozinho.
- Minha preocupação é a senhora mãe, seu leite zero lactose...
- Deus proverá! ela falou e ajudou eu levantar , fui pro quarto onde eu divido com a silmara nem a cama dela ela arruma , o cheiro de sujeira tava exalando quando eu abri a porta . Fui pra lavanderia pegar produtos pra limpar porque vergonha não é ser pobre e ser porca , e eu que não vou dormi em um lugar fedido assim , fiz tudo com a porta do quarto fechada pra minha mãe não percebe e se estressa ainda mais coitada já anda com semblante triste certeza o Zé Mauro meu padrasto de e tá por aí gastando o salário em cachaça.
Chegamos com mais um lançamento meus amores , add na biblioteca pra ajudar a autora aqui , vamos sair um pouquinho do RJ e contar um pouquinho das vivências nas quebradas de São Paulo.