Capítulo 6
Narrado por Marratimah
Eu não sei em que momento essa novinha começou a me desestabilizar. Só sei que, quando Dandara passa, meu sangue esquenta. Não é só vontade de comer, não. É outra fita. É como se ela tivesse um cheiro que me tira do eixo, um olhar que me acerta no peito.
E isso me irrita.
Porque eu sou Marratimah. Dono do Turano. Eu não me apaixono. Eu mando. Eu fodo. Eu descarto.
Mas com ela... é diferente.
Dandara não é igual às vadias que se esfregam em mim no baile, que puxam meu p*u no meio da multidão, que gemem meu nome sem nem saber quem eu sou de verdade. Ela é... limpa. Intocada. Virgem. Isso eu já saquei no olhar. No jeito que ela segura a saia quando passa pelos caras. No silêncio que faz quando me vê chegando.
Ela me respeita. Mas também me deseja. Eu vejo.
E eu não posso tocá-la. Ainda não.
Se eu meter a mão, não vai ser só g**o. Vai ser entrega. Vai ser pacto. Vai ser loucura.
E eu tenho guerra pra vencer. Inimigo me vigiando. Polícia me caçando. Traíra querendo me derrubar.
O amor enfraquece. A p***a do amor mata.
Mas, mesmo assim, penso nela toda noite.
Quando tô enfiando meu p*u em alguma p**a, é o rosto dela que aparece no meio da f**a. É o gemido que eu imagino dela que me faz gozar mais forte. É a pele clara dela que eu queria marcar com minhas mãos.
Ela é nova. Nunca foi de ninguém.
E isso me enlouquece.
Saber que, se eu quiser, posso ser o primeiro. O único. A p***a do dono do corpo dela.
Mas aí eu penso: será que ela vai aguentar? Será que uma flor dessas sobrevive no meu mundo? Ou vou acabar matando o pouco que sobrou de pureza nela?
Dandara é diferente. Ela é brisa no meio do vendaval. É silêncio no meio do tiroteio.
E eu sou tempestade.
Ontem ela sorriu pra mim.
Foi rápido, tímido. Mas foi sincero. Senti meu coração falhar um segundo, como se tivesse tomado um tiro invisível. E é aí que eu percebi: eu tô ficando fraco.
Porque pensar nela me faz querer proteger. Me faz querer cuidar. E isso não combina comigo. Eu sou o lobo, não o anjo da guarda.
Mas ela... ah, essa menina vai me destruir.
Se eu deixar.
E eu não posso deixar.
Por enquanto, observo. Cuido. Faço os pais dela andar na linha. Pra não causarem no morro, usam droga escondidos pelos becos da favela.
E isso também me dá raiva.
Porque parte de mim quer ela. Outra parte quer ver ela bem, trabalhando, tendo o seu próprio dinheiro.
Se um dia eu for nela, vai ser no momento certo.
No dia que eu decidir, ela vai ser minha. Não como as outras. Não só com a b***a empinada e a boca aberta. Vai ser de alma. Vai ser de sangue.
Porque, se eu meter nela, irmão… é casamento ou caixão.
Mas, por enquanto, deixo ela intacta.
Porque a guerra que eu luto agora é contra mim mesmo.
E essa é a mais perigosa de todas.
Nessas horas ela deve estar limpando a casa, preparando o almoço. A comida que ela faz é uma delícia.
Gosto de chegar na hora que ela já está saindo, só pra não agarrar e dar um beijo naquela boca gostosa.
Heloá tá causando pelo morro porque a mina tá trampando na minha casa. Tá pensando que eu não sei que ela acionou o Zulu pra investigar a vida da mina?
Tô de óculos escuros no bagulho não, tô de olho na Heloá.
Hoje vou puxar o tapete da v***a. Mandei o Big Joel buscar a Cíntia. Vou levar ela pro asfalto, hotelzinho beira de pista. Só pra provocar.
Cíntia veio toda animada. m*l sabia ela que ia ser o prato do dia. E foi. Enterrei nela a noite toda, com raiva, com sede, com ódio. Não foi amor. Foi guerra. Foi recado.
De manhã, quando voltamos, o sol m*l tinha nascido. Cíntia descia do carro devagar, com as pernas bambas, cara inchada, cabelo bagunçado, andar de quem tinha sido arregaçada.
Assim que entrei no beco, Heloá já tava me esperando.
— porque você fez isso Marratimah? — ela cuspiu as palavras, pulando do degrau com o olho cheio de ódio.
— Tu não manda em mim, Heloá.
— Tu me fode e fode com minha amiga na minha cara? Tu acha que eu sou o quê?
Ela veio pra cima. A mão dela subiu, querendo estalar na minha cara.
Mas não deixei.
Segurei o pulso dela no ar, torci com força. Ela gritou.
— Tu perdeu a linha, p***a! — falei baixo, com veneno. — Tu tá achando que é o quê aqui?
Ela tentou se soltar, mas dei um tapa forte. A cabeça dela virou de lado.
Cíntia se encolheu, assustada, mas ficou quieta.
E foi nesse momento que Dandara apareceu.
Vinha caminhando devagar, de roupa simples, com a mochila nas costas. Tava indo pra casa trabalhar. Caminho de sempre. E, quando viu a cena, parou.
Nosso olhar se cruzou. O dela, cheio de espanto. De medo. Decepção. A alma dela sangrando no olhar.
Eu soltei a Heloá.
Dandara apertou o passo, atravessou a viela em silêncio. Não disse nada. Mas eu vi a lágrima cair.
Ela chegou na minha casa em silêncio, com a alma quebrada. Subiu, foi direto pra cozinha, ligou o fogo como se fosse automático. Mas o olho dela, vermelho, tremia.
— Bom dia — disse a moça que lava minha roupa sem notar o estado dela.
— Bom dia — respondeu Dandara, a voz embargada, sem conseguir esconder a dor.
Deixou o arroz queimar. Deixou o feijão sem sal. Tremia enquanto lavava os pratos.
Meia hora depois, cheguei em casa.
Ela me olhou, mas não disse nada.
Eu me aproximei devagar, tirei os óculos. Ela virou o rosto.
— Você viu... — sussurrei.
Ela assentiu, com lágrimas presas nos cílios.
— Não era pra você ver isso. — tentei me explicar.
Mas ela não respondeu. Pegou o pano de prato e começou a limpar a mesa.
Como se quisesse limpar também a imagem que agora tinha de mim.
E ali, eu entendi: tinha machucado mais que um rosto naquela manhã.
Tinha quebrado o único pedaço limpo que ainda existia dentro dela.